Há situações que acontecem por acaso, mas que acabam por ser as mais profícuas, não só pela experiência, mas também pelas pessoas que se conhecem e histórias que ficam.
Divagando pelas stories do instagram, deparo-me com uma publicação que sobressaía de toda a inutilidade vista até então. Os criadores do projeto “Vinhos APARTE” pediam ajuda para vindimar. O programa era simples: vindima de manhã, almoço e a tarde seria passada na adega em Torres Vedras. Logo me apressei a responder se ainda precisariam de ajuda e que teria todo o gosto em participar. A resposta não demorou muito, afirmativa e com a hora e local: 8 horas da manhã numa vinha na zona de Alenquer.
Fui recebido pelo Diogo Yebra, sommelier residente do JNCQUOI Avenida e um de três jovens enólogos que, durante o seu curso superior de enologia, começaram a investir e a criar isso mesmo, vinhos “à parte”. O objetivo é simples: comprar boas uvas de castas nativas provenientes de várias regiões de Portugal e vinificá-las para produzir vinhos de mínima intervenção na adega, mas de uma originalidade ímpar, desde o próprio vinho até à sua designação. A imagem também é cuidada, na qual convidam vários artistas para criar os seus rótulos.
Os vinhos são criados com a filosofia dos vinhos naturais, através de uma mistura de técnicas e ideias, que vão até onde a imaginação conseguir alcançar. Várias técnicas de vinificação mundiais são consideradas: curtimenta típica do Valpolicella Ripasso, “flor” característica dos vinhos de Jerês, hiperoxigenação usada em Mosel e outras ideias que fogem à regra, com cunho pessoal. Exemplo disso é o topo de gama “Grainha”, um branco ao qual, durante o seu estágio em barrica, foram adicionadas grainhas secas em quantidade com o objetivo de transmitir tanino ao mosto. Acabou por não funcionar, mas por outro lado o vinho adquiriu uma cremosidade marcante.
Aquele que mais me marcou, não só pela sua qualidade, mas também pela gargalhada que soltei quando o vi pela primeira vez dá pelo nome de “Mike Tazem”. Vinificado 100% com uvas Encruzado, provenientes de uma vinha no Dão, mais precisamente de… Vila Nova de Tazem!
Dada a filosofia de pouca intervenção, este vinho não sofre qualquer tipo de filtração, pelo que se não for servido com cuidado, apresentar-se-á completamente turvo. Nada que afete a degustação, apenas uma questão visual e que para a CVR Dão, implica que este não deverá ser associado à região, nem no rótulo nem na comunicação em seu torno. Em relação à prova, a casta é representada com notas cítricas muito marcadas e algum marmelo fresco. A boca comprova o nariz, com alguma untuosidade e uma acidez impressionante, que preenche a boca tornando-se cada vez mais guloso, após cada copo.
São projetos inovadores e diferenciadores como este que fazem com que o vinho não se torne aborrecido e repetitivo. Muitos parabéns ao Diogo, Luís e Guilherme pelas belíssimas criações. Que continuem assim… APARTE!