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Hoje as palavras a descer a Serra saem um pouco do formato habitual. Hoje as palavras são de um amigo, meu e de muitos da nossa terra, são do Padre Jorge. Joaquim Ribeiro Jorge. Nunca ouvi que lhe chamassem Joaquim, contudo o seu apelido é despido da formalidade e frieza que caracteriza a maioria dos apelidos e envolveu sempre este padre numa capa de ternura e carinho que partilhava com todos. As palavras mais comuns na sua boca eram Alegria, Amor, Felicidade. No seu livro, autobiográfico e reflexivo, Sou Padre!…. Porquê?!…, transmite-nos a ideia de ter conseguido viver com base nessa trilogia, e na Outra, claro!!!

Na última semana o Padre Jorge partiu. Como a muitos da minha geração deu-me aulas de Moral. Eram umas aulas vanguardistas com slides!! Imagine-se, slides. Hoje os miúdos vomitam powerpoints e movies e sei lá mais o quê (já vi muitos miúdos felizes por faltar a luz durante a aula…) mas os slides do Padre Jorge eram uma novidade tão mas tão boa, que faziam das aulas dele um show a que ninguém queria faltar nunca. Para alem do salto tecnológico que representavam os slides, as imagens de Africa, das Missões Combonianas, acicatavam a curiosidade dos mais inertes. Sair de uma aula de Moral como se entrou era impossível, algo ficava a fervilhar no nosso espírito e a conversa sobre o que se viu e ouviu durava bastante, tanto no intervalo como nas aulas seguintes…

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Padre Jorge era já um senhor de sobrolho branco quando entrou na minha vida como sua paroquiana, aluna, catequista e colaboradora nas leituras da Missa. Recordá-lo-ei sempre pelo sorriso rasgado e a espuminha branca acumulada aos cantos da boca por tanto falar e sorrir, pelo carolo amistoso com que me cumprimentava e pela sabedoria tranquila com que me encomendava a leitura de um trecho bíblico “para depois conversarmos”. Soube agradar a gregos e a troianos numa época muito conturbada e complexa do ponto de vista político. A cúria deveria ser grande conhecedora das capacidades deste homem…A freguesia de Lorvão (a minha, sou serrana pois então!!) tem, nas suas gentes, figuras dignas de um romance de Maquiavel e mesmo assim o Padre conseguiu fazer obra social digna de referência, que neste momento tem uma representatividade forte na freguesia. O seu antecessor não deixou um terreno fácil de amanhar para o Padre Jorge, deixou quezílias e desconfianças, ódios de estimação entre paroquianos e um sentimento de posse em relação à igreja matriz difícil de gerir. Este caldeirão emocional foi gerido com uma calma superficial, porque por dentro este homem deveria ser um vulcão que se mantinha calmo com 2 maços de tabaco por dia e umas doses muito generosas de whisky a acompanhar os múltiplos cafés. Em mim vive já a nostalgia em que a saudade se transforma ao fim de um tempo, que me permite recordá-lo sorrindo, tal como ele viveu. O meu crescimento pessoal tem cunho dele, embora uma vez lhe tenha visto um certo desalento porque “nunca serás ovelha do meu rebanho, pois não?” mesmo assim foi um grande pastor.

Padre Joaquim Ribeiro Jorge

Sou Padre!…Porquê?!…

 

Sinopse

“Na vida académica conseguia, embora com algumas dificuldades, correr no pelotão médio, constituído por aqueles a quem a maioria dos Professores davam menos atenção, pois se destinavam a simples priores de aldeia!…Era bem notório o apoio especial dado pelos Insignes Mestres a uns tantos intelectuais, candidatos à Gregoriana ou a outra Universidade!”

“Aos olhos da verdadeira Fé o padre é o “nada” humano que nos concede o “tudo” de Deus!!! É aquele que precisa de se purificar com a mesma Graça com a qual nos purifica, mas, se não se purificar a Graça pode vir para nós, na mesma, através dele! Não é verdade que, algumas vezes, recebemos água límpida e pura, através de canos ferrugentos?!…”

Não é fácil construir um texto resumo deste livro.

É uma autobiografia, com uns capítulos, a partir do XXXVI, dedicados à reflexão sobre valores humanos. Foi editada em 2006, muitos penacovenses tem um exemplar devidamente autografado pelo autor. Pelas palavras do próprio vamos andando pelos caminhos que antecederam a sua vida e lhe deram origem, e os que foi construindo com o apoio incondicional da sua família. Traça-nos um quadro das paroquias onde paroquiou e, de forma despojada e humilde, descreve as suas conquistas em prol do bem dos seus paroquianos desse tempo e das gerações do futuro. É uma leitura cativante na simplicidade da escrita, que transborda felicidade, salvo num capítulo. Os seus maiores amores, a saber: Deus e a sua Igreja; os seus pais; os irmãos e seus filhos, ocupam toda a existência deste homem singular, estado isso bem patente na sua escrita.

Boa semana com livros!

A propósito da morte recente do Padre Joaquim Ribeiro Jorge, a CDU de Penacova propôs na última Assembleia Municipal de Penacova, a inclusão do seu nome na toponímia do concelho de Penacova, especialmente nas freguesias de Lorvão e de Figueira de Lorvão, as freguesias onde serviu mais tempo.

 

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