Estamos em momentos da discussão do Orçamento de Estado (OE) para 2021.
Este documento é o instrumento de gestão que contém uma previsão discriminada das receitas e das despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos e o orçamento da segurança social.
Se bem nos recordamos, aliam-se aos resultados deste instrumento o conceito que tem massacrado as nossas vidas -e, até, a nossa credibilidade externa- déficit e bem assim um outro poucochinho que, infelizmente, só foi ensaiado uma vez, ainda assim camufladamente por um Ministro das Finanças que fugiu: superávit.
Nas nossas casas quando o agregado familiar gaste mais do que aquilo que ganha, temos déficit; e a falta de dinheiro só é resolúvel através da obtenção de empréstimos ou através da acumulação de calotes…
A opção é discutida em família e, normalmente, chega-se a um acordo familiar sobre o modo de ultrapassar a situação.
Aqui, no OE, a questão é a mesma:
– o Governo estima as receitas e projecta as despesas;
– o Governo apresenta na AR a sua proposta de Orçamento;
– o Governo, quando é maioritário, normalmente não precisa de ninguém e é arrogante nos propósitos da imposição da vontade;
– por vezes -como agora- o Governo tenta comprometer os parceiros no sucesso do documento, através de seduções mais ou menos toleráveis, mas sempre promíscuas;
– outras vezes o Governo põe-se de cócoras e vai de dar tudo a todos os que o apoiem;
– quando a sedução não resulta o Orçamento chumba;
– e quando chumba há crise política; daquelas que, normalmente, ninguém quer, mas que, noutras vezes anseia.
As atitudes arrogantes dos nossos Governos maioritários, infelizmente, têm acumulado déficit sobre déficit, porque para distribuir eles -todos- não precisam de apoios e só querem ficar bem na fotografia, capitalizando para eleições futuras.
Passámos anos de restrições por causa da crise do subprime (…e da má governação) que nos fez chegar à banca rota; Entrámos num período de recuperação (…em que era exigível boa governação).
… e tanto num período como no outro, só acrescentámos dívida à dívida (calote a calote), que como vimos acima é como se resolve, sem trabalho, o problema do déficit …
Até que chegou o Covid, esse malandro!
Mas não faz mal, porque a EU vai mandar aí uma bazuca de biliões e biliões; fiquemos descansados; vai ser muito rápido, até a fundo perdido, ouviu-se.
Só que quem fez tão tristes afirmações não conhece, de facto, os meandros do monstro que foi criado em Bruxelas, nem conhece o designado acquis communautaire.
Ou seja,
O Covid criou as necessidades imprevistas; o Governo entrou em looping e foi satisfazendo necessitas sociais e outras, sem que o tal orçamento pudesse acomodar ideias de entrada de qualquer tipo de apoio europeu, muito menos dado a fundo perdido.
Entretanto, não esqueçamos:
– tinha-se dado ao Ministro que fugiu a possibilidade de construir um buraco sem fundo chamado Novo Banco, com doença de velho mal habituado;
– e a um outro, irrequieto mas bom gestor de geringonças, tinha-se dado a possibilidade de brincar às empresas e de libertar os privados que ali quiseram investir, das suas responsabilidades próprias, onerando gerações de gerações com os fumos da TAP em terra;
– para não falarmos de outra arrogância personificada que, antes da pandemia, passou o tempo todo a guerrear as únicas classes aptas a fazer um SNS digno, que desmotivou: médicos, enfermeiros, técnicos e pessoal de saúde.
Resumindo:
- O Covid é um agente imprevisto, sem dúvida, mas que o Governo devia ter acautelado, pelo menos prudencialmente, como se faz acautelando, por exemplo, os cataclismos;
- O Governo criou dois buracos imprevisíveis que ninguém está abalizado a quantificar;
- Os euros de Bruxelas não chegaram, nem ninguém está habilitado a prever quando chegarão e como;
- A Saúde, custe o que custar, tem que funcionar praticamente à vista, logo sem orçamento de chegada;
- A “bazuca”, afinal, é de sinal muito, muito negativo, espelho de experimentalismos absolutamente inadmissíveis;
- Os tempos -tal como tenho antecipado- vão ser mesmo muito complicados; pelo menos para os mais desprotegidos (reformados, idosos, deficientes e desempregados), para os mais jovens e já, também, para a dita classe média, cuja taxa de esforço para impostos ninguém ousa antecipar.
A não ser que eu esteja errado!
Luís Pais Amante