É possível encontrar em muitas descrições de vinho o adjetivo “mineral”, enaltecendo as características de um certo vinho, por mais vã que esta ligação pareça. Este adjetivo tornou-se um chavão para quem quer vender vinho ou descrevê-lo. Sem dúvida que a sua utilização tem sido abusiva e inapropriada em muitos casos, especialmente quando o vinho que está a ser descrito não apresenta característica organolética alguma que justifique a sua utilização. De qualquer forma, este termo que surgiu no mundo vínico na última década, tem gerado enorme discussão e está longe de se chegar a um consenso.
Apesar de muitos vinhos de topo mundial terem esta característica bem vincada, e esta ser reconhecida por provadores experientes, alguns cientistas não aprovam a sua utilização e resumem a sua ligação com os vinhos a mero romantismo. Alex Maltman, geólogo galês e autor de dois estudos publicados no Journal of Wine Research, sustenta que nem as plantas são capazes de transformar em aromas os minerais absorvidos no solo, nem as rochas que o compõe têm qualquer capacidade de agregar algum tipo de cheiro ou sabor ao vinho.
“Está cada vez mais na moda o uso do termo mineralidade na degustação dos vinhos. E a palavra leva o degustador a sustentar uma tese: a sensação é fruto do sabor dos minerais no vinho, que seriam transportados das rochas e solos através da planta. No entanto, há uma razão muito simples para que isso não possa acontecer: os minerais presentes no vinho são elementos nutrientes – tipicamente catiões metálicos – e distantemente relacionados com os minerais geológicos da vinha, que são compostos cristalinos complexos. O elemento mineral no vinho normalmente tem concentrações minúsculas e carece de sabor. As tentativas de explicar a perceção da mineralidade envolvendo alusões a materiais geológicos são irrelevantes. Seja o que diabos for, a tal mineralidade não tem, de forma alguma, qualquer relação com os minerais extraídos pela videira”.
De opinião contrária é austríaco Nikolaus Saahs, da Nikolaihof:
“Muitos dos nossos vinhos trazem um forte componente mineral. E isso está diretamente associado ao solo. Tenho plena convicção disso e vou mais longe. Acredito que produtores que não usem aditivos, pesticidas e fertilizantes químicos, tendem a ter videiras mais fortes que sejam capazes de absorver em plenitude os minerais presentes no solo. E esta absorção revela-se na hora em que fazemos o vinho, também de forma menos intervencionista, com leveduras indígenas, sem clarificação, colagens ou filtrações”.
Guilherme Corrêa, da Wines By Heart também defende a mineralidade, dando exemplos de vários vinhos do mundo em que esta característica é notória:
“Não sabemos exatamente porque razão os vinhos dos Açores carregam um poderoso aroma e sabor de pedra-pomes, mas até o provador mais inexperiente consegue senti-lo. Da mesma forma, os aromas de ardósia serrada dos Riesling do Mosel, os aromas de giz de um Chablis, de sílica friccionada de um Pouilly-Fumé, de pedra calcária molhada de um Vitovska do Carso, de cantos rodados ao sol num Bordeaux, de pó de granito de um Nebbiolo da Valtellina.”
É evidente que é possível perceber estes aromas na prova e a utilização do termo faz sentido dada a sua ligação com a definição de terroir. Dado que a sua interpretação causa discórdia, creio que a utilização do termo “sensação de mineralidade” seria mais adequado e traria mais concordância à discussão.
Ricardo Ferreira, jovem escanção natural de Penacova, assina a rubrica de vinhos no Penacova Actual, sendo atualmente responsável pela carta de vinhos do Rossio Gastrobar do Altis Avenida.