“Um verdadeiro homem do povo, nascido numa família desmembrada, marcado fortemente pelas agruras da vida, que nunca frequentou a escola, mas que sabe ler e escrever, que produz música e compõe sobre cinco instrumentos diferentes, que faz poesia sobre os valores naturais desta região e sobre o homem que compõe a sua geografia” – in NE, Jan.1981
António Soares Marques nasceu em Pinheiro de Ázere, no vizinho concelho de Santa Comba Dão, no dia 10 de Março de 1919. Em 1944 casou no Sobral, S. Pedro de Alva, terra onde viveu durante toda a sua vida, até ao momento em que entrou para o Lar da Fundação Mário da Cunha Brito.
Com oito anos de idade já era guardador de ovelhas e de cabras. Por esse motivo, a escola foi algo que nunca frequentou e aos dez anos já trabalhava na Herdade de Rio Frio, zona de Alcochete, “naquela escravidão no Alentejo”, onde afluíam trabalhadores das Beiras, os chamados “caramelos” e “ratinhos”. Foi aqui que aprendeu a ler e a escrever sozinho. Os companheiros de trabalho recebiam cartas da família enquanto ele nunca tinha correio. Então, segundo contava, aprendeu por si a desenhar as letras tendo como modelo os nomes de familiares.
No Alto Concelho, de um modo especial, distinguiu-se no campo da música e da cultura popular. Abrilhantava bailes não só nas redondezas, mas também na zona do Caramulo para onde se deslocava de motorizada. Era com esse meio de transporte que carregava o acordeão e muitas vezes uma rudimentar aparelhagem alimentada a bateria. Sabia tocar (e dava aulas) muitos instrumentos: acordeão, viola, bandola, bandolim, banjo e guitarra “requintada”. Desde pequeno que cantava à desgarrada nas tabernas e nos bailes.
“Cantador e tocador” – deste modo se apresentava no cartão de visita. Escrevia a letra e musicava muitas cantigas e criava coreografias para os grupos folclóricos. Ensaiou e tocou em vários ranchos, a começar no do Sobral, que fundou, e em muitos outros locais: Tocha, Travanca do Mondego, Lagares da Beira, Miro, S. Martinho da Cortiça (sendo o autor do Hino daquela terra) e até no Montijo.
Em 1985 publicou um livro com o título “Os passos da minha vida: romance em poesias”, uma pequena autobiografia onde relata muitos aspectos da sua vida, nem sempre (ou quase nunca) fácil. Mas os temas da sua poesia eram também o rio Mondego e “as pessoas e as coisas” que o rodeavam, das quais “gostava sempre de fazer um registo”.

Gravou diversos programas para rádio na Emissora em Coimbra com Sansão Coelho e outros jornalistas. Participou no programa “Às Dez”. Foi ao programa de televisão “Prata da Casa”, apresentado por Fialho Gouveia, onde mereceu rasgados elogios de Beatriz Costa, que fazia parte do júri.
Deu entrevistas a vários jornais locais e regionais. Também o “Penacova Actual”, em 2009, publicou um apontamento da autoria de Pedro Viseu, e o “Jornal de Penacova” também registou nas suas páginas muitas facetas deste homem que marcou o dia a dia do nosso concelho, em especial a zona da Casconha. O “Nova Esperança”, em 1981, chamou-lhe “Artista do Folclore Concelhio” e, em 1989, fez eco da sua obra e da sua vida de luta e dificuldades, mas também dos seus sucessos, como por exemplo, ter sido reconhecido oficialmente como Poeta Popular, depois de ter feito exame em Lisboa.
Nos intervalos, trabalhava na “fazenda”, levando uma vida de pequeno agricultor como acontecia com a maioria dos seus vizinhos da aldeia do Sobral, onde vivia na “Rua do Poeta”.
Uma das muitas quadras que criou ao longo da vida dizia “Quando ouvirem dizer que o Soares Marques morreu, acreditem (podem crer) que o Soares Marques sou eu.”
E esse dia chegou. Foi a 29 de Junho de 2010 que faleceu. Há algum tempo que vivia no Lar da Fundação. A imprensa local salientou a humildade , a gentileza e a boa disposição que caracterizou uma longa vida de 101 anos.
David Gonçalves de Almeida