“O direito à livre associação constitui uma garantia básica de realização pessoal dos indivíduos na vida em sociedade. O Estado de Direito, respeitador da pessoa, não pode impor limites à livre constituição de associações, senão os que forem direta e necessariamente exigidos pela salvaguarda de interesses superiores e gerais da comunidade política.” Trata-se do texto que introduz o Decreto-Lei nº 594/74, de 7 de Novembro, assinado pelo Presidente Costa Gomes. A revolução de abril tateava tenuemente ainda e verte-se em lei esta intuição antropológica que sintetizadamente declara que ‘juntos vamos mais longe’.
A realidade do associativismo é fértil no concelho de Penacova. Olhemos os números de associações, listadas nas páginas de Internet das respetivas freguesias: 21 associações em Penacova, 18 em S. Pedro de Alva e S. Paio de Mondego, 15 em Friúmes e Paradela, 15 em Lorvão, 13 em Figueira de Lorvão, 7 em Sazes e 7 em Travanca e Oliveira.[1] Destas, destacamos, de acordo com a página da Câmara Municipal, 15 associações jovens e 18 desportivas. Trata-se de uma mole imensa, que movimenta direta e indiretamente um incontável número de pessoas e representa o pulsar da sociedade civil organizada.
Um repensamento do território talvez implicasse redesenhar este mosaico associativo. A multiplicação dos mesmos objetivos, por exemplo, enfraquece todos e cada um. Um espaço com esta densidade geográfica e populacional não terá capacidade para dispersar energias por fins semelhantes, porque não terá mão-de-obra, público, massa crítica… Frequentemente, as Associações configuram-se numa narrativa de bairrismo competitivo e mimético. A vitalidade e a validade ficam substancialmente limitadas. Arbitrar, sugerir, propor estratégias e caminhos amplos será uma tarefa incontornável do Poder Local, na senda do incremento de dinamismo a uma comunidade que precisa mais de vida que de estruturas. Enquanto isso não acontecer, o território cresce, como a floresta, numa espécie de espontaneidade desordenada. Não se trata de impor caminhos ou coartar autonomias, mas de estruturar um projeto de comunitário com visão de futuro.
Um outro ângulo de abordagem do associativismo pode centrar-se na ‘criação de escala’, onde cada associação pode amplificar a sua dinâmica, dar horizonte aos seus projetos, intensificar a sua reivindicação, partilhando perspetivas e criando sinergias humanas e materiais. Esta plataforma associativa pode ser um fórum de exercitação do diálogo e um laboratório de cidadania. O medo de perder protagonismo tem de ser menor que a consciência da riqueza de contacto com a diferença e da complementaridade que daí inevitavelmente nasce. A morte de alguns projetos e o abdicar de outros seriam consequências dolorosas, mas assumidas numa lógica de conjunto e em função do bem maior de todos. Peneirar o que possa estar a mais é um caminho privilegiado para prosseguir para uma comunidade mais dinâmica e adaptada à cultura que somos, fazemos e vivemos.
A formação de dirigentes tem de ser uma aposta a intensificar nos tempos de exigência que experimentamos. O trabalho voluntário é uma riqueza imperdível, mas o simples bom voluntarismo não responde cabalmente aos questionamentos contemporâneos. Burocratizar de modo asfixiante matará muita criatividade, mas o simples experimentalismo hipotecará muito futuro. A formação, neste caso, não poderá ser um academismo exaustivo, que desencarne o associativismo da realidade circunstante. Mas poderá e deverá ser uma teoria-prática que ofereça um mínimo de ‘profissionalismo’ aos projetos e lhes garanta futuro. Uma associação que não se questionar, avaliar, rever e ajustar consequentemente dificilmente sobreviverá. E as lideranças habituais, as mais arrastadas no tempo, ancoradas na ‘navegação à vista’, no empirismo, na tradição, não costumam congregar a energia necessária para fazer perdurar estes percursos e operar as mudanças que as alterações culturais paradigmáticas acabam por impor.
Finalmente, o não aproveitamento partidário destes espaços seria um caminho saudável para estes e para as estruturas partidárias, garantindo a identidade de ambos e a sua liberdade e amplitude de atuação. Minar estes espaços com peões costuma ser uma tentação a que muitos cedem. Resistir, de ambos os lados, impõe-se. Por ética, mas também por pragmatismo, dado que, a longo prazo, a metodologia dificilmente não se vira contra o metodólogo.
Cumpre, como síntese, agradecer a quem dá de si desinteressadamente e faz do serviço ao bem comum fonte de realização pessoal. Numa comunidade, são mesmo as pessoas o fundamental e que não se vê, não se mede e não se pesa, é mesmo o que de mais importante existe. “Uma garantia básica de realização pessoal dos indivíduos na vida em sociedade” é muito mais que um pormenor ou um passatempo. As prioridades têm de estar a passar por aqui. No que já existe, associativamente falando, e naquilo que a leitura dos ‘sinais dos tempos’ suscitar à nossa capacidade criativa. Herdar associações de outros, que foram resposta para um tempo, implica capitalizar essa herança e legar aos vindouros a marca do nosso tempo, à qual eles acrescentarão a deles.
Luís Francisco Cordeiro Marques
[1] Dados constantes das páginas de Internet das respetivas Juntas e Uniões de Freguesia. Não encontramos dados respeitantes à Freguesia de Carvalho.
“Finalmente, o não aproveitamento partidário destes espaços seria um caminho saudável para estes e para as estruturas partidárias, garantindo a identidade de ambos e a sua liberdade e amplitude de atuação. Minar estes espaços com peões costuma ser uma tentação a que muitos cedem. Resistir, de ambos os lados, impõe-se. Por ética, mas também por pragmatismo, dado que, a longo prazo, a metodologia dificilmente não se vira contra o metodólogo.”
Certíssimo.
Numa terra tão politizada – quase sempre por pouco recomendáveis razões – é um desígnio a não perder de vista.
Vamos ver é se já não se vai tarde…
Concordo muito com a perspectiva desta abordagem, Caro Luís
Por um lado as associações civilistas -como já tive oportunidade de desenvolver aqui, no PA- têm um cardápio de obrigações e responsabilidades que, muitas vezes, implicam conhecimentos específicos para com os membros dos Corpos Sociais, incompatíveis com a falta de formação/habilitação, o que pode ser resolvido pela via formativa, sim.
Por outro lado, sendo (do meu ponto de vista) o mode da expressão possível da liberdade, neste “garrote” que se presente e sente, bom seria que se livrassem da tentação dessa intrusão.
Agora, devemos imaginar que isso não pode significar a exclusão de associados com compromissos políticos, porque entramos no mundo da fantasia.
Neste País de Abril, todos fazemos falta a todos, sendo exigível ao Membros dos Corpos Sociais que nem tragam a “política” para as associações, nem levem as associações para a política.
É difícil, é! … mas não é impossível!
Se repararmos bem na realidade associativa do nosso Concelho, eu até acho que são mais as associações a viverem à sombra da política, do que a política a querer invadir as associações.
… e sei bem do que falo!