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Os movimentos negacionistas surgiram com motivações muito diversas e, actualmente, são várias as vozes que têm vindo a negar a dimensão global da Covid-19 e a contestar as políticas de confinamento adoptadas em muitos países, exigindo aos Estados o fim das medidas de protecção sanitária.

Os protestos ocorridos na Alemanha, nos últimos meses, organizados por esses movimentos, mostram a força de um grupo heterogêneo –  em Berlim, reuniu 20 mil pessoas -, incluindo elementos de extrema-direita que veiculam teorias conspiratórias, racismo, antissemitismo e apelos à violência, a que se juntam grupos anti-vacinas e, até mesmo, adeptos dos tratamentos alternativos e esotéricos.

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Esta recusa de encarar a realidade pandémica da doença e a sua capacidade (gravidade) não é, todavia, um exclusivo da Europa, onde apesar de tudo os Direitos Humanos estão mais assegurados, verificando-se que tem tido repercussões mais dramáticas nos EUA e no Brasil, os países com maior taxa de mortalidade por Covid-19, e noutros países da América do Sul, em que os respectivos governos se lançaram há muito numa verdadeira batalha anti-ciência. Mais assustador ainda, é que surgiu um movimento contra a vacina da Covid-19, que ainda nem existe.

A negação da importância de estudos científicos em pleno século XXI é, a todos os títulos, irracional e incompreensível, sendo certo e indiscutível que a ciência é que faz do mundo um lugar melhor para os seus habitantes, e surge a par de teorias que nascem, ganham adeptos e expandem-se livremente, sem nenhuma avaliação científica ou jurídica.

Em tempos de grande incerteza e medo, as pessoas, principalmente as menos conscientes, as insuficientemente informadas, ficam mais propensas a acreditar em teorias da conspiração, que servem interesses mais obscuros, que podem ser políticos, religiosos ou até mesmo sociais, não assumidos  de forma explícita, e que mais não pretendem que o aproveitamento da situação pandémica que se vive para, a coberto da desgraça alheia, fazerem valer as suas posições de autoritarismo e propensão menos democrática.

O empírico sobrepõe-se ao científico, a mentira sobrepõe-se à verdade, as opiniões confundem-se e o falso brilha como verdadeiro, sendo até bizarro pôr em causa a ciência e ignorar a evolução epidemiológica de uma doença que pode ter maiores consequências.

Tudo isto é feito em campanhas devidamente organizadas, o que obriga o cidadão comum a ter atenção redobrada a este tipo de informação, orquestradas por especialistas em comunicação e com meios para o efeito, procurando estar atento às “fake news” e informações divulgadas sobretudo nas redes sociais e, mais subrepticiamente, em alguns órgãos de comunicação social.

E nada surge espontaneamente do nada, na maioria das vezes mais não são do que estratégias para chegar ao poder e instalar e perpetuar ditadura e autoritarismo. Recordemos a 2ª Guerra Mundial, em que houve um aproveitamento de um período de crise económica e política para proliferarem o nazismo e ideias totalitárias, que foram nascendo de mansinho, quase sem se dar por elas, para logo ganharem força e se alastrarem com aceitação/conivência das pessoas e que resultaram na perda de milhões de vidas humanas.

Hannah Arendt (1906-1975), filósofa judia, de origem alemã, alertava que ideologias totalitárias como o fascismo, o nazismo ou o estalinismo – ou actualmente a extrema-direita – baseiam-se em teorias de conspiração para granjear seguidores, identificando um “pseudo inimigo”, algo exterior e sentido como ameaçador, para fazer que os demais se unam para combater o “inimigo comum”.

A maioria dos que escolheram/escolhem lideranças totalitárias – que pareciam inicialmente patetas ou imbecis – muito provavelmente continuará a apoiar, no futuro, essas lideranças populistas e demagógicas. O medo vivenciado, no presente, ajuda à propagação da mentira, é por isso que os “salvadores do mundo” adoram o medo e alimentam-se dele para garantir a sua longevidade.

Em Portugal, os movimentos de extrema-direita que emergem, não são excepção a esta tendência, difundido teses negacionistas e conspirativas da pandemia, e identificando como inimigos as comunidades cigana, africana e imigrante.

A par disso, surgem vozes que procuram fomentar o medo das aulas de “Educação para a Cidadania”, em que, no fundo, mais não se pretende do que dar a conhecer aos jovens as regras do funcionamento democrático e os valores que nos regem e nos protegem, para que possam viver numa sociedade mais justa, democrática e igualitária.

O que queremos transmitir às gerações mais recentes, que estão agora a iniciar a sua socialização e educação, quando alguns propõem a título de “castigo” a remoção de ovários a mulheres que, por circunstâncias vida, são obrigadas a fazer um aborto?

É importante não esquecer que milhares de pessoas lutaram, no passado, para que tivéssemos um mundo melhor, em que os Direitos Humanos possam ser assegurados. Temos de ter consciência que não podemos agora regredir, apoiando falsas crenças, moralismos e demagogias que comprometam o nosso bem-estar em sociedade e o das gerações vindouras.

Não faria sentido estarmos a trazer para o tempo actual – o nosso tempo –  ideários comprovadamente ultrapassados, que nasceram das circunstâncias de crise vivenciadas no século XX e trouxeram sofrimento e mortandade. E ao fazê-lo, corremos o risco de dar forma e consistência a políticas e forças que difundem e patrocinam esse ideário sob a máscara de, alegadamente, defenderem o bem das pessoas, quando, na verdade, mais não pretendem do que fazer emergir um terramoto em que fiquem soterrados os nossos Direitos.

Marília Alves

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