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Habituei-me durante largo tempo a que uma ‘certa intelectualidade da politica partidária’ anunciasse o ocaso das igrejas [católica, no caso], colocando-lhes o rótulo de ‘estagnadas’ na história, com tendência para a regressão e com uma evidente [na sua opinião] incapacidade de leitura dos sinais dos tempos. Daí à debandada de todos os seus militantes fiéis seria um espaço temporal demasiado curto. Bem sei que numa argumentação demasiado ‘ad hominem’, respondia geralmente com o questionamento sobre o que seria do ‘prazo de validade’ dos partidos políticos [tal como os temos por cá!] se tivessem de propor uma mobilização de pessoas, para não dizer diária, no mínimo semanal. Responda quem souber! Conheci casos de Juntas de Freguesia que desesperaram para conseguir mobilizar cidadãs e cidadãos para as mesas de voto das últimas eleições presidenciais, sendo esse «serviço» ao bem comum financeira e laboralmente compensado.

Não sou, de longe, politólogo. Gostaria, ainda assim, de partilhar algumas considerações sobre os resultados eleitorais das últimas presidenciais, sobretudo no que toca a questionamentos e chamamentos à ação que daí podem resultar.

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Um ponto prévio, para algo que me parece contraditório: os alucinantes discursos de líderes políticos partidários, para mais, quase todos a reclamar vitória, numa noite em que só ganha um, sendo esse um uma pessoa individual e não um partido. Regresso ao exemplo desportivo, para evocar os debates infindáveis onde se escalpeliza quem teve mais posse de bola, remates, cantos […], quando o objetivo é apenas e só a coisa simples de ter mais um golo que o adversário. Tal como nas ditas eleições ter 51%! De memória, recordemos algumas pessoas vivas como Manuel Alegre, Fernando Nobre, Maria de Belém, Sampaio da Nóvoa […] e percebamos que, no dia a seguir às eleições, o que fizeram com os votos que conquistaram foi, como tinha que ser, ir à sua vida. Do ponto de vista dos partidos, a coisa soa com um certa semelhança com aquelas reportagens sobre o passado e o contexto de artistas ou desportistas, em que, desde o colega de carteira da primária ao ‘vizinho de barraca’ no areal de verão, todos querem ter um «quinhão» no êxito da pessoa em questão. Bem sei que esta visão soa a ingenuidade analítica, mas, se assim não é, que a eleição deixe de ser nominal e se transforme em partidária. Não se vislumbra razão, por exemplo, para os partidos «meterem» gente nas mesas de voto, numa eleição onde nem sequer concorrem. Claro que cada candidato carrega uma mundividência [também] política e isso não é algo indiferente ou sequer secundário. Mas, voltando à leitura do ‘bedelho partidário’ nesta eleição, apetece-me perguntar, regressando à ‘crítica’ do início, que acrescenta [não sem razões] que as igrejas são ‘dogmáticas’ e hierarquizadas, onde terão bebido inspiração os organigramas partidários em coisas como a ‘disciplina’ de voto.

Arrumado o preâmbulo, três considerações.

Numa primeira nota, recorro a uma metáfora da cultura futebolística, segundo a qual uma equipa demasiado preocupada com o adversário, acaba por não ter grande sucesso, porque se esquece de potenciar as suas próprias virtuosidades. Creio que é o que está a acontecer à democracia. Assentou em partidos que foram construídos nas elites e que cresceram de cima para baixo. Cristalizaram, sobretudo com a perda de referências de pensamento político denso, com a incapacidade de contacto com a realidade [com exceção para o ‘circo’ de ocasião] e com a falta de oportunidade, de atração e convocação da ‘qualidade que corre por fora’. De um modo diferente, também o movimento sindical não ocupou de modo consistente espaço nas bases da sociedade e a sua ‘máquina’ não tem tido grande capacidade de reinvenção. A Academia também nem sempre tem ligado os seus gabinetes ‘à terra’, não tem tido ‘paciência’ para ‘suportar’ o modo como o ‘partidarismo’ dinamiza o exercício de poder e, com isso, secundariza o seu papel de agente de responsabilidade política, refugiando-se numa reflexão com pouca intervenção. Assim, de repente, gritamos que a democracia está em causa e empenhamo-nos numa luta contra os perigosos inimigos, que se erguem de um modo muito tentacularmente organizado. Nomeadamente as redes sociais estão pulverizadas com um exército de ferozes combatentes! E a democracia estrutura-se para contra atacar, ‘olho por olho e dente por dente’. Creio que cai no embuste do ‘outro lado’, por duas razões, pelo menos: esquece-se de si, de afirmar as virtudes dos seus valores e a justeza dos caminhos que propõe; permite que seja o ‘anti democrático’ a marcar a agenda. Parece um péssimo serviço à pessoa e à sociedade e um cultivo da terra fértil para que o joio e as ervas daninhas ganhem espaço no terreno social. Não se trata, creio, apenas e só de ganhar no campo das ideias. Trata-se sim de discutir a partir da positividade das nossas propostas e não somente de desmontar os argumentos do adversário. Para isso é necessário tê-las!

Como segunda nota, apraz-me sublinhar que, muito mais que 500 mil perigos potenciais e multiplicáveis, me subjaz, ainda assim, a serenidade de 9500000 pessoas do lado do que pessoalmente me parece mais humano e decente ou, pelo menos, a rejeitar as outras propostas. A grande interrogação que me ecoa com ensurdecedora e desafiante ressonância é que 6000000 não ‘liga nada a isto’. Penacova foi o Concelho da CIM de Coimbra mais abstencionista e tal indicador tem de ser interpretado! Porque ‘isto’ é o seu futuro e o futuro da sociedade. ‘Isto’ são as instituições onde se decide sobre a sua vida e a dos seus. ‘Isto’ são os mecanismos que congregam os poderes necessários para fazer do mundo um lugar melhor ou pior, mais ou menos humano, comunitário ou discriminador, nomeadamente. Parece um pormenor, mas tudo se joga numa cruzinha, numa pequena quadrícula colocada em frente de um rosto ou de um símbolo. E, aqui, não ir é como se se tivesse ido, sendo que a nossa ‘posição’ não conta para nada. Porque não escolher equivale a uma escolha, com consequências como todas as opções comportam. No caso, a consequência dramática é viver o ‘meu’ futuro como ator/atriz de uma narrativa escolhida por outros. Não há sistema que se mude de fora. Só por dentro. E aqueles que mobilizaram os tais 500 mil sabem-no bem. Quanto mais vazio estiver o espaço, mais facilidade vão ter em ocupá-lo.

Se as estruturas e os protagonistas que temos não nos satisfazem, resta-nos esgotar o direito constitucional que os cidadãos possuem de se organizar associativamente.  E há tanto caminho a percorrer neste particular! Uma vez mais, não contra ninguém, mas em nome de um projeto positivo e de ideias que, com convicção, arriscamos colocar a escrutínio. Acredito residir nesta atitude uma obrigação cívica de quem, legitimamente, não se reveja em nenhuma das estruturas partidárias. Ainda assim, convém ter discernido que o exercício livre do voto, conquistado com sangue, não equivale a uma correspondência absoluta entre o nosso pensamento e os projetos que se apresentem a eleições. Critérios como o ‘mal menor’ ou chamado ‘voto de protesto’, são alguns dos argumentos que [também] validam eticamente o exercício de votar.

Quando as lideranças adormecem e acordam com o adversário no horizonte, não raro, além de passarem um sinal de insegurança de convicções e de práticas, claudicam, porque andam constantemente a reagir a uma gramática protagonizado por alguém que não controlam. E perdem todos. Poderes, oposições, mas, sobretudo, o ‘Povo’, que parece dar mostras de ‘estar farto disto’, mas, contraditoriamente, parece também pouco motivado para se mobilizar para, com consistência, inteligência e sentido de serviço ao bem comum, contribuir para alterar o ‘estado de coisas’.

Luís Francisco Cordeiro Marques

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1 COMENTÁRIO

  1. Nas mesas de café e nas redes sociais, há revolucionários (da sinistra à dextra) que, levados à letra, já teriam dado o pontapé na mesa contra o sistema de coisas
    Mas, “as postas de pescada” são mais bem arrotadas de rabo numa cadeira, com um teclado e um ecrã pela frente. Passar daí para outras e mais eficazes ações, “dá muito trabalho”!
    Outros que o façam.
    AL

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