A morte é algo trágico, mas inevitável. Quando alguém decide pôr termo à própria vida é ainda mais trágico, porque é um acto inesperado. Trata-se de um luto mais doloroso e com muitos ‘por quês’, estando o suicídio habitualmente reservado ao silêncio do estigma ou abafado pelo preconceito. Muitas vezes a família alargada e os amigos afastam-se, não querem ou não sabem abordar o assunto, deixando as pessoas mais próximas dos suicidas em situação de maior vulnerabilidade. E essa vulnerabilidade reflete-se no facto de correrem maior risco de elas próprias atentarem contra a própria vida.
Nos relatos das pessoas que tentaram suicídio e até que se suicidaram, percebe-se que as pessoas não querem morrer, mas uma razão para viver. As suas acções são para pôr fim à angústia e ao sofrimento e, como consequência, à vida. De acordo com os profissionais e especialistas, a trajetória até à tentativa de suicídio é longa. Provavelmente, a pessoa vai dando, por muito tempo, indícios de acentuado mal-estar. É por esse motivo que, quando alguém deixa transparecer essa intenção, deve ser levado a sério.
As pessoas evitam falar de saúde mental, de transtornos psíquicos, de ansiedade e de suicídio. Nos tempos que correm todas as pessoas têm que ser capazes de superar tudo, todas são felizes e nas redes sociais a vida é linda e colorida. Tudo isso influencia directamente na questão do suicídio.
Mas a raiz é mais profunda, a nossa matriz cultural é judaico-cristã, assenta num critério de vida, e aquele que comete suicídio, por definição, cometeu um pecado sem qualquer opção para o arrependimento. Matando a si mesmo, a morte torna-se um acto pecaminoso, em vez de uma expiação, e num sentido, a pessoa desperdiçou a dávida da vida, repudiando implicitamente a imortalidade da alma.
As estatísticas indicam que mundialmente a cada 40 segundos uma pessoa se suicida, com o suicídio a ser responsável por cerca de 1 milhão de mortes a cada ano, mais do que o cancro da mama, a malária, a guerra ou os homicídios.
Por não falar sobre o que sente, muitas pessoas sofrem tanto a ponto de encontrar no suicídio a única consolação. Falar sobre suicídio pode salvar vidas e diminui o preconceito. As mortes por suicídio são evitáveis, o suicídio não é nenhum mistério insondável — sabem-se quais são os determinantes e, principalmente, sabemos que acontecem quando as pessoas estão doentes, com doenças psiquiátricas, ou eventualmente quando estão num estado psíquico de grande fragilidade, o qual seria transitório se o tempo não se esgotasse de forma trágica. O que frequentemente ocorre é falta de partilha e comunicação.
Desde que há registos oficiais em Portugal, a taxa de suicídio tem dois picos: em jovens, sendo a segunda causa de morte nessa faixa etária a seguir aos acidentes rodoviários; e nos idosos, com maior predominância acima de 75 anos e na região sul do país.
Depressão é o diagnóstico mais relatado em suicídios consumados. Todos nós nos sentimos deprimidos, tristes, solitários e instáveis em determinadas alturas, mas marcadamente esses sentimentos passam. Contudo, quando esses sentimentos persistem e interferem na vida normal, no quotidiano da pessoa, tornam-se patológicos. O consumo e a dependência de bebidas alcoólicas aumentam consideravelmente o risco de suicídio, designadamente quando associados a depressões e a algumas características de personalidade, como a impulsividade e a agressividade, razão pela qual se impõe uma atenção redobrada neste domínio. O risco de suicídio aumenta em casos de doenças crónicas e prolongadas e nas doenças infectocontagiosas em que o estigma e a natureza da doença aumentam o nível de risco. Os mais idosos e todos aqueles que têm dificuldade em andar, ver ou ouvir estão também em maior risco. Os homens cometem mais suicídio, mas as mulheres tentam muito mais o suicídio que os homens. As mulheres recorrem mais a substâncias químicas, os homens utilizam métodos como se enforcar e arma de fogo, e morrem mais. Pessoas divorciadas, viúvas e solteiras têm maior risco do que pessoas casadas e as que vivem sozinhas ou são separadas são mais vulneráveis.
O processo de sensibilização das pessoas para este grave problema de saúde pública passa por desconstruir os mitos em torno dos comportamentos suicidários, nomeadamente: a pessoa que fala sobre suicídio, apenas quer chamar a atenção. É falso. Não é normal que um ser humano diga que se vai matar ou que a vida não tem sentido. Principalmente com os jovens. Quando se tratam de adolescentes, as pessoas dizem “quer chamar a atenção”. Todas as ameaças devem ser encaradas com seriedade. Assim como os comportamentos autolesivos e tentativas de suicídio anteriores A investigação mostra que as tentativas de suicídio prévias são dos mais significativos preditores de risco. Em muitos estudos publicados, até 50% daqueles que morreram por suicídio fizeram, pelo menos, uma tentativa prévia.
O suicídio só acontece aos outros. Falso: o suicídio pode ocorrer em todas as pessoas, independentemente do nível social ou familiar. As crianças não cometem suicídio. Falso: embora seja raro, as crianças podem cometer suicídio e qualquer gesto, em qualquer idade, deve ser levado a sério.
Neste momento pelo qual a sociedade está a passar, de muita incerteza, isolamento e distância da socialização, atenção ao outro é imprescindível. Esta crise sanitária, económica e social é extremamente preocupante e especialistas apontam que muito possivelmente as taxas de suicídio poderão aumentar. Um aspecto a ter em atenção é a ansiedade, sentimento que muitas pessoas devem estar a sentir de forma mais exacerbada no momento, mas que, caso a situação saia do controlo e interfira no seu quotidiano, procurar ajuda pode marcar a diferença. Há sempre alguém disposto a ouvir, pessoas para quem a vossa/a nossa vida importa.
Prevenção ao suicídio: onde procurar ajuda
SOS Voz Amiga (entre as 16h e as 24h) – 213 544 545
Conversa Amiga (entre as 15h e as 22h) – 808 237 327 (Número gratuito) e 210 027 159
SOS Estudante (entre as 20h e a 1h) – 239 484 020
Telefone da Esperança (entre as 20h e as 23h) – 222 080 707
Telefone da Amizade (entre as 16h e as 23h) – 228 323 535
Marília Alves