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Alfredo Fonseca uma figura que marca São Pedro de Alva bem vincado durante mais de 31 anos, tendo em conta o que desenvolveu a favor da comunidade.

Alfredo Fonseca, em 2001, na apresentação do livro “Memórias do Sofrimento” – Foto Arquivo Jornal de Penacova

José Travassos de Vasconcelos – A Comarca de Arganil (Rubrica Gente da Nossa Terra)

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Hoje a conversa prende-se com uma figura que muito deu de si a São Pedro de Alva. Pode dizer-se que no seu bornal de cidadão probo, amigo e desempoeirado, Alfredo Santos Fonseca conseguiu muito para a capital de Terras de Mondalva, onde a sua entrega, como autarca, sobretudo, fica bem vincado durante mais de 31 anos, tendo em conta o que desenvolveu a favor da comunidade.

Fomos testemunha, por exemplo, da sua acção vincada na requalificação do Vimieiro (hoje um ex-libris turístico local e do concelho), bem como a sede da Junta de Freguesia e Pré-Escolar, não falando de outras obras que muito valorizaram a freguesia. Em termos associativos, há que ter em conta o seu trabalho à frente da Casa do Povo, onde desenvolveu uma obra de inegável valor, estando à vista essa dinamização. O monumento ao Dr. António José de Almeida, erigido no coração de S. Pedro de Alva, teve também a mão forte do nosso interlocutor de hoje.

Dizer também que o Alfredo Fonseca foi fundador da Associação de Combatentes do Concelho de Penacova, sendo presidente da Direcção durante muitos anos.

Alfredo Fonseca é natural de Vale de Açores (São Paio de Mondego), onde nasceu a 31 de Maio de 1944 – Foto Arquivo Jornal de Penacova

Entrando na conversa, propriamente dita, Alfredo Fonseca é natural de Vale de Açores (São Paio de Mondego), onde nasceu a 31 de Maio de 1944, cuja casa, como diz, «foi completamente devorada pelo incêndio de 2017». Aos 7 anos foi para a escola, que distava da aldeia três quilómetros, através de carreiros de cabras. Desde novo foi moldado pelas agruras da vida, espelho que nesse tempo se passava, e com apenas 5 anos guardava o gado e ajudava seu pai a guiar os bezerros na lavragem das terras.

Como a regente escolar não tinha capacidade para levar os alunos a fazerem a 4.ª classe, Alfredo Fonseca foi transferido para a escola de Lufreu, situada na Atouguia, obrigando-o a percorrer mais de dois quilómetros, que no inverno, ao atravessar a Ribeira da Bogueira, devido às cheias, no inverno, muitas vezes teve que tirar as botas e as calças, pondo-as ao ombro, pois a água chegava-lhe para cima dos joelhos.

A primeira profissão foi a de alfaiate

Ainda se matriculou num colégio de Vila Nova de Poiares. Como os transportes não existiam, pois tinha de ir até à Catraia dos Poços para apanhar a carreira, e como os horários não eram compatíveis, o pai acabou por lhe comprar uma bicicleta, para a deslocação até à Catraia atrás referida. Como houve inveja de ele ir estudar num dos irmãos, logo houve ciúmes e por via disso disse ao pai que não queria estudar, antes trabalhar. E como lhe deu carta-branca para escolher a profissão, Alfredo Fonseca acabou por escolher a arte de alfaiate. Com doze anos ia a pé todos os dias para S. Pedro de Alva, onde arranjara trabalho numa oficina de alfaiate. Passados três meses já fazia uns calções, e conta que a máquina «às vezes parece que voava». Alguns dias depois já fazia cinco pares de calças, «sem receber um único tostão». Como gostava de ter lições sobre a profissão, sobretudo a talhar, pregar mangas e a fazer golas nos casacos, descobriu que na Rua da Palma, em Lisboa, existia a Academia de Cortes do Sistema Maguidal e «mandei vir um precioso livro que me abriu os horizontes». E como já tinha outro olhar sobre a arte, Alfredo Fonseca deixou de aparecer na oficina, mas o seu mestre, encontrando-o na rua, perguntou-lhe por que motivo tinha abandonado a arte. Respondeu-lhe que já estava a trabalhar por conta própria. Perguntando-lhe onde tinha aprendido tanto, pediu-lhe para voltar, que lhe pagava 20 escudos «e um prato de sopa por dia». O certo é que seis meses depois abandonou o patrão e passou a trabalhar por sua conta, cuja clientela aumentou muito, «obrigando-me a trabalhar às vezes até às três horas da manhã, para cumprir com a obra feita aos meus clientes».

Veio a hora da tropa e as vicissitudes que viveu em Moçambique passando por padre

Como a maior parte da juventude daquela altura, aos 20 anos, era recrutada para defender as nossas possessões ultramarinas, Alfredo Fonseca abalou para o norte de Moçambique, integrado na Batalhão de Artilharia 1885, para o Distrito do Niassa, mais conhecido por «estado das minas gerais», devido à enorme profusão desses terríveis engenhos explosivos que eram colocados pelo inimigo nas picadas e trilhos pedestres.

Como diz Alfredo Fonseca, «passei muitas horas aflitivas, com as balas do inimigo a zumbirem bem rente à minha cabeça, sendo mesmo ferido e permanecido15 dias hospitalizado». Conta mesmo que na zona de Unango, para onde o seu pelotão foi destacado, era o orientador da reza do terço a Nossa Senhora. Por esse facto, um miúdo nativo, pensando que fosse padre, pediu-lhe para que o batizasse. Como não era sacerdote, pediu então ao capelão para o batizar, embora o pequenito ficasse muito triste porque queria que o Fonseca fosse o responsável por esse acto. Como o rapazito não tinha roupa (e quem a tinha?), para o seu grande sonho que era ser batizado, o nosso alfaiate aprontou-lhe uma roupa a condizer com o momento, aproveitando alguns objectos para o efeito, inclusivamente pediu dois sacos de farinha vazios ao padeiro e deles fez a camisa, enquanto as calças foram umas suas, que lhe cortando as pernas, ficaram uns calções à maneira. Como o batizando tinha que ter um padrinho e um nome, o Alfredo Fonseca acabou por ser ele, a pedido do pequenito e o nome seria o de António. Bem aprimorado, o rapazito foi recebido na parada, com estridente salva de palmas da meia dúzia de companheiros que assistiram à cerimónia… Alfredo Fonseca em 2006 foi numa excursão a Unango, para ver se via o António, o que não aconteceu, porque aquela aldeia já não vivia uma única alma, porque tinha sido retirada para um novo aldeamento que Samora Machel prometera fundar a doze quilómetros, a cidade de Sanga, o que já não conseguiu fazer, porque entretanto morrera.

«Hoje ser mesmo gente grande…»

Nas suas andanças militares, Alfredo Fonseca jamais deixou de trabalhar, pois havia sempre quem gostava de ter umas calças ou fatos como deve ser, mesmo que fossem feitos de diversos retalhos. Até por via disso deixou de ir para o norte para uma operação, porque tinha de acabar o trabalho, e por isso os companheiros apelidaram-no de «filho do capitão». Assim, quando este chegou do norte, concretamente da América de Moçambique, já o «nosso Cabo» Fonseca tinha os dois fatos prontinhos. Por causa disto ainda ganhou muito dinheiro, com a feitura de calças para os camaradas que as tinham encomendado. Também não se esqueceu de si, porque ao fazer um fato para si próprio, perguntou ao seu “mainato” e porque não tinha espelho, se lhe ficava bem; e num tom de admiração este respondeu: “Chi nosso cabo, o senhor hoje ser mesmo gente grande”. Porém o “mainato” não ficou a perder, porque o Alfredo Fonseca, numa ida a Nampula, próximo do seu regresso, comprou um corte de tecido, uma camisa e uns sapatos e fez umas calças que ofereceu ao seu ser vidor, «transformando o Caetano em “gente grande”» e por via disso, quando o Fonseca regressou o “mainato” nem sequer dele se despediu, pois «nem teve forças para se despedir de mim».

De alfaiate a empresário passando pela vida autárquica

Alfredo Fonseca foi Presidente de Junta em três mandatos, três de secretário, dois deles por sua opção, três mandatos de membro da Assembleia de Freguesia e um de Presidente – Foto Arquivo Jornal de Penacova

Chegando a Lisboa em Junho de 1968, casando em Fevereiro de 1969, Alfredo Fonseca, com os 43 contos que apurou em Moçambique, comprou uma motorizada e uma casa antiga, que depois de lhe dar um arranjo, instalou a sua oficina de alfaiate. Foi agente oficial da Singer, no sentido de promover a venda das máquinas de costura e ao mesmo tempo começou a fazer cursos de corte e bordados, que «foram sempre muito concorridos».

Destaque-se ainda, em termos comerciais, que foi agente do Esso Gaz, de quatro Companhias de Seguros, correspondente do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa e outros, mas a sua fina-flor é a firma Móveis Fonseca, Lda., com venda de móveis a retalho e electrodomésticos, cujo edifício construiu, mesmo à beira do IC6, na qual tem já dois filhos e uma filha a ajudá-lo na tarefa orientadora, já que o mais novo dos quatro, enveredou pelo ensino superior, na área de biologia. E Alfredo Fonseca confessa-se muito honrado de ter assim uma família, para além dos seus cinco netos e duas netas.

A sua vida autárquica viria a iniciar-se em 1971, quando foi convidado para ocupar o cargo de secretario da Junta de Freguesia de S. Pedro de Alva e com este cargo iria percorrer uma caminhada autárquica de relevo, que durou mais de 31 anos. Foi Presidente de Junta em três mandatos, três de secretário, dois deles por sua opção, três mandatos de membro da Assembleia de Freguesia e um de Presidente. Nestes anos, Alfredo Fonseca orgulha-se, «sem reservas, de ter criado e atraído grandes obras de que a freguesia estava necessitada». Por exemplo, o Vimieiro, a ele se deve a sua total requalificação, cuja transformação se iniciou no início da década de 90, e que hoje, graças também ao actual presidente de Junta, Vítor Cordeiro, atingiu o auge de beneficiação, sendo o ex-libris de S. Pedro de Alva.

E por isso, Alfredo Fonseca modestamente confessa de que S. Pedro de Alva seria hoje o que é se não fosse a sua dinâmica e nós somos testemunha disso, porque o acompanhámos em todas as andanças autárquicas na região da Casconha. Porém, acrescentamos que a Casa do Povo também sofreu uma grande modificação, quer na sua estrutura, quer na sua acção social e recreativa.

A concluir a conversa de hoje, Alfredo Fonseca afirma que «não sei o que as pessoas viam em mim, que me convidavam para tudo, inclusivamente a transportar no meu carro vários doentes e acidentados ao hospital e até de parturientes à maternidade» e confessa que «em todos estes préstimos que sempre fiz gratuita e desinteressadamente criaram-me amizades que perduram e perdurarão até ao resto da minha vida» e sempre ajudou as pessoas e «com isso sou um homem feliz com a maravilhosa família que tenho».

E para terminar a nossa conversa, perguntámos-lhe: Como autarca quais as benfeitorias que mais encheu o seu ego. Disse-nos que foi precisamente a sede da Junta e a pré-escola, o início do Vimieiro e o saneamento básico, mas sobretudo o muito labor que desenvolveu para que fosse criada a Escola Básica 2,3.

* Texto originalmente publicado na edição impressa de 11.03.2021 do jornal A Comarca de Arganil

 

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