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A preocupação não é a exaustividade justa, mas somente a exemplificação simbólica e sintética. Recordamos com gosto e orgulho as presenças da RTP e da RFM no Reconquinho, as reportagens [nomeadamente do Expresso] sobre o Vimieiro, o cinema musicado do ano transato em ambas as praias, o concerto improvável de violino, a noite no parque, organizada pela Casa do Povo de Penacova, e todos esperamos o melhor da Serenata anunciada para a semana no Reconquinho. Ninguém ousará colocar em causa a qualidade e a validade destes e de outros acontecimentos. Do mesmo modo, ninguém se atreverá a criticar negativamente o visível investimento em infra estruturas, nomeadamente nas duas praias fluviais citadas.

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Ainda assim, na ótica de observador externo, estes eventos parecem surgir desgarrados. Pessoalmente, sinto falta da ideia de uma programa unificador, assumido como proposta estruturante, que acrescente ao património natural e nos diferencie. O rio Alva do Vimieiro é o mesmo que passa em Coja, por exemplo. E o Mondego do Reconquinho não é substancialmente distinto do que cruza o Casal da Misarela. Assim, creio que terão de ser as propostas paralelas a completar a dádiva natural, a potenciar as infra estruturas [até para gerar o retorno que as ‘pagará’ e justificará] e, sobretudo, a oferecer qualidade diferenciadora. Com o hábito, um programa cultural adjacente seria afluente dos rios e passaria a ser tão natural como a Natureza. Porque acabaria por ser assumido como uma identidade!

Compete aos poderes públicos a exclusividade do fazer? Seguramente que não, sendo que podem e devem chamar a si uma parcela da ação. É da responsabilidade dos poderes a provocação da criatividade e da execução dos atores empresarias, associativos e privados? Claramente que sim. Está na sua competência apoiar ideias alheias que lhe cheguem ao regaço, independentemente da sua maternidade, desde que adequadas, éticas, legais e exequíveis? Indubitavelmente.

Do lado dos poderes, creio ser de agradecer a competência dos técnicos atentos às candidaturas que financiam a construção de equipamentos públicos. De modo simétrico, estou convencido que estamos significativamente órfãos de [outros] técnicos capazes de rechear de agenda e de pessoas essas estruturas públicas edificadas. O recém inaugurado ‘parque municipal de ténis’ recebeu ao fim de quase dois meses o primeiro evento. Onde [e quem] se pensa a sua dinamização? Nas praias fluviais, a cultura não terá lugar, com a participação das bibliotecas, das filarmónicas, dos grupos de teatro, das escolas? A educação estética, o culto do bom gosto é algo perfeitamente potenciável, a partir da nossa beleza natural. Quantas pintores não viriam pintar nas margens dos nossos rios? Ou quantos escritores não ‘ensinariam’ escrita criativa a partir da inspiração destes espaços? A atividade gastronomia dos respetivos restaurantes não poderia dar lugar a «ateliers» de cozinha com a participação das comunidades e o incremento de receitas locais, com a participação da comunidade? Os idosos, ‘institucionalizados’ ou não, não poderiam ter «espaço» na época balnear concelhia, numa perspetiva inter geracional, integrada com as gerações mais jovens, nomeadamente com as crianças, ajudando a ‘fazer passar’ a memória identificadora dos locais e a solidificar as raízes dos mesmos?… Por condicionantes de espaço, dispenso-me de prosseguir o elenco e limito-me a lançar [estas] questões.

Creio que nos falta a capacidade de fazer propostas de modo sistemático e não ao sabor da ocasionalidade. Estou convicto que, em algumas destas circunstâncias, mais que falta de dinheiro, existe insuficiência de estudo e de contactos, criatividade pouco estimulada, visão estreita, incapacidade de criar sinergias… Receio ainda que algumas destas apostas não se façam por não terem retorno imediato, mensurável no período de uma legislatura, nem permitam a placa identificadora das obras de regime.

Do lado dos agentes empresariais, associativos e individuais fica a responsabilidade de pensar e projetar sem liberdades coartadas. Com muitos, de múltiplas perspetivas e com alcances diversos. Fica ainda a obrigação cívica de «cansar» quem decide em última instância, com uma avalanche de ideias que provoque terramotos na «pasmaceira» instalada e agite a habitual lentidão das decisões. Tudo sem ceder ao provincianismo medíocre de «copiar» a ideia de sucesso do vizinho, para estragar a dele e matar a sua antes de tempo. Sempre com o intuito de ser parceiro e acrescentar diferenciação. Com o dever cívico de avançar, desde que formal e pragmaticamente possível, mesmo que com a ausência de quem tinha a obrigação de estar presente, sob pena do contrário enfraquecer a cidadania e colocar a o seu exercício exclusivo somente na mão de alguns.

Do lado dos destinatários situo a responsabilidade de fazer crescer a nossa consciência de fome e sede de mais saber e mais cultura. De estimular a nossa profundidade reflexiva e a nossa exigência crítica, fundamentada e comprometida. De exercitar a nossa disponibilidade de agenda exterior e o nosso tempo afetivo interior para a presença e para o serviço ao bem comum, porque algum dia chegará a nossa hora.

Em resumo, o que temos como dádiva é do melhor. A nossa capacidade de criar estruturas de apoio é muito boa. A maior dificuldade, aqui e em todo lado, agora e desde sempre, é colocar pessoas e vida nas estruturas, para que não sejam museu.

Luís Francisco Marques, chefe de redação do Penacova Actual

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