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Era criança quando o eucalipto começou também a grassar por todo o lado. Dantes, havia pinheirais donde era extraída a resina caída em vasos de barro (mais tarde, de plástico). Em finais de Fevereiro, os montes já revelavam, ao longe, leves nuances amareladas da flor do tojo e da carqueja. O engorda gado brotava da terra entre parcas agulhas de pinheiro. O excesso era colhido para a cama do gado, para acender o lume, para assar as castanhas, no tempo delas.

Nas penedias, brincavam cabritas, em saltos cómicos, endiabrados e correrias, dos pequenos rebanhos guardados por crianças ainda. Anália, Maria e os primos Céu, Juvenal e Graciete costumavam, tal como outros seus colegas da Carvoeira, passar horas nos outeiros a apascentar o gado. Quando a fome chegava, broa partida em pedaços, num vaso da resina, era regada com o leite de uma cabra, a amamentar. Mas era apenas para quem gostava. Nem todos o faziam. A água que jorrava das nascentes e corria nas levadas e valetas e a que escorria dos pinheiros, em dias chuvosos, matava-lhes a sede. Era a erva macia da manhã que o gado mastigava sem perdão. Os dias eram calmos, sem pressas, sobressaltados, ocasionalmente, por uma ou outra rebeldia. Mato que se cortava, à socapa e nas barbas do dono. Fuga para longe, ouvindo o sermão, a missa cantada e as injúrias, que faziam tremer as pernas e tolher os passos.

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A hora de partir dos montes era um resumo dos próximos capítulos ou um lembrar das peripécias, a vida simples sem nada mais que as lembranças, os devaneios e irreverência próprias da idade.

Mas os montes tinham vida, ah isso tinham. Em artes de outrora, serradores com calma laboriosa e serras pacientes, convertiam em tábuas os troncos mais grossos do pinho. Das sobras das árvores, que não davam para madeira, faziam-se cavacas para aquecer as lareiras ou fornos. Na orla das áreas arborizadas haviam pequenas leiras ou socalcos utilizados nas práticas agrícolas. O trigo era semeado nos terrenos de sequeiro, mas também a fava, o feijão e a vinha. E, por isso, a população quase toda das aldeias passava parte das suas horas na floresta ou nas suas proximidades.

Os tempos mudaram, a indústria ganhou espaço, a agricultura e a floresta deixaram de despertar interesse e capacidade de compensar financeiramente a maioria das pessoas. Muita gente procurou trabalho nas vilas e cidades mais próximas.

Já existiam os primeiros exemplares de infestantes. Pequenos núcleos de mimosas eram mantidos e domados à nascença, porque os matos eram roçados, e se estimavam pinheiros e eucaliptos. Mas as mimosas aguardavam pacientemente por melhores dias, para si. Os dias em que a vegetação rasteira deixou de ser cortada e cresceu em demasia, que o eucalipto substituiu o pinho e as pessoas deixaram de poder viver tão diretamente da floresta. Depois disso, o flagelo dos incêndios lavrou sem dó nem piedade e ajudou ainda mais na disseminação de uma árvore bem adaptada ao fogo. Hoje temos uma bela paisagem colorida de amarelo vivo, adocicada nos aromas, por alturas do Carnaval e vestida de matizes de vermelho escuro durante Setembro e um pouco pelo Outono dentro.

Mas as mimosas avançam a um ritmo alucinante e vão salpicando aqui a ali a paisagem. Elas não deixam muita coisa crescer dentro do espaço onde alastram. Erguem rebentos, das raízes que espalharam no solo periférico dos exemplares mais velhos que são abatidos, e aproveitam praticamente cada centímetro quadrado de terra. Aqui, onde impera a sua bravura, as plantas locais muito pouco se conseguem desenvolver. Talvez um dia mais gente regresse ao labor na floresta, talvez haja vontade ou necessidade de mudar isto, ou sejamos forçados por via de uma crise qualquer. Mas, até lá, vamos alimentando a mente e lembrando as memórias de como vivíamos mais em harmonia com os nossos espaços arborizados.

Ulisses Baptista

 

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