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Carvoeira, terra amiga” é a sua mais recente forma de manter com a terra natal uma ligação mais próxima. Contar histórias e lendas, divulgar factos sobre a Carvoeira, as suas gentes e os seus recantos, é o objetivo desta página no Facebook.

Em 2012 publicou ‎”Meu Rio de Prata”, apresentado no Centro Cultural de Penacova. Trata-se de um livro que fala de Penacova e do rio Mondego. Duma forma acessível, procura dar a conhecer o impacto humano no rio que nos banha, desde os tempos imemoriais até à actualidade, narrando, através de quadras encadeadas,  alguns dos costumes das suas gentes e das suas bucólicas paisagens.

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De referir ainda a intervenção pública pela defesa do Mondego, por exemplo escrevendo no Penacova Actual um texto com o título “Trinta anos de atentados”, aquando da tentativa de ser construída perto do Caneiro uma mini-hídrica. A ameaça daquela construção, em cujo processo de contestação se envolveu, terá sido também, em grande medida, uma das motivações para a publicação de “Meu Rio de Prata”.

Ulisses Baptista, nasceu na Carvoeira há 48 anos.  Quando jovem dedicou-se ao desporto, privilegiando menos os estudos, conforme nos conta,  apesar de a escrita e o desporto serem atividades que sempre encarou, desde a juventude,  com grande entusiasmo. Formado em Engenharia do Ambiente pela Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viseu, trabalha na construção e manutenção de jardins. Há quinze anos que vive na região de Vale de Cambra, sem deixar de manter o cordão umbilical a Penacova.

Penacova Actual (PA) Quem é, por onde tem andado, o que tem feito?

Ulisses Baptista (UB): Nasci e vivi em Penacova até aos 33 anos. Desde pequeno que tive sempre o gosto pela vida ao ar livre, no seio da natureza, e pelo desporto. O treino de atletismo foi um hábito que adquiri cedo por minha conta e risco. Por altura dos meus 12 ou 13 anos intensifiquei essa atividade. Treinava bastante. Como se diz na gíria, corria para um monte.

Adorei a minha infância. Éramos três irmãos, próximos na idade, que nos juntávamos frequentemente com a outra criançada da aldeia. Preferia ajudar os meus pais e os meus avós nos campos e fazer desporto do que realizar as tarefas da escola pela qual não morria de amores (não fui um aluno dedicado nessa altura e paguei a fatura mais tarde).

O atletismo era a minha grande paixão, era onde eu não tinha que obedecer a regras impostas pelos outros. Ainda joguei futebol nas camadas jovens e em torneios de Verão, mas isso só serviu para me estragar os músculos para aquilo que eu queria, que era o atletismo de meio fundo e fundo.

No tempo da minha juventude não existia um clube de atletismo em Penacova. Isso contribuiu para que eu, nessa altura, nunca me tenha colocado à prova. Fazia treinos rápidos com bons tempos, mas a oportunidade de ser treinado com método por alguém nunca apareceu. Ganhei uma prova de atletismo na Escola Secundária de Penacova, no 11.º ano e, em 1994, durante o serviço militar obrigatório, fiz parte da equipa que conquistou o segundo lugar na estafeta Dom Nuno Álvares Pereira (uma prova de cerca de 100 km que começa em Fronteira e termina em Santa Margarida). Perdemos apenas cerca de um minuto para a equipa vencedora. Continuei a treinar e cheguei a participar em provas de estrada de modo individual quando estudava em Viseu na Escola Superior de Tecnologia. Mas aí já não consegui melhorar tempos porque a vida académica e um desporto tão extenuante a nível físico deixavam-me exausto. Nos dois últimos anos da licenciatura desisti das provas e passei a treinar a um ritmo mais leve, até aos dias de hoje.

O gosto pela escrita também surgiu cedo na minha vida. No início escrevia textos em verso, mas mais tarde comecei a escrever artigos, tendo enviado alguns para jornais e, por duas vezes, para a revista “Fórum Ambiente”, os quais foram publicados. Atualmente, escrevo mais em prosa do que em verso. É uma atividade que tenho sempre presente. Escrevo sobre o que penso e o que vivo. Ainda não escrevo para viver. Talvez nunca o venha a fazer, mas sei que continuarei a escrever pela vida fora.

Depois de concluir o curso de Engenharia do Ambiente tive alguma experiência profissional que não foi propriamente na área ambiental. Desiludi-me um pouco com isso, e em 2005 vim para a região onde vivo atualmente. Comecei por cumprir um contrato como prospetor de terrenos e colaborar com a empresa que financiou a construção dum parque eólico na Serra da Freita, bem como a linha que faz o transporte da energia produzida até São João da Madeira. Depois disso, ou seja, pouco mais de um ano depois fiquei desempregado.

Tinha conhecido, entretanto, a minha mulher, pelo que nunca mais regressei para morar em Penacova, uma vez que constituímos família. Como estive cerca de um ano desempregado, optei por mudar de área. Comecei a trabalhar em jardinagem em 2008, uma área laboral que não me era estranha e que já gostava de fazer enquanto jovem. É até hoje o meu trabalho. É um trabalho que me realiza porque sempre gostei de atividade física ao ar livre, lidar com plantas, trabalhos em altura e construção e planeamento de jardins.

PA: O que leva de Penacova para a sua vida e trabalho noutras paragens?

UB: Trago as lembranças das paisagens e da atmosfera que por lá se respira, dos aromas e gosto da comida, do cheiro dos montes e das plantas campestres. Costumo trazer plantas pequenas em vaso que a minha mãe tanto gosta de produzir: medronheiros, pinheiro manso e aromáticas, essencialmente.

Transporto também algumas histórias antigas e que são o alimento de alguns dos meus textos, os nomes de certas coisas que variam um pouco de região para região. Por exemplo, a urze brava, na zona onde vivo e trabalho é chamada “queiroz”. Na nossa terra é “urgueira”.

PA: O que traz dos lugares por onde se move para Penacova?

UB: Faço o percurso inverso como com aquilo que trago de Penacova, mas ainda a imagem de uma região com um desenvolvimento industrial muito forte, nomeadamente, nos laticínios, na transformação do inox, no fabrico do calçado, na injeção e transformação do plástico, na indústria de moldes, latoaria e embalagens e na agricultura e pecuária (a produção de vinho verde, fruta, gado bovino e aves).

PA: Como se olha para Penacova a partir do seu trabalho e vivência quotidiana?

UB: Penacova é conhecida mais pelas belas paisagens e pelo rio Mondego, pelas praias fluviais, pelo mosteiro do Lorvão e por fazer parte da rota da Nacional 2. Por outro lado, é também conhecida por lá se produzirem plantas, nomeadamente, fruteiras de qualidade, nos viveiros dos terrenos de aluvião. Também o fornecimento de bons equipamentos de rega é uma mais valia que nos chega de Penacova. No aspeto cultural, existe por aqui algum conhecimento do nosso artista popular, o Ruizinho, que costuma fazer parte do cartaz de algumas festas e arraiais. O povo daqui é muito bairrista, gosta de festas populares, do canto à desgarrada e de ser brejeiro.

PA: O que sugere para Penacova a partir do local onde habita/trabalha?

UB: Quando esteve em vias de ser construída a mini-hídrica a jusante de Penacova, muitos de nós fomos assaltados pelo medo de perder toda a riqueza e potencial da nossa terra. Penso que, se essa construção tivesse sido feita, se perderia muito daquilo que ainda hoje é, para nós, típico e que faz parte do nosso cartaz turístico. Depois dos efeitos nocivos estarem em marcha, não é fácil fazer cumprir promessas que são feitas antes da execução das obras. O capital não surge de lado nenhum quando o potencial deixa de existir e a confiança no futuro desaparece.

A nossa história e tradições pertencem ao povo e ele precisa de viver disso. Não temos uma indústria forte, e não sei se isso seria assim tão benéfico no nosso caso, mas somos fortes em tradições, gastronomia, paisagens, potenciais para explorar na área turística, na restauração, nos desportos de aventura.

Esse cenário do lago artificial da mini-hídrica foi posto de parte. É possível que ele trouxesse outras potencialidades, mas acredito que criaria ruturas sociais graves e mais desemprego para quem vive em Penacova, ao alagar os campos do Mondego, ao criar um espelho de água demasiado amplo num vale que tem aldeias implantadas tão perto das margens, ao destruir o habitat das espécies dependentes do rio.

As pessoas que vivem em Penacova teriam de lá viver todo o ano, depois de ter perdido parte da sua identidade ou fugir ainda mais de lá.

Dar a cara por questões ambientais é algo que eu sempre fiz. Talvez tenha sido prejudicado por isso numa fase precoce da minha vida. Apesar de tudo, não me arrependo de nada.

Quando o projeto da mini-hídrica pairou sobre nós, eu disse “presente”. Comecei a escrever o livro “Meu Rio de Prata”, que foi lançado em finais de Setembro de 2012, um texto em verso onde me embrenhei pela nossa história fora e, onde numa nota de autor, expliquei também a minhas motivações. De lá para cá tenho escrito bastante menos do que aquilo que ambicionara, porque o meu trabalho e, em parte, o papel de pai que quer ser presente, não mo permite.

Ainda assim, tento organizar os meus pensamentos no sentido de me orientar muito melhor mais tarde, se conseguir uma maior disponibilidade para a escrita, e para a escrita sobre o tema ambiente, em particular. É esse o meu foco e o uso da rede social Facebook tem-me permitido estar mais em contacto com as pessoas, divulgar os meus textos, escrever para elas. É isso que gosto de fazer.

Estamos a atravessar uma época conturbada, por causa da pandemia, mas não apenas por isso. A pandemia só veio pôr a nu aquilo que são as debilidades do tecido social. Vivemos uma era de descrédito nos políticos e no sistema liberal. É por demais evidente que existe muito cansaço em relação à classe política, em algumas pessoas até em relação ao regime democrático. Isso cria angústia, medo e uma sensação de injustiça na maioria das pessoas.

Entendo perfeitamente que haja vontade de mudar as coisas. No entanto, não podemos esquecer que há uma crise climática, uma crise ambiental sem precedentes e uma pressão demográfica terrível sobre o planeta.

A pressão que estamos a fazer sobre os ecossistemas naturais que não tinham contacto com o Homem há milhares de anos, está-nos a expor a micróbios causadores de doenças novas. E nós temos uma mobilidade fenomenal pelo planeta.

Espero que aprendamos com os erros do passado. Mas desilude-me bastante verificar quanto, tantos de nós, se deixam embalar em histórias de conspiração sem o menor fundamento.

Eu posso dizer que foram os chineses que criaram um vírus, que houve um jornalista local que quis divulgar ao mundo isso mesmo, mas foi silenciado pelo regime chinês. Mas também posso afirmar que os serviços secretos americanos o fizeram. Para mim, isso são tudo histórias sem fundamento, meras possibilidades. Triste é ver como algumas pessoas inteligentes e que deviam ter uma responsabilidade social, inclusivamente no esclarecimento, se deixam levar por elas.

A natureza não cria vírus à pressa, muito menos os humanos. Modificar a vida ou um protótipo de vida como um vírus, é outra questão. Isso pode acontecer, mas a probabilidade maior disso acontecer é pela via acidental.

Não há complô de uma parte da humanidade contra outra parte. Isso é anedótico. É tão anedótico como alguns considerarem que aquilo que está escrito nos livros de História não é confiável, que a História pandémica foi criada para nos iludir, como se as pessoas que viveram há centenas largas de anos quisessem enganar-nos e tudo estivesse preparado para o que estamos a viver.

Como não é uma guerra de homens contra homens, também não é uma guerra da Natureza contra nós, nem muito menos de Deus. As possibilidades existem e estão colocadas em cima da mesa, nós andamos sempre a colher o que a natureza tem ao nosso dispor. O bom e o mau. Acho que há pessoas que se deixam levar pelo misticismo, e isso é outro fator que nos leva a pensar mal e prestar um péssimo serviço à sociedade.

Vejo a incoerência de muitos pais que trazem os seus filhos na escola, em que as disciplinas são, na sua maior parte, disciplinas científicas. Alguns não lhes fazia nada mal que tentassem regressar com gosto aos bancos da escola ao ensinar os seus próprios filhos. Talvez fosse o suficiente para não se dizerem tantas barbaridades sobre a ciência.

Tenho acompanhado as divulgações sobre o nosso Concelho, nesta era da pandemia. Fico alarmado, como é natural. É necessário decidir em tempo útil, e nem sempre se ouve os profissionais e entendidos na matéria, mas isso não é mal que venha de agora.

A situação ambiental por exemplo está como está por isso mesmo. Por causa de interesses particulares também, mas muitas vezes por falta de humildade, por preconceito político, social e não só, por não se conseguir entender que cada macaco deveria estar no seu galho.

Volto sempre a Penacova, quando posso. Agora menos, muito menos, claro. Mas antes visitava a minha terra cerca de uma dúzia de vezes por ano. É isso que quero voltar a fazer em breve. Tenho esperança no futuro.

 

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1 COMENTÁRIO

  1. Ontem tomei conhecimento da existência da “Carvoeira, terra amiga”, através do nosso PenacovaActual (nas minhas incursões semanais).
    Fiquei, digamos que com os olhos toldados, por me surgirem imagens da terra da Minha Mãe Zélia, onde passei “carradas de tempos felizes”!
    Entre 1956 e 1969 eu “era da Carvoeira” porque ia lá todos os dias.
    Valdemar, Quim Miro, Arsénio, Quim Gato, Jorge Félix, Palmira, Armanda, Emídio, Odete, Lídia, Mapril, Manuel e Ilidio etc, etc, foram companheiros de horas e horas de brincadeira espalhada por cantos e recantos espectaculares.
    A casa do meu Padrinho Manuel da Besteira ficava numa revolução pegada…
    E agora surge o Ulisses que eu penso não conhecer e que se enquadra dentro do que tenho chamado de “Jovens muito preparados”!
    Fico muito gratificado ao saber do alcance das suas preocupações e felicito-o pela iniciativa da divulgação da “nossa terra”.
    Bem Haja.

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