
Foi considerado como o “Cristóvão Colombo de Penacova-a-Linda”, na medida em que se afirmou como “o mais vibrante e valioso pregoeiro das nossas paisagens”, o maior “propagandista deste bendito trecho da terra portuguesa”. [Cf. Jornal de Penacova (1930)]
De Penacova já ouvira falar quando, no Liceu da Guarda, fora professor, juntamente com o Deão Leite. No entanto, a sua verdadeira “paixão” por esta terra começou alguns anos mais tarde. De visita ao Mosteiro de Lorvão, veio, acompanhado de Simões de Castro, conhecer a sede do concelho. “Extasiado com as paisagens, poucos dias depois iniciava no Diário de Notícias uma intensíssima propaganda” em favor das “belezas pitorescas desta linda vila”, salientaria a imprensa local. Em 1909 publicou também, na revista “Serões”, com destaque de capa, duas importantes reportagens sobre Lorvão e Penacova. E foi por influência sua que a Sociedade de Propaganda de Portugal incluiu a vila nas dezassete terras do país que mereciam ser visitadas. A partir daí não mais deixou de ter Penacova sempre presente na sua vida e sem dúvida no seu coração.
Quando morreu, em 1936, foi o próprio “Diário de Notícias” que se referiu a esta ligação: “Em matéria de turismo deve-se-lhe ainda, por exemplo, a vila de Penacova, uma das mais pitorescas do país, larga campanha em seu favor. Em troca, a um mirante que ali se erigiu e de onde se descortina sobre o Mondego uma paisagem deliciosa, deu a vila o nome de Manuel Emídio da Silva. Dos “Emídios” se chama também a estrada que liga os vértices Luso-Penacova-Coimbra, do chamado triângulo turístico do centro do país, em louvor popular do seu nome e de Emídio Navarro, o primeiro que deu fundos para a sua construção.” Em reconhecimento disso mesmo, foram colocados no Salão Nobre dos Paços do Concelho os retratos daqueles dois beneméritos – Emídio da Silva e Emídio Navarro.
Igual destaque lhe deu o “Notícias de Penacova” de 25 de Julho de 1936, recordando que Emídio da Silva promovera “a abertura de uma subscrição entre os Penacovenses para a construção do Mirante que projectara. Foi o principal subscritor e ofereceu ainda a planta para a construção que foi elaborada a seu pedido pelo notável arquitecto Nicola Bigaglia.” Mirante que, recorde-se, foi inaugurado em Maio de 1908, trazendo a Penacova a elite social e intelectual lisboeta.
Mais tarde, em 1916, Manuel Emídio da Silva veio do Luso a Penacova, acompanhado do Eng.º Vasconcelos Correia, então director da Sociedade de Propaganda de Portugal. Nesse dia, decidiram oferecer à vila um novo miradouro. Algum tempo depois, o arquitecto Raul Lino veio escolher o local e, a expensas daquela benemérita sociedade, a obra foi construída no largo Alberto Leitão e inaugurada em 1918 com o nome de Pérgola Raul Lino.
Sempre atento às iniciativas de engrandecimento de Penacova, escreveu, por exemplo, em 1917, uma carta que foi publicada no “Jornal de Penacova” onde se congratulava com o legado de António Maria dos Santos em favor da construção de um hospital e de uma escola (a futura Escola Maria Máxima), manifestando a sua opinião sobre a arquitectura do futuro edifício. Recorde-se que a Sociedade de Propaganda de Portugal, com Emídio da Silva, Raul Lino e Simões de Castro, despertaram na sociedade portuguesa o interesse pelo património regional.
Os penacovenses sempre viram nele um grande amigo, empenhado no progresso de Penacova, ao ponto de ainda em 1930, intercederem junto dele no sentido de se concretizarem muitas das aspirações há tantos anos adiadas. A título de exemplo: prolongamento da “Estrada dos Emídios” até Poiares, conclusão da estrada nº 48 em direcção a Mangualde, reparação do ramal da Raiva para a Catraia dos Poços, e – curiosamente e talvez porque Emídio da Silva estivera fortemente ligado à ferrovia – “a mais rápida construção do Caminho de Ferro do Vale do Mondego, da Portela a Santa Comba Dão, por Penacova”. Esta pretensão vinha já, como nos recordamos, do tempo em que se discutiu o traçado da Linha da Beira Alta e esteve em análise na Câmara dos Deputados um projecto naquele sentido. O “Notícias de Penacova”, quando veio a lume pela primeira vez, também lhe fez um convite para nele colaborar, ao que respondeu por carta de 10 de Setembro de 1931, publicada naquele periódico.
Mas, quem foi, em última análise, Manuel Emídio da Silva? Político, como muitas vezes é apresentado? Ora, em termos de cargos políticos, apenas temos conhecimento de que foi deputado pelo Partido Progressista, ainda no tempo da Monarquia. Figura de grande projecção pública, isso sim, foi sem dúvida.
Tentámos ir além dos apontamentos biográficos do senso comum e nessa pesquisa deparámo-nos com uma referência bastante credível, ou não fosse publicada nos dois volumes que assinalaram as bodas de diamante do jornal “Diário de Notícias”. É com base nessa fonte que aqui fica um esboço biográfico desta personalidade marcante na vida portuguesa e também na história de Penacova.
Manuel Emídio da Silva nasceu em Lisboa no dia 18 de Outubro de 1858 e morreu, na mesma cidade, a 15 de Julho de 1936. Filho de Fernando Emydgio da Silva e de Hedwiges Eugénia da Motta e Silva, casou com Virgínia Neuparth.Um dos seus filhos, Fernando Emídio da Silva (1886-1972) foi um catedrático e financeiro de renome.
Em 1878, terminou o Curso de Engenharia na Escola Politécnica de Lisboa. Ainda nesse ano, entrou como desenhador para a Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta e no ano seguinte passou a condutor auxiliar na secção da Guarda – Vilar Formoso, tendo sido, de seguida, até 1882, chefe de lanço na construção e chefe de secção de vias e obras.
De 1882 a 1885 foi Chefe da Repartição Técnica dos Caminhos de Ferro Salamanca – Vilar Formoso. Ainda, neste último ano, assumiu as funções de Secretário Geral da construção das Linhas de Mirandela a Viseu. Entre 1885 e 1891 fez parte da sociedade empreiteira da construção da Linha da Beira Baixa (Abrantes-Guarda). Foi chefe de Serviços Administrativos e sócio da empresa. Aquando da construção da linha Santarém-Vendas Novas, no ano de 1895, passou a Administrador da Companhia dos Caminhos de Ferro Meridionais.
Cumpriu diversas Comissões de Serviço na Inglaterra, Alemanha e Bélgica e foi delegado aos Congressos Ferroviários de Paris (1889 e 1900), S. Petersburgo (1892) e Londres (1895).
A sua veia jornalística esteve sempre presente, sendo notável a reportagem que fez na Rússia, em 1892, intitulada “No País da Cólera – Viagem à Rússia”. Notáveis foram também as crónicas sobre a Dinamarca, Suécia e Noruega. Representou o “Diário de Notícias” no 1º Congresso Internacional de Imprensa, realizado em Antuérpia em 1894, no qual se discutiu o que é ser jornalista. Nos seus artigos usou o pseudónimo L. Mano, principalmente nas Crónicas “Coisas e Loisas” (e não “Coisas e Loiças”, como por vezes se diz), que foram compiladas em dois volumes. No final da vida, foi Presidente da Assembleia Geral da Empresa Nacional de Publicidade, proprietária do “Diário de Notícias”.
No campo do turismo, como já referimos, pertenceu à Sociedade de Propaganda de Portugal e foi Secretário Geral do 4º Congresso Internacional de Turismo, realizado em Lisboa (1911). Um pouco à semelhança do Penedo do Castro, também a ele se deveu, por exemplo, a ideia do “Banco do Ramalho”, um dos célebres postais ilustrados do Gerês, espaço ajardinado com a assinatura de Raul Lino (1920), evocando o local onde o autor de “As Farpas” contemplava “as águas do rio Caldo e mirava a Pedra Bela bem lá no cimo”.
Amigo íntimo de Columbano Bordalo Pinheiro (que fez um retrato de Manuel Emídio e também um de sua mãe), tinha um requintado gosto artístico e a sua casa “era um verdadeiro museu de preciosidades”. Pertenceu ao Grupo de Amigos do Museu de Arte Antiga a quem deixou alguns legados de valor.
Outra faceta da sua intervenção social prendeu-se com o Jardim Zoológico de Lisboa, de quem foi especial benemérito e administrador. Em 1961, na presença do Presidente da República, aquela instituição assinalou o centenário do seu nascimento, inaugurando uma lápide onde se podia ler que “sem Manuel Emídio da Silva, o Jardim Zoológico de Lisboa já não existia ou não estaria nas condições de desenvolvimento em que se encontra.” Quando se visita aquele espaço podemos apreciar um busto de Emídio da Silva em lugar de destaque.
O Conselheiro Manuel Emídio da Silva faleceu em Lisboa em 1936. No funeral estiveram presentes milhares de pessoas, figuras de relevo da literatura, da ciência, das artes, do jornalismo e da finança. A urna foi coberta com a bandeira do Jardim Zoológico a cujo Conselho Directivo pertenceu. O corpo foi depositado no jazigo do Conselheiro Ernesto Driesel Schroeter, figura destacada da política e da banca e seu particular amigo.
Em Penacova, o Presidente da Câmara, na altura José de Gouveia Leitão, que se fez representar no funeral pelo Dr. Mário de Aguiar, advogado em Lisboa, mandou içar a bandeira do município em sinal de luto. Em nome da Câmara, apresentou as condolências à família e mandou celebrar missa de sufrágio na Igreja de Penacova.
David G. de Almeida