E se equivaler Escola a ‘sala de aula’ fosse assumido como reducionismo que é e nos obrigasse a todos a uma alteração substancial disso que seja o ‘paradigma’ educacional da burocracia e da acumulação mensurável ‘sabe-se lá de quê’ [conhecimento? sabedoria? Informação?], erigindo ‘ágoras’, ‘fóruns’, ‘ginásios’ [em sentido clássico e forte!] desalinhados da ortodoxia imposta e alinhados com o centro que [mais] importa – crianças e jovens?
E se mesmo a geografia edificada fosse toda ela ‘escolar’? As bibliotecas não seriam arquivo arqueológico empoeirável pelo [des]uso, mas sedutoras sementeiras de curiosidade, de janelas e portas abertas, para arejar o mofo e deixar entrar a avidez inquietante suscitada nos espíritos em ebulição! A mesa da refeição seria educação do cuidado com a inteireza da pessoa que inclui a beleza do corpo, tubo de ensaio de diálogos argumentados e fundamentados, ensaio microscópico da relacionalidade que humaniza! Os ‘recreios’ não seriam acrescentos [des]alienantes, mas teares onde se entrelaçam as linhas alicerçantes dos novos Contratos Sociais, lugares de ensaio de respiro de uma existência que morre ensimesmada se não for plural, telas de sonhos desenhados no rosa hormonal edílico e saudável, onde a pele diz muito do que somos. Os transportes e os percursos de e para as Escolas não seriam itinerários de enfado ou libertação, mas busca antecipada e continuada do saber que é seiva sem a qual a existência humana vegeta e que se elabora, sobretudo, pela reflexão partilhada entre iguais, depois da escuta e da leitura dos mestres.
E tudo com tempo… Tempo com lazer, com jogo, com descanso, com silêncio… E tempo de cada um consigo… Esse é o lugar das sínteses, da apropriação e elaboração próprias do que se escuta e lê. E tudo com corpo e carne, a massa que nos faz e não é subtraível desta equação educativa, porque não se educam partes de pessoas ou pessoas em partes.
Por escassez de competência e amplitude de ignorância deixo para quem sabe [e, esta semana, o Penacova Actual escuta diversos intervenientes] as questões que caberão debaixo da nomenclatura de ‘técnicas’. Proponho refletir sete aprendizagens, que considero legíveis na atipicidade deste ano letivo que agora começa, mas começo por sublinhar que talvez o ‘típico’ nos acomode e tolha as possibilidades e quiçá o atípico seja o específico da plural e multicultural condição humana contemporânea.
- Uma licenciatura em confiança deseja-se. Estamos nas mãos uns dos outros de um modo existencial e pragmático. Não haverá plano perfeito, nem segurança absoluta, nem risco nulo. Como sempre, só que agora com uma campainha que o alerta com estridente sonoridade. Assim, sem confiança não há relação e sem esta a educação é coxa.
- Um exercício matemático de divisão do medo é uma terapia experienciável. Com os nossos, juntos, suportamos mais facilmente o que atemoriza. A origem do temor permanece, mas a capacidade de conviver com ele aumenta, o que resulta numa diluição das fragilidades e num agigantamento das fraquezas.
- Uma aula prática sobre consciência ecológica integral, no cuidado com o corpo e com a causa comum é preconizável. O individual diz quase nada sobre a pessoa. Mesmo a sua identidade única e irrepetível é algo que apenas se alcança na relação com os outros. Logo, cuidar de mim é cuidar de tudo e todos e cuidar de tudo e todos é cuidar de mim. Menos que isto não é humano nem humanizante. E sendo um défice civilizacional quando não é prática, é uma imbecilidade quando nem sequer é teoria.
- Uma experiência de ‘divã psicanalítico’ que ajude a conscientizar cada um da sua fragilidade como elemento comum e igualitário da Humanidade inteira é uma receita saudável. Não é o lado forte que nos identifica. Os escombros e a ruína são a nossa marca umbilical partilhada. O que nos distingue é a capacidade de não ceder aos ‘cacos’ despedaçados e de os reconstruir com a novidade de cada um e de cada tempo.
- Um ‘serviço militar’ adaptado e proporcionado, que ensine a lidar com a adversidade é outro itinerário de aprendizagem que se vislumbra. O adverso pode não ser o mau [mesmo este pode ser interpretação e interpretável], mas apenas o diferente e o inesperado. Este é também o tempo propício para o advento dos desenhadores de soluções e dos solucionadores de problemas, em lugar da perpetuação dos simples executores de protocolos.
- Um laboratório de criatividade é o mínimo que se espera como resultado deste tempo de oportunidade que agora se abre diante de nós. Sem requentamentos cosméticos, pensamentos encerrados em quadriculas estreitas e enviesadas ou repetições anacrónicas de capítulos gloriosos. Com a originalidade própria de nós.
- Uma ‘filiação’ interior na militância de causas é uma consequência inevitável de uma educação dita integral. Há sempre algo algures ainda não feito e que fica por fazer se eu não fizer. Este ano letivo deve ajudar a encontrar esse algo e esse algures em cada um e cada uma dos que o vão mais evidentemente protagonizar.
Luís Francisco Marques