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Hoje as palavras que saem da Serra correram da imaginação fértil de Saramago. São palavras escorridas dos anais da história.  As de amor são palavras belíssimas, as outras podem ser duras e sofridas. Saramago consegue fazer misturas pouco prováveis e criar arte maravilhosa, por isso a Academia o reconheceu. Lembro-me do dia do reconhecimento com um sorriso na cara. Corria o ano de 98 quando soube da notícia. Dei um salto, eu e a minha barriga de então. Uma das minhas alunas voltou-se para a turma e, cheia de si, disse alto e em bom som: “Não vos disse que ela estava prenha??”.

O reconhecimento internacional de Saramago é motivo de orgulho para o nosso país, não sendo o nosso primeiro Nobel, foi merecido e sem lugar a contestação (eu prefiro esquecer o outro…) e por isso enche Portugal de orgulho. Orgulhos à parte ler Saramago pode ser menos fácil, mas é só até começar a sério, depois de mergulhar no texto a leitura é viciante. Durante anos ouvi com regularidade “queixumes” sobre as “falhas” na construção frásica e da “ausência” de pontuação, que tornavam o autor alguém a não ler. O que mais me doía era a fonte dos “queixumes”, na maior parte das vezes alguém que deveria ser capaz de saber a diferença entre os vários tipos de texto e entender a literatura como obra de arte sublime. A Academia veio por cobro a isto, e ler Saramago tornou-se “chique e bem”. Perfeito. Por hoje aconselho, a quem gaste uns segundos a ler as minhas palavras, o “Memorial do Convento”. O meu, devidamente autografado, é um dos exemplares da edição comemorativa dos 20 anos da primeira edição, com ilustrações de José de Santa Bárbara.

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José Saramago

Jean Gaumy / Magnum Photos – 1990

“Deitaram-se. Blimunda era virgem. Que idade tens, perguntou Baltazar, e Blimunda respondeu, Dezanove anos, mas já então se tornara muito mais velha. Correu algum sangue sobre a esteira. Com as pontas dos dedos médio e indicador humedecidos nele, Blimunda persignou-se e fez uma cruz no peito de Baltazar, sobre o coração. Estavam ambos nus. Numa rua perto ouviram vozes de desafio, bater de espadas, correrias. Depois o silêncio. Não correu mais sangue.

Quando, de manhã, Baltazar acordou, viu Blimunda deitada ao seu lado, a comer pão, de olhos fechados. Só os abriu, cinzentos àquela hora, depois de ter acabado de comer, e disse, Nunca te olharei por dentro”

SINOPSE

Memorial do Convento – Edição comemorativa do vigésimo aniversário da primeira edição – Caminho, 2002

No Memorial do Convento o leitor fica a conhecer a história do Convento de Mafra, e da vida social que se desenrolou à sua volta, tendo diferentes perspectivas (a real, a do clero e, sobretudo, a dos trabalhadores). De uma forma muito peculiar ficamos a conhecer os tormentos porque passou o povo durante a construção do dito Convento. Esta construção megalómana surge como pagamento de uma promessa feita pelo rei, D. João V (o que gostava de comer a comida do Mosteiro de Odivelas…) caso a rainha engravidasse. Naturalmente que o povo, como mostra do seu agradecimento, teve de contribuir para a obra pois as preces nacionais foram ouvidas por Deus. Este rei dedicou um amor especial não só às freiras de Odivelas, mas também à Ciência e ao Conhecimento de um modo geral. Este facto explica que durante o seu reinado a Inquisição, por ele temida e venerada como convinha na altura, tenha estado um pouco mais mole em relação ao conhecimento e a quem o produzia.

Em paralelo à construção do Palácio/Convento de Mafra (obra magnifica de uma grandiosidade só possível graças ao ouro do Brasil, que nem chegava a poisar em cofre nacional, tal era a velocidade a que era gasto) ficamos a conhecer uma história protagonizada por um trio muito sui generis um padre com manias de engenheiro aeronáutico, um soldado maneta e uma mulher capaz de ver e apanhar almas desde que esteja em jejum. Este trio vai construir uma passarola voadora que se movimenta à custa de vontades aprisionadas. Vamos ficar a conhecer todas as peripécias que envolvem a construção da passarola. O trio vai conhecer a liberdade que está vedada a todos os outros. Contudo depois de a conhecerem finalmente caem na alçada da Inquisição.

Baltazar deixou uma das mãos algures numa guerra tornando-se por isso num quase inútil. Só o não era porque conseguiu que lhe fizessem umas próteses, um espigão excelente para se defender e um gancho que lhe permitia segurar coisas. Blimunda teve a pouca sorte de ser filha de uma mulher que caiu nas redes da Santa (que disso nada tinha…) Inquisição e cedo ficou só no mundo. De nascença teve outro grande azar, o de ser capaz de ver dentro das pessoas, desde que estivesse em jejum. Este dom permitiu-lhe capturar todas as vontades que quis mas também a obrigou a ver tudo o que não queria, sempre que o pão falhava. Quando se deu a Baltazar jurou a si própria nunca o olhar por dentro, por isso, mal o sol nascia punha à boca uma mastiga de pão que nunca se esquecia de levar para a esteira em que dormia com o seu amor.

Baltazar e Blimunda, casal ilegítimo por vontade, vão viver uma história de amor tão intensa e poderosa que vai ser capaz de sobreviver à própria morte.

Boa semana com livros!!!

 

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