Sentei-me há poucochinho no banco corrido
Do buraco do canto da cozinha quente
… e sonhei, levitando no ar, sem parar:
Mais pra noite chegará o nosso Natal!
E a vontade grande de me ver surpreender
Quem sabe, até, de me poder sentir a sorrir sem querer
O “comer” será o habitual:
Bacalhau fino com cebola e couves da Mãe
Broa fresquinha com farinha do milho da Mãe
Sonhos capazes d’encantar
Cheiros intensos com dádivas d’amor
Azeite fino das oliveiras da Mãe
Tudo aconchegado com canja a ferver de galinha de pôr
E ovos pequeninos flutuantes na cor
…
Mais um pouco de queijo amanteigado da Serra
Mais uma fatia de bolo rei
E outra parida sem desdém
E nozes quebradas com suor
Sem queixas de falta de afecto
Sem tempo para olhar pro tecto
Esquecendo tudo o que lembre dor
…
Num canto da sala está feita a árvore de natal
De pinheiro manso cortado pela Mãe
Enfeitada com farrapinhos de algodão
E fundeada num vaso com musgo apanhado pela Mãe
Não há luzes cintilantes
Mas há dois sinos dourados, pendurados
E uma estrela empertigada
…
O Presépio, por baixo da árvore é singelo de belo:
Três tocadores (bombo, saxofone, trombone)
O do bombo é barrigudo
Um burro que não mais será esperto
Os Reis Magos
A vaca com amojo grande
José, Maria…e o Jesus predilecto
…
Pela manhãzinha correremos pr’ali
Ainda com os olhos cheios de remela
Teremos (nós puto) um saquinho com as prendas:
Uma feita de madeira
Outra de roupa prosa
E uma caixa de chocolates
Os adultos nada, pr’além do nosso carinho muito!
…
Antes de amanhã de manhã haverá uma surpresa
Que chegará enquanto ainda estivermos à mesa
No último natal foi um rádio a pilhas
No natal anterior ao último natal foi um carrinho de mão
No anterior, anterior ao último foi uma cana de pesca
Apetrechada com carreto de máquina de escrever
E hoje, imaginem, é uma coisa redonda que se passa por água
Em cujo centro se assopra
E vai produzindo filas coloridas de bolas de sabão!
…
Do que me fica deste meu reverie
É que a vida dos anos sessenta
Que na altura nos parecia mesmo cinzenta
Afinal era uma vida singela, sim
Pobre, mais ou menos, também
Mas sem sombra pra dúvidas mais rica, então
… Do que agora, sem se sentir comunhão!
Luís Pais Amante (Rememorando o Natal da meninice)
Lindo! Maravilhoso, sente-se o aroma do carinho da mãe que nos abraça e aconchega no seu regaço!obrigada Dr. Luís por nos fazer sentir aconchegados e acarinhados ainda que distantes. Feliz Natal
Extraordinária expressão poética do meu marido e fico em êxtase com o brilho das suas recordações saudosas de sua mãe. Ah, como eu gostaria de a ter conhecido querida sogrinha Zélia … acredito que nos admirariamos e louvo a sua capacidade de imprimir o sentido de família e o “amor de mãe” junto dos seus filhos.
Bem Haja a todos!
Não há luzes cintilantes
Sentei-me naquele canto escuro
Dessa cozinha que estava quente
Nas mãos de minha mãe eu procuro
O doce feito por ela de contente
Eram os bolinhos de abóbora
Eram as rabanadas de mel
Por estes doces minh’alma chora
Há que o pôr hoje, no papel
Depois, a pouco e pouco
A família começava a se juntar
Era um momento de tão louco
Sentados à mesa a cear
Era o comer habitual
De todas as noites de consoada
Mas o Bacalhau não era igual
A posta era um pouco mais alongada
Ao lado na Sala comum
Estava o Pinheiro enfeitado
Onde no outro dia cada um
Ia procurar o brinde dado
Era uma noite algo diferente
Daquela que hoje passamos
Com a Covid ninguém sente
Esses momentos que nós amamos
Cada vez isto está pior
Já não há a amizade que havia
Quase todos perderam o amor
Pela Família, quem diria?
Armindo Loureiro – 25/12/2020 – 21H05