O dia 27 de março celebrou-se também como Dia Mundial do Teatro. Ao Penacova Actual pareceu incontornável entrevistar Sandra Henriques, do Teatro Molinum e da Associação Juvenil Partículas Soltas.
Deixamos aos nossos leitores o conteúdo da nossa conversa sobre esta arte que se parece tanto com a vida.
Teatro: a arte que se parece tanto com a vida
Para começar a nossa conversa, sugiro uma biografia pessoal e dos grupos de teatro em que se insere.
Concluí o curso superior de teatro e educação no ano de 2011 e, desde então, tenho trabalhado sempre na área, talvez contrariando um pouco a ideia de que as áreas artísticas não tem emprego. É claro que nos primeiros anos foi essencial a ajuda e apoio dos pais, mas, hoje em dia, isto é, infelizmente, “normal” em muitas áreas.
Atualmente tenho o meu projeto pessoal, o Teatro Molinum, que por ser pessoal se liga especialmente a algo que me diz muito – o Património Material e Imaterial. Daí que o nome seja a raiz etimológica da palavra Moinho.
Em Penacova, estou também ligada à associação juvenil Partículas Soltas, que surge como consequência de um grupo de teatro formado a partir da Escola de Artes, que depois acabou por se desvincular dessa instituição.
A Partículas Soltas é, para mim, um projeto muito especial, pois permite que a arte teatral tenha um espaço em Penacova, um espaço que vai crescendo, que se espalha por camadas mais jovens e mais velhas e que luta, todos os dias, por promover a importância das artes e da cultura na identidade de um povo. Trabalhamos com textos de grandes autores e com a valorização das artes de todo o mundo na formação dos nossos alunos/atores, porque acreditamos que um amplo conhecimento das artes dá um amplo conhecimento da vida e das possibilidades que ela tem. Mas também é igualmente importante para nós olhar para o que nos está próximo e criar uma estreita ligação com o nosso próprio património material e imaterial.
Ao longo do tempo, temos promovido várias atividades, que, através das artes, pretendem promover uma ligação emocional entre as pessoas e o seu território. As Noites de Bruxas em locais abandonados, o nosso envolvimento no projeto Caminhos das Batalhas do Bussaco, a reinterpretação de lendas locais, a Ecofesta da Família nos Moinhos da Portela de Oliveira, o projeto de prevenção de incêndios ‘Eu Sou a Minha Terra’, são bons exemplos dessa nossa “missão” de ligar afetivamente povos e património local.
Prossigamos com uma referência ao sentido e à importância do Dia Mundial do Teatro, que se celebrou no passado dia 27 de março.
O dia Mundial do Teatro assinala a importância de uma arte que é transversal a todos os povos. Desde os tempos mais ancestrais que o teatro é feito. Inicialmente, o teatro surge de uma maneira ritual, como uma estratégia para fazer passar de geração em geração uma mensagem ou história. Por exemplo, ainda hoje existem muito as vias sacras que tem uma parte muito teatralizada e que ajudam a perpetuar no tempo a história de Cristo).
Mas além de uma forma de fazer passar histórias ou mensagens, o teatro evoluiu para uma coisa mais interessante ainda e apresenta-se hoje como uma forma de questionar o mundo, mais do que de responder. O Teatro e o Cinema (e a arte em geral) permitem-nos ver uma história estando de fora, e todos sabemos que estando de fora é muitas vezes mais fácil avaliarmos certas questões. Penso que é essa a grande mais valia do teatro, pôr-nos a pensar sobre as coisas, questionar. São das perguntas que temos que surgem as melhores ideias.
O teatro é assumido por todos os atores como o laboratório mãe da arte da representação, mas, depois, parece ser experimentado como «coisa» de elites e «produto urbano». O teatro tem espaço de cidadania no interior de Portugal e, em concreto, em Penacova? Como?
É absolutamente essencial que o interior e as pequenas localidades tenham acesso às artes, ao teatro e a outras. O conhecimento, o pensamento, a capacidade de nos questionarmos e de criar são formas de “subir” na vida e isso é altamente promovido pelas artes. E, além disso, também é essencial ao crescimento de uma comunidade a autoestima que este tipo de atividades promove, seja por alguém ter um bom desempenho numa arte ou seja pela valorização do património que é de todos (por exemplo).
O interior de Portugal e aqui em especial Penacova precisam de uma grande dose de autoestima. E se não chegamos lá por sermos os mais bem sucedidos noutras áreas, pode ser que cheguemos por termos artistas ou atletas de excelência porque, felizmente, o talento não existe só nas grandes cidades. Acontece que para esse talento ser descoberto nas localidades do interior, é necessário que o interior ofereça a possibilidade de os encontrar e desenvolver. Isto é só uma maneira de explicar o porquê de ser essencial termos artes no interior do país, mas existem inúmeras vias.
Como já foi dito, as artes são um espaço de criação, discussão, questionamento e pensamento e isso é essencial para que as comunidades evoluam a todos os níveis, mesmo economicamente. Saber pensar é importante!
Um programador cultural reconhecido reage contra a ideia comum da cultura ser ‘a cereja no topo do bolo’. Defende que é o bolo! Entre nós, vezes demais, nem cereja, nem bolo. «Medo» de um povo demasiado formado, espaços limitados, ausência de programadores e programas sistemáticos, falta de cultura de hábito… É mesmo só um problema de orçamento?
Havia um slogan da RTP2 muito interessante, que me ficou na memória: “Quem vê quer ver”. É isso mesmo: quanto mais programação cultural existe, mais as pessoas necessitam dela. Depois de nos habituarmos a refletir sobre as coisas, queremos pensar, pomos as coisas em causa e procuramos um caminho nosso. Deixamos de nos guiar pelo que nos dizem, pois adquirimos esta ferramenta exuberante de termos “opinião própria” e já não somos capazes de fechar os olhos a algumas coisas e de agir pelo que “nos dizem” – ganhamos identidade. Esse estado mental cria sede de mais conhecimento, é viciante.
Sendo assim, e agora vou falar da situação do interior de Portugal (em geral), não investir em programação cultural porque “não há gente para ir ver” é um erro crasso. Só vai haver mais gente a ver se houver mais coisas a acontecer. Temos de aguentar algumas salas vazias ao início, temos de insistir para que as pessoas comecem a vir. Os que vem uma vez virão outras, mas só se existir essa oferta disponível.
Penso que se investe pouco nisto por, de alguma maneira, existir uma subvalorização das pessoas. Uma ideia de que os outros “não são suficientemente instruídos para perceber”. São, mas as pessoas precisam que as coisas estejam acessíveis para se interessarem por elas. Eu nunca me vou interessar por Basquetebol se nunca vier sequer a saber que isso existe.
Num tempo com a marca do consumo, a experiência estética convoca a fruição, a contemplação, o deleite, a crítica… Puxa pelo que parece em desuso ou em contra corrente… O que tem o teatro a oferecer de diferenciador à formação da consciência individual e coletiva do Concelho de Penacova?
O Teatro permite uma fuga ao quotidiano, à velocidade do mundo e, até, às tecnologias, e penso que todos precisamos disso, de um tempo de paragem, onde a nossa atenção é atraída para algo fora de nós mesmos e onde somos convidados a esquecer os “problemas” ‘lá fora’ e a estar ‘ali’, naquele exato momento, sem pensar no passado ou no futuro, a ver o presente. Nesse sentido, parece-me uma atividade muito “mentalmente terapêutica” e que ajuda a equilibrar o nosso ritmo interior.
O melhor do teatro é ser ao vivo, é conseguirmos sentir uma conexão com as pessoas que estão no palco, as angústias e as alegrias, é saber que aquilo que está a acontecer está a acontecer exatamente naquele momento e está muita gente a ver e nada poderá ser mudado. É a capacidade de nos transmitir o que é o agora. No teatro não é possível apagar o que se fez, o que está feito, está feito – é essa a grande lição desta arte que se parece tanto com a vida.