1. Estamos no tempo do individuo centrado em si mesmo.
Alguém que empunha uma câmara fotográfica apontada a si, sorrindo, fazendo biquinhos, cabeça à banda, tudo numa auto órbita que não licencia intrusões nem permite contraditórios.
Há dias, num breve caminhar, uma pessoa fotografava-se repetidamente, buscando, talvez, o tom, a pose, o olhar, o gesto, sempre perfeitos, aos quais, numa rede à mão, poderá juntar palavras de auto encómio ou declaradas verdades pessoais transformáveis em universais à força de toda e nenhuma razão. Nas redes estabelece a sua opinião como lei, por mais disparate de que se vista e depois, expeditamente, acusa o restante mundo de intolerante e imbecil.
Desconheço, ainda assim, se iria partilhar aqueles instantes – cuja espontaneidade me permito questionar – ou se os guardou, inertes, na memória do dispositivo móvel onde nos carregamos e ao nosso peso e que, demasiadas vezes, lançamos no mundo, tantas vezes sem recorrer às perguntas óbvias que pairam sobre os atos.
Está assim o Homem voltado para si próprio, massajando o ego, isolando-se perante a proclamada abertura do mundo, a queixar-se repetidamente da efemeridade das coisas, do isolamento, da indiferença, da intolerância, afinal, de tudo o que coloca nos que estão à sua volta, (e)levando-se altivo à condição de Deus de si mesmo e do mundo.
2. O milagre português, devidamente aclamado pelas altas e doutas figuras do estado transformou-se, em meia dúzia de meses e outras tantas errâncias, no pesadelo português. É de conceder que face à situação presente, as decisões são difíceis, dependem de muitos e decisivos fatores e esbarram na bruta agenda realidade. Contudo, quem se propõe a governar e a decidir, deve estar preparado para tudo e não apenas para as facilidades. A gestão da pandemia tem sido, mais ou menos consabidamente, feita em ziguezagues e em decisões ad hoc, serôdias umas, desajustadas outras. Aquele rasgo social otimista do “vai ficar tudo bem”, parido quando se pensava que o bom povo assim o confirmaria, repousa já conformado no sítio onde as intenções enchem sacos, à beira de gigantes fogueiras…
Ainda assim, uma boa parte de tudo o que se está a passar deverá ser assumida por cada um, individualmente, através de decisões sensatas e defensivas. Os governos, por mais competentes que o sejam – e o português tem provado não o estar a ser – não conseguem tudo sozinhos. Governam pessoas que, por vezes, também não se governam bem a si mesmas. O esforço deve ser comum. E muito grande.
Mas quem comanda tem de assumir responsabilidades e não sacudi-las num esbracejar de moscas.
3. Nos Estados Unidos da América, a normalidade parece ter regressado. A melena de Trump deixou de projetar a respetiva sombra na democracia Ianque. Mesmo que o atual presidente não seja propriamente entusiasmante, ele é, pelo menos, uma figura que representa, positivamente, tudo o que o seu antecessor não foi. Só por isso, já permite um olhar menos pessimista para o futuro da América. A tarefa que os espera é árdua e não isenta de armadilhas.
Os Estados Unidos, sendo capazes do pior, também o são do melhor.
Deverá ser por aí o caminho.
4. Localmente, alinham-se – entre sombras e luzes – as candidaturas para a autarquia. Circulam nomes, rumores e cavam-se as trincheiras para a luta. Os sinais são preocupantes, quanto mais não seja no sentido em que parece vir a valer tudo, inclusivamente, “tirar olhos” e percebe-se que, ou se rompe com o statos quo vigente – que revela um concelho amorfo e burilado com festança e ilusões – ou se inicia um novo ciclo que deverá ser absolutamente decisivo, porque depois dele, nada será como antes ou, na pior e mais temida das hipóteses, tudo será, ou ficará, como sempre foi.
As festas, as ilusões e o panfletarismo não resolvem os problemas estruturais do concelho, só os colocam debaixo do palco que, depois de desmontado no fim da festa, revela a habitual lixeira, sujidade e indigência, repetindo num ciclo desgraçado, numa terra como sempre foi. Pobre e, em certa medida, incapaz, com a sucessiva classe política indígena a contribuir e a presidir para o desígnio, quase sempre da pior forma e a toque de banda!
António Luís