Publicidade

David Gonçalves de Almeida

“A igreja Paroquial de S. Pedro documenta de algum modo o passado da vila. É do século XVIII e resultou de um acrescentamento de uma mais pequena, do século XV, destruída pelo sismo de 1755”, refere o site da União de Freguesias de S. Pedro de Alva e S. Paio do Mondego, consultado em 31/08/2020.

Também o “Inventário Artístico de Portugal”, da autoria de Virgílio Correia e A. Nogueira Gonçalves, no volume dedicado ao distrito de Coimbra,  refere que “o edifício actual pertence a duas épocas: a capela-mor ao segundo quartel do séc. XVI e o corpo da igreja à segunda metade do séc. XVIII, por ter desabado o da época quinhentista, com o terramoto de 1755”.

Ora, há uns tempos, ao consultar os Relatórios dos Párocos, pedidos pelo governo do Reino, qual não foi o nosso espanto quando verificámos que no relato respeitante a S. Pedro de Alva, com data de 15 de Maio de 1756, se lia que “não houve ruinas algumas ainda nos edifícios de maior grandeza, como esta Igreja (Padroado Real) que pelo levantado, e majestoso de seu arco cruzeiro e capela-mor excede as mais deste arcediagado, obra antiga, de que não há memória, e só tradição ser fundada pelos Templários.” E mais à frente: “É esta freguesia povoada só de lugares ou aldeias em um sítio vulgarmente chamado Casconha e como o terramoto não causou mais abalo, que horror e espanto, não houve providência alguma imediata.”

Dois anos depois, foi lançado um novo questionário, onde, além de outras perguntas que não tinham a ver com o cataclismo, se inquiria se a freguesia havia “padecido” de alguma “ruina no terramoto de 1755” e, no caso de ter existido, em quê e se estavam reparados os danos. Curiosamente, também aqui, nada se refere quanto ao desabamento da Igreja, nem às consequências materiais do terramoto.

Perante isto, legítimo foi perguntar: se de facto tivesse havido tão significativo estrago na Igreja Matriz, como se diz, o que poderia ter levado o pároco a não o comunicar superiormente, passado apenas meio ano? E de que modo se criou a ideia do pretenso desabamento?

Foi então que fomos reler Carlos Proença. No seu livro “Notícias Históricas de Mondalva” é referido este assunto. Trata-se de uma obra que é um manancial incrível de dados históricos sobre o concelho de Penacova e que, lamentavelmente, muito poucas pessoas terão lido e estudado. É no capítulo “A Lenda do Terramoto” que se explica muito bem o que, de facto, se terá passado.

Entre 1745 e 1830 foram inúmeras as Visitações (visita de um superior eclesiástico, que além de outros aspectos, averiguava questões sobre a  conservação da igreja e alfaias litúrgicas) e sempre se falou na necessidade de obras interiores e exteriores na Igreja. Uma das visitas ocorreu cerca de um ano depois do Terramoto de 1755 e, ao ler a acta respectiva, bem como as outras referentes às visitações de 1758 e 1764, não consta a “mais ligeira referência àquele pavoroso cataclismo ou a estragos por ele ocasionados”.

Obras de relevo na Igreja, houve de facto. E foi com base num relato do vigário Bernardo José Correia, sobre as mesmas, datado de 1798, que terá nascido o equívoco. Escreveu ele que “o templo desta matriz arruinou-se com o terramoto de 1755. O reverendo Pároco com o Povo dispôs-se com uma redízima para o reedificar”. Diz Carlos Proença que se o dito vigário tivesse lido o Livro das Visitações e tivesse interrogado muitas das pessoas ainda vivas, nunca teria feito aquela afirmação que deu origem à narrativa do terramoto e induziu em erro os autores do “Inventário Artístico”.

Carlos Proença, que também consultou os acima referidos relatórios paroquiais, nada encontrou, obviamente, que aludisse à “destruição” do templo mais antigo. Este historiador  acabou por concluir que a “lenda do terramoto” vem provar que a tradição oral, quando  desacompanhada de outras fontes, tem um valor muito relativo.

Concluindo: Decorreram obras no século XVIII, isso é verdade, mas a necessidade das mesmas já vinha sendo reportada desde muito antes, ainda ninguém sonhava que em 1755 a terra iria tremer semeando a destruição e a morte em Lisboa e noutros locais do Reino, mas não em S. Pedro de Alva, felizmente.

David G. de Almeida

Publicidade

Artigo anteriorCiência Viva – O céu de setembro de 2020
Próximo artigoPrimeiro-ministro pede aos portugueses que usem máscaras reutilizáveis fabricadas em Portugal

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui