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O dia está fechado e cinzento, daqui de onde vos escrevo.

Chovem pingos inclinados, tocados a um vento agreste de sul e ali embaixo, o mar está picado, desaconselhando a navegação, mesmo a mais preparada.

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Nem de propósito, uma metáfora grátis que entra pela janela, certa para os tempos cinzentos que atravessamos e aos quais se pode dedicar uma de duas atitudes:

Ou uma auto-hermetização, entendida como uma defesa face a um certo ensandecimento coletivo em curso e, por isso, um alheamento que desconsidera o que está a acontecer e a forma como está a acontecer;

Ou uma auto-reflexão, quanto mais não seja para um esconjuro pessoal que proporcione a “sobrevivência” igualmente pessoal relativamente à terraplanagem a que assistimos, todos os dias, para onde quer que detenhamos – mesmo que em comedidas doses – os nossos sentidos.

Nem me referiro à pandemia em si, mas às ações que a governança empreende a coberto dela e da “legitimação” que ela, através das suas colateralidades, cauciona.

Ao presidente, tudo o que o empurre para um “unânime” segundo mandato – de preferência com uma votação “em estilo politburo” – serve, incluindo fazer de ajudante do governo, a soldo de manso e oficial apoio. A bovinidade do indígena, devidamente alimentada por salvamentos de mar, lanches em direto e vacinas em tronco nú e a expontânea cobertura jornalística tratam do resto. Tudo está bem assim e não deverá estar de outra maneira.

O primeiro ministro é uma figua omnipresente. Multiplica-se, subdivide-se, surge em todo o lado, ameaçando, decretando, justificando-se, citando-se mas, na maioria dos casos, sempre a sorrir, em outras de ar grave que depois suaviza com mais uma desvalorização, mais uma projeção, mais um… sorriso. Provavelmente para nos tentar servir a sua ementa – não uma cataplana de peixe ou marisco que certo dia ensaiou num programa de televisão – mas uma cataplana de medidas em que algumas fariam rebolar os ocupantes de pouco democráticas tumbas.

Localmente, cruzaram-se não há muitos dias, três anos sobre os tremendos incêndios de outubro de 2017 e que também nesta terra deixaram profundas marcas sociais e físicas. Basta ler, por exemplo, o recente desabafo de uma colaboradora deste jornal para perceber em que ponto se está, volvido este tempo.

Aliás, os que tem o poder de decisão, que a ele concorrem porque querem e que o conquistam – a maior parte das vezes nem interessa como –  contam com esse fator, o tempo, e a janela que ele abre ou fecha, dependendo, frequentemente, no sentido do esquecimento ou do “deixa estar que isso passa”, tudo direto para a inação, a inalação e o lavar de mãos. Não parecem ser as pessoas atingidas que importam mas antes a sua (deles) aura política, seja para proveito pessoal, seja para mostrar serviço aos superiores, cavalgando os jargões e os lugares comuns que forem necessários, usando as “oficiosidades” que forem precisas.

No fim disto, surge a óbvia (e esperada) hipersensibilidade à critica. Ela é praticamente total e o escrutínio só é bom no vizinho do lado ou mediante uma agenda de interesses que mãos invisíveis redijam, sempre com o higiénico sabão em barra para alíviar vírus e sujidades, por via da frequências das águas de lavar que depois rodopiam ralo abaixo, rumo ao escuro do esquecimento.

E a sociedade vive assim, neste ermo, provavelmente centrada na sua sobrevivência diária e menos – praticamente nada – a projetar onde tudo isto pode acabar por desinteresse e alheamento, factos que alguém, ao dobrar de uma esquina, espera para poder patrocinar e prosseguir a tarefa de alegre embrutecimento geral.

António Luís

 

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