A semana foi pródiga em temas que poderiam fazer sair da Serra palavras. A escolha não foi fácil mas rumou a terras do tio Sam. Por esses lados existe uma juventude colectiva (com muito cabelo branco!!!) tão irresponsável que prendou o mundo com um polícia mais louco do que lúcido, mais chico-esperto do que inteligente e que mesmo assim está de novo a votos. Salve-nos Baco!!!! Por tudo isto e mais um quanto que nem eu sei, hoje pensei em Jeannette Walls e o seu Castelo de Vidro. Terá sido por hoje ser um dia de memória, de saudade, de nostalgia. A verdade é que hoje me apeteceu relembrar que a vida é para ser celebrada e esta autobiografia, que mais parece um romance de cordel, é isso mesmo, uma celebração constante da vida.

“Eu estava a arder.
É a minha primeira memória. Tinha três anos e vivíamos num parque de caravanas numa cidade do Arizona, cujo nome nunca soube. Empoleirara-me numa cadeira frente ao fogão e usava o vestido cor-de-rosa que a avó me oferecera. (…) Naquele dia, usava o vestido para cozinhar salsichas, observando enquanto inchavam e balançavam na água a ferver, à medida que a luz do início da tarde iluminava a kitchenette.”
SINOPSE
O Castelo de Vidro é uma autobiografia escrita de tal modo que se lê como se fosse um romance. Cada página prende o leitor obrigando a uma leitura compulsiva.
Jeannette Walls é uma conceituada colunistas dos Estados Unidos. Ganhou a vida a escavar o passado das figuras proeminentes em quem o público pudesse estar interessado e, simultaneamente, a manter bem longe dos olhos e ouvidos do mundo (eventualmente civilizado…) o seu próprio passado do qual sentia profunda vergonha. Um dia achou que a sua tarefa de vida estava a ser demasiado penosa, e se o seu passado teria que ser do conhecimento do mundo, porque ela própria se tornou uma personagem apetecível para quem tem pouca vida para viver, o melhor seria ser contado por si. E nasceu um texto notável que deu origem a um filme também interessante.
Esta obra começa com uma imagem terrível: uma filha vê, de dentro do táxi que a leva para uma festa da alta sociedade nova-iorquina, a mãe a vasculhar num caixote do lixo e sente uma vergonha terrível da mãe de tal forma que foge com medo de ser por ela reconhecida.
A história da vida de Walls vai ser contada em analepse, partindo deste ponto de referência – a mãe a vasculhar no lixo.
Walls cresceu numa família completamente à margem de todas as regras sociais. Nos primeiros anos foram nómadas, vivendo inclusivamente no deserto, depois assentaram mais um pouco mas nunca tiveram aquilo a que se pode chamar uma vida normal. O pai sempre viveu de esquemas e nunca gostou de trabalhar. Na verdade o trabalho do comum mortal provocava-lhe algo muito perto do choque anafilático que o poderia matar. Para além desta alergia ao trabalho era alcoólico. A mãe esteve sempre demasiado ocupada com a sua inexistente carreira de artista plástica para trabalhar, cuidar das crianças e do local onde moravam. Ambos possuíam elevados conhecimentos em diferentes áreas (a mãe era professora). Desprezavam completamente todas as regras sociais e educaram (ou não) os filhos de forma a que eles fossem sempre auto-suficientes. Na realidade o que parece é que eram demasiado egoístas para se preocuparem com os filhos e para tentarem dar-lhes uma vida menos difícil. Contudo a autora jamais emite juízos de valor.
As crianças sofreram todas as privações possíveis de imaginar incluindo fome e frio. Muito cedo aprenderam que se queriam sobreviver teriam de ser elas a tratar das suas necessidades básicas. Assim, aprendem a procurar comida no lixo e a comer quanto podem e o que têm. A escrita está de tal forma despida de dramatismos fáceis que aquilo que teria sido uma tragédia para qualquer ser humano ganha contornos de aventura, tornando este livro numa leitura viciante.
Boa semana com livros!