Saí de casa, mascarado, revoltado, farto disto tudo e fui correr
Acelerei, sufoquei, parando só pra respirar fundo e sobreviver
Cansaço evidente
Cabeça dormente
Destino ausente
… Mas vontade de ver com os meus olhos
Como está a tristeza a acontecer na urbe, em Lisboa, que parece andar à toa
Transgrido e ultrapasso a zona autorizada, na boa
Dou de caras com o Hospital de Campanha segundo
Junto ao campo de râguebi do Estádio Universitário
Com morgue instalada e tudo
Baixo a cabeça ao Santa Maria, em sinal de respeito
Pelos heróicos profissionais de saúde
Desço ao Campo Grande
E vejo o comércio todo fechado
República, Saldanha, Fontes Pereira de Melo, Marquês
Cinemas encerrados
Hotéis em telenegócio
Teatros em layoff
Escritórios sem gente
Mas Mercados com preço quente
Tribunais ausentes em negação do impacto do litígio suspenso
Que muitas vezes suspende a vida
Não se sabe quando será que os aviões sobrevoarão os céus
Para daí se retirarem os passarinhos, ou se passar a multá-los
E quando é que os paquetes atracarão no cais
Ou se o tgv algum dia parará em Santa Apolónia
Que é um assunto importante na ordem do dia
Em toda esta mixórdia
Ouvem-se ecos do Presidente a gritar de Belém: coordenem-se!
Mas ninguém lhe liga…
… Nem quem já está há muito tempo em fadiga …
Eu, poeta, que faço parte da cidade
Onde me habituei (há 50 anos) a semear fraternidade
Entro na Rua do Terreirinho, à Mouraria
E sinto muitas saudades …
…
Das mais velhas a sorrirem na ruela
Regando flores penduradas à janela
Com ar de gente feliz
Por cima do chafariz
E remoça-me o cheiro da mocidade
A crença de lá encontrar a liberdade
Soltando-lhe a minha dor
Nos braços do meu amor
…
Lisboa dos tempos da fome alegre
Das sardinhas no pão de centeio
Dos pregões
Dos serões
Do respeito
É por aí que sinto que lhe começo a perder confiança
Estas tertúlias ao fim do dia desapareceram
Dando lugar a toneladas de alojamentos locais
Sem alma, sem integração, até sem interacção
Estão a torná-la intolerante, inóspita
Apregoando que têm fé agnóstica
Entretanto, descendo à terra
Também não se sabe bem quem foi vacinado e porquê
Ou se vão acontecer cá cimeiras
Para ocupar aquelas salas enormes feitas a preceito…e a tempo
Ou se as negociatas em curso virarão ainda mais asneiras
Certo
É que o Município não distribuiu portáteis aos alunos desfavorecidos!
Basta estar quieto, é o lema, para provocar a diferenciação negativa
Por ação positiva, para silenciar a crítica, dão-se benesses na Egeas
Ou no Museu do Aljube
E ficam as nossas perguntas:
Vai haver turistas na capital?
Ou cerveja no Super Bock, Super Rock?
Que artistas actuarão no Rock in Rio?
E qual o concreto destino do Parque das Nações?
Agora que não se dá pela ocorrência do Web Summit
Já pago antecipadamente com os nossos milhões
Discute-se, também, a retirada dos símbolos, na Praça do Império
Mas via zoom para não dar nas vistas
Já não se vendem, também, tanto, os biscoitos da Paupério, em Campo de Ourique
Apesar disso tudo
Os semáforos continuam ligados (vermelho, amarelo, intermitente, verde)
Porque o verde está, finalmente, na ribalta
Embora não haja carros, nem motos, nem bicicletas, nem eléctricos
Só há alguns peões que se sentem em ligeira liberdade
Passeando pela cidade
Inspirando ar puro em solo duro
Na ronda das suas casas onde o eco, ecoa
E a Família perdoa
As pessoas pensam que a requalificação da 2. Circular está a bombar
Mas não! Está parada porque sem filas longas não tem piada…
Pausei,
Cheirou-me a franguinho, pelo caminho
Cheiro de pensamento, que não do que circula no ar devagarinho
Há quanto tempo?
Ele não me chega a casa do “Churrasco” como eu gosto, fresquinho
Telefono ao Luís, amigo antigo, sportinguista
Perto do Zoológico Jardim
E atende-me a mulher dizendo que sim
Que estão abertos em takeway
E que sim, que arranjam tudo aquilo de que eu gosto
Viro naquela direcção e apresso o passo, entusiasmado
Na recepção ouço lamentos da condição
E temores pela vida instável que aí está e aí vem
Com a dívida que se mantém, a subir sempre
!… Tudo são incertezas…!
Certezas só há uma que não é boa
A Câmara está sem fazer quase nada, porque não é preciso
Só os multadores da Emel trabalham presencialmente
Conjuntamente com o Director Financeiro, que conta -e arrecada- o dinheiro
Graças aos fregueses em casa
Sua Senhoria não tem como gastar os euros dos orçamentos
Não faz eventos, nem paga os sofrimentos
Nem tem que limpar as ruas, nem os jardins, nem os parques
Nem o marketing de nada
Apesar de continuar a cobrar tudo que sejam taxas, impostos
… E os outros (todos) suplementos suculentos!
Luís Pais Amante
Após caminhada pelas ruas desertas de Lisboa, com a minha Aninha, devidamente mascarados!
Mais um excelente texto! Bjinho
Excelente descrição do que se vive aí que é semelhante ao que vivemos aqui, mais acima. Parabéns. Abraço
Meu caro Luís esta poesia está excelente 5 estrelas.
Para um Lisboeta Alfacinha de gema nascido na Rua do Arco a S. Mamede, que para quem não sabe fica entre A Procuraria Geral da Republica e a Rua de S. Bento “Amália e Assembleia ” diz-me muito, porque eu estava a ler, a viver e a sentir o que as palavras transmitiam.
A incerteza infelizmente vai ser uma certeza durante muito tempo…….
A imagem, para muitos que ocupam cargos de responsabilidade e que dizem ter sentido de Estado, é tudo; o importante é a fachada e a população um instrumento para vender a imagem.
Com agora o assunto é COVID os bairros, as empresas, os lisboetas, as ruas as praças não são tema e como tal aparecem em programas televisivos como guardiões , escuteiros bem ensinados a defender o ” Vasco da Gama ” para tentar explicar o que é muito difícil de perceber ,mesmo com os jornais e comentadores a ajudarem, a Malta é porreira…
A minha esperança é que estejam neste momento a preparar uma “Task Force2″ para falar com os intervenientes na Cidade e finalmente trabalharem e trabalharem para as fachadas, mas dos prédios dos bairros, investirem nos activos da cidade e não derramar euros em brincadeiras que são mais bonitas ou estão na moda. No dia em que os portugueses tiverem a possibilidade de confrontar estes fachadas na cara e perguntarem porque é tomaram essas decisões não aceitarem a resposta que os políticos habitualmente dão ” podem responder nas eleições ” aí sim é que a porca torce o rabo. Não é suficiente basta de fazer de conta e de vender imagem e ilusões a cidade vai sofrer e os Lisboetas pagar
Já iraram o tal € que se pagava quando se dormia num hotel ou não?
Um bom gestor vê-se quando as situações são complicadas e não quando o Turismo está em alta o mercado a crescer ,e sem se fazer nada os resultados aparecem
Gerir camaras e empresas em alta até o ” Vasco da Gama ” consegue.
Grande Abraço
A nossa percepção de realidade mudou. Na verdade, tudo mudou e estamos a viver numa linha paralela à realidade que conhecíamos. O que ainda não está claro é se esta realidade vai acompanhar os nossos passos daqui em diante. Uma coisa é certa: o que foi, não voltará a ser. E cá estaremos para arregaçar as mangas e levantar “o esplendor de Portugal”.
Luís Amante transforma uma caminhada por ruas desertas em uma multidão de imagens
que nos tocam pela sensibilidade do seu olhar poético da realidade irreal que vivemos. Amor, saudades, recordações, política, futebol, gastronomia…e muito mais, presentes em suas reflexões, fazem-nos nestes dias, uma preciosa companhia em nossa própria caminhada desértica e muitas vezes solitária.
Parabéns Luís