Fechadas em casa, as crianças mostram uma regressão nas competências motoras que professores e investigadores nunca tinham visto. “Há crianças que não sabem correr”
Rita Pereira Carvalho – Jornal Expresso
Num período pré-pandemia, não seria estranho ver a professora Elisabete Neves pedir a um aluno que parasse de correr durante os testes de aptidão física. O confinamento veio mudar até os pormenores que até aqui seguiam despercebidos e, depois de vários meses de aulas à distância conjugados com pouco exercício físico, “os alunos apresentaram, nos últimos testes, lesões no pé por um mau posicionamento deste em relação ao solo”, explicou a professora de Educação Física. Ou seja, “houve uma regressão para o mais básico dos básicos e as lesões acontecem agora da forma mais básica que é possível”.
O retrocesso nas competências motoras, a par com o aumento do peso, está no topo das preocupações em relação às crianças e jovens que diminuíram consideravelmente a atividade física durante o confinamento de 2020 e também neste que ainda dura. Aliás, Carlos Neto, professor e investigador na Faculdade de Motricidade Humana, sublinha que, quando retomou o trabalho letivo nas escolas, percebeu que “há crianças que estão a chegar aos dez anos e não sabem agarrar uma bola, não sabem correr e não sabem saltar”. Um problema que, do ponto de vista do investigador, tem tendência para agravar ainda mais este ano, já que os mais novos “ficaram praticamente fechados em casa, com uma situação muito problemática de ensino à distância e de teletrabalho dos pais”.
Apesar de o impacto deste segundo confinamento ainda não ser percetível, até porque os estudos ainda estão a decorrer, os dados de uma investigação que envolveu a Faculdade de Motricidade Humana, o Instituto Politécnico de Lisboa e o Instituto Politécnico de Viana do Castelo mostram que durante o confinamento do ano passado, 72,3% das crianças até aos 13 anos diminuíram significativamente a sua atividade física. Também as condições para a prática de desporto são fundamentais e, além de 60,3% dos menores viverem em apartamentos, 80,8% não tinham espaço em casa para fazer exercício. “As crianças ficaram e ficam mais tempo sentadas e isto está a contribuir para uma situação de inutilidade física e fracas competências motoras que julgo nunca tivemos”, sublinha Carlos Neto.
AUMENTO DA OBESIDADE
A criação de planos estratégicos no âmbito do desporto é fundamental, alerta o professor, “sob pena de hipotecar o futuro destas crianças e jovens”. “Os corpos foram colocados em segundo plano e, por isso, acho que o regresso à escola deve ser considerado fundamental nas políticas públicas, porque o ensino remoto nas primeiras idades não funciona.”
A diminuição da atividade física aliada ao sedentarismo do último ano resultou também num aumento generalizado do peso infantil. Em setembro, quando as crianças e os jovens regressaram às escolas, esta foi uma das consequências que mais chamou a atenção dos professores de Educação Física, apontou Carlos Neto: “Houve, em muitos casos, aumento de peso e em algumas circunstâncias observei também obesidade.”
Em termos de excesso de peso e de obesidade infantil, Portugal tem feito um caminho tendencialmente descendente, conseguiu reduzir estas taxas nos últimos anos e no relatório da Organização Mundial de Saúde referente a 2019 até mereceu uma referência pelas conquistas alcançadas — a taxa de menores com excesso de peso diminuiu 7% e a de obesidade diminuiu 4%. Os números do ano passado ainda não são conhecidos, mas a Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil (APCOI) acredita que vai existir uma alteração no caminho feito até agora. “É muito provável que os dados de 2020 demonstrem uma inversão da tendência e um aumento de peso generalizado”, o que significa, aliás, “a quebra de um caminho que já estava a ser muito positivo”, admite Mário Silva, presidente da associação.
Ainda assim, a APCOI aponta para um cenário atual mais animador quando se comparam os dois confinamentos em termos de preocupação com a atividade física e com a alimentação dos mais novos. “Tivemos muitos pedidos de ajuda de famílias que procuraram resolver esta questão depois do primeiro confinamento, ao nível da psicologia, da nutrição e do exercício físico. A nossa perceção é que este confinamento está a ser diferente. Há, neste momento, um compromisso e uma responsabilidade por parte das famílias, nem que seja para caminhadas mais regulares.”
O primeiro confinamento é visto como uma espécie de teste e agora, além das mudanças de comportamento de algumas famílias, também os professores de Educação Física quiseram aperfeiçoar métodos. Mário Silva dá o exemplo de docentes que pedem aos alunos para gravar as aulas, “como um comprovativo de que estiveram, pelo menos naqueles dias, a seguir uma determinada sequência de exercícios”. Elisabete Neves não vai tão longe nas suas aulas de Educação Física e pede apenas relatórios semanais. E, se no ano passado optou por indicar os exercícios por escrito, neste confinamento diz já ter percebido que os mais novos gostam se seguirem vídeos e imitarem o que estão a ver.
Apesar destas mudanças, “há consequências a médio e a longo prazo dos níveis altos de sedentarismo. O corpo deixa de ter referências em relação ao risco e ao meio natural”, alerta Carlos Neto, admitindo que muitas crianças têm agora corpos quase ausentes.
Artigo originalmente publicado na edição 2522 do Jornal Expresso – Acesso exclusivo a assinantes
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