Penacova Actual [PA] – Quem é, por onde tem andado, o que tem feito?
Hugo Borges Ferreira [HBF] – A minha família é de Chelo, mas nasci em Coimbra há 41 anos e chamaram-me Hugo Borges Ferreira. O meu mundo é a gestão e a minha vida é empresas e negócios, além de família e amigos. Vivi em Coimbra até aos seis anos, onde frequentei um jardim escola. Depois fui viver para Chelo, onde frequentei a primária. Passei depois para a preparatória e secundária de Penacova, sendo que aos 18 anos regressei a Coimbra para frequentar o curso de Contabilidade e Auditoria no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra (ISCAC). Foi uma fase de muitas experiências de vida, com muitas atividades e partilha, até concluir os estudos. Fui bacharel em Contabilidade e Auditoria e pelo meio iniciei a minha primeira empresa. Adicionalmente fui também estagiar para uma empresa de contabilidade, sendo que de seguida fui trabalhar como responsável administrativo e financeiro de outra empresa durante 8 meses. Saí porque estava a frequentar a licenciatura e surgiu a oportunidade de ir para Erasmus – Londres – e fui. O modelo de ensino era muito diferente e foi outra experiência enriquecedora. Regressei e conclui a licenciatura, até ter ido trabalhar para Lisboa. Monte da Caparica, na verdade. E logo depois segui como profissional expatriado para Timor. Foi outra grande experiência. Pessoal e profissionalmente foi muito bom. Fui um dos administradores da delegação de uma empresa Portuguesa lá. Dei aulas na Universidade. Conheci Singapura, Indonésia, Tailândia, Malásia, Austrália, Hong Kong, entre outros. Saí ao fim de 3 anos e meio para voltar a estudar. Escolhi um MBA. Procurei algo de referência, listado nos rankings, direcionado para a globalização. Estava escolhido: MBA em gestão global, e dessa forma voltei a Londres, depois Boston, seguido de San Francisco. Pelo meio as saudades da família, a minha avó que continuava a envelhecer e, já no final, um amigo, quase um irmão, faleceu. A perspetiva global passou a ter sentido muito mais próximo de casa. Regressei a Coimbra. No mínimo, queria passar os últimos anos da minha avó com ela. Não queria perder mais amigos, muito menos estando longe. Deixei os amigos do mundo. O desafio foi ser bem sucedido em Coimbra, tal como seria noutros sítios, onde as oportunidades seriam mais. Encontrei um amigo, coincidentemente também de Penacova, ao qual me associei passadas algumas semanas de ter regressado, no final de 2011, e fiquei. E o facto é que desenvolvemos o negócio, até criarmos mais umas quantas empresas, nalguns casos com outros sócios, todos eles com ligações a Penacova, desenvolvendo atividades como consultoria, contabilidade, mediação imobiliária, entre outras. Ao ponto de termos de seguir cada um o seu caminho. E 2020 está a ser um novo ano, um reinício, a continuar e desenvolver o que já fazia. Pelo meio, conheci a minha ex-esposa com quem tive uma filha em 2015 e tenho uma nova família.
PA – O que leva de Penacova para a sua vida e trabalho noutras paragens?
HBF – Família e amigos. Educação, desporto e cultura. Atualmente estou um pouco afastado de tudo, mas joguei futebol no Chelo e no Casal de Santo Amaro, participei em vários torneios de futebol no Verão, pertenci ao grupo de folclore “As Paliteiras de Chelo”, entre outras atividades pontuais. Apesar de ser um único concelho, sinto que existe uma grande diversidade de culturas: Chelo, Lorvão, São Mamede, Paradela, Rebordosa, Caneiro, Cheira, Chainho, Sernelha, Figueira de Lorvão, Gavinhos, Conteças, Ponte, Vila Nova, São Pedro de Alva, Travanca, e muitas mais que, enfim, serão todas iguais, todas diferentes. E eu respeitava e gostava de experienciar todas. Foi algo que sempre me interessou. A diversidade. E não deixa de ser um sítio muito bom para crescer com tranquilidade, para ir despertando para a vida, com paisagens bonitas para sentir sempre algo especial, com o rio para aprender a pescar e nadar, enfim, muitas coisas.
PA – O que traz dos lugares por onde se move para Penacova?
HBF – Sempre pensei um pouco nisso. Talvez em breve possa trazer uma iniciativa empresarial, mas é algo ainda a estruturar. Acredito que, neste momento, a resposta a esta pergunta seja apenas a possibilidade de partilhar visões e ideias. Cada região tem a sua própria cultura, a sua própria filosofia e, acima de tudo, há que reconhecer o contexto atual (o meu e o do concelho). Ponderando racionalmente, pelo que sou e pela forma que considero que as coisas devem ser, para trazer mais do que isso preciso de condições no tempo e no espaço que até ao momento ainda não encontrei.
PA – Como se olha para Penacova a partir do seu trabalho e vivência quotidiana?
HBF – Entre outras coisas, a minha perceção é que Penacova mantém o património natural, o potencial florestal, desenvolveu o turismo, existe alguma capacidade de resposta social e tem constantes iniciativas desportivas e culturais, tendo por base as tradições. Os produtos endógenos estão a ser trabalhados. Talvez existam 10 a 20 empresas de referência no concelho com atividades em diversos setores. No entanto, sinto também que o concelho ainda não recuperou a dinâmica social e económica que já teve no passado. Abrir um estabelecimento comercial em Penacova ainda é uma iniciativa de risco, porque não há consumo. É sintomático. Foram muitos anos sempre a perder-se essa dinâmica, sem preparar o futuro e sem assumir iniciativas que evitassem essa situação. Agravada eventualmente também por momentos de crise global. Foi necessário recomeçar de um ponto muito deficitário. Agora há investimento em infraestruturas públicas, há a tentativa de modernizar o concelho, mas depois ainda não há quem aproveite. Não há benefício da obra feita. Penacova parece-me um espaço com uma necessidade imensa de pessoas, de dinamismo. Muito devido, também, a pessoas como eu, é certo, que se foram afastando, e o facto é que, neste momento, Penacova é apenas o sítio onde vou visitar a família. É uma região onde algumas pessoas vão dormir, depois de trabalhar em concelhos limítrofes. Faltam pessoas ativas a viver. Faltam pessoas a vir com muita regularidade de fora para dentro. Não está tudo mal, mas queremos sempre mais.
PA – O que se sugere para Penacova a partir do espaço onde habita/trabalha?
HBF – No contexto referido, esta questão leva-me a um tema complexo, onde tudo o que se pode dizer nunca é assim tão linear, mas fica a minha visão geral de uma forma muito simplificada. Tem sido feito um grande trabalho e como se depreende pelo que referi, considero que Penacova oferece qualidade de vida, com paisagens bonitas e atividades desportivas, entre muitas outras coisas. No entanto, ainda não recuperou a dinâmica social e económica que já teve no passado e se isso for um objetivo, há uma diversidade de perspetivas que penso que deviam ser consideradas prioritárias nesta fase, mesmo no contexto ainda imprevisível que vivemos resultante da pandemia. Seria importante atrair pessoas para trabalhar e viver em Penacova. Recuperar e promover construção urbana habitacional, aumentando as soluções disponíveis e atraindo famílias para viverem neste concelho, não passando apenas por Penacovenses. Penso que as pessoas da região de Coimbra não estão a escolher este concelho. Vão viver para a Lousã, para Poiares, para Condeixa, para Cantanhede, para a Mealhada, entre outros.
Também seria muito importante valorizar ainda mais o setor empresarial, reforçando condições para que as empresas viessem e se mantivessem no concelho. Não é um ponto descurado, mas penso que deveria ter maior preponderância. É reconhecidamente um fator importante para o desenvolvimento económico e social. Tal como há uma forte aposta no turismo, precisamente uma das áreas com que menos me identifico, mas à qual reconheço grande valor e futuro. Seria importante diversificar, não estando tão exposto a este setor (do turismo), e ao mesmo tempo ajudando-o com as sinergias que viriam seguramente a ser criadas. O Concelho está a cerca de 20 minutos de Coimbra e tem uma zona industrial a 10 minutos da entrada da autoestrada. Talvez falte valorizar verdadeiramente a importância que as empresas, grandes e pequenas, teriam para o concelho. Entretanto, o futuro do mundo continuará a ser dominado cada vez mais por conceitos relacionados com tecnologia, automação, inteligência artificial, a economia verde, entre outros. São temas que poderiam ser introduzidos e desenvolvidos na região, preparando o seu próprio futuro.
Em resumo, não obstante a existência de muitos aspetos positivos, a minha perspetiva é que Penacova está numa situação de estagnação nalgumas áreas. Carece de dinâmica e desenvolvimento económico e social. A aposta no turismo é importante, mas, por si só, receio que não produza os resultados necessários, mesmo associando atividades e comemorações durante o ano todo. É algo que o concelho pode aproveitar (com muito mérito, diga-se), tal como no que se refere ao potencial florestal, entre outros, mas deveria ser complementado, criando sinergias que ajudem a potenciar a evolução. Atrair pessoas para trabalhar e/ou viver no concelho será fundamental, assim como valorizar o setor imobiliário e o empresarial, não descurando a introdução de conceitos de futuro. O concelho de Penacova poderia beneficiar mais da proximidade a Coimbra, mas, ao invés, penso que sofre por esse mesmo motivo, por não conseguir dinamizar e aproveitar todas estas áreas.