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“A maior forma de cobardia é testar a coragem na fraqueza do outro”. Desconheço o autor desta frase, mas é mais perfeita definição para comportamentos conotados como bullying e que mais não são de que a prática de actos violentos, intencionais e repetidos, contra uma pessoa indefesa, causando danos físicos e psicológicos às vítimas. Existe um desequilíbrio de poder entre quem agride e quem é agredido/a: quem agride é mais forte ou está em maior número do que a vítima (por exemplo, um grupo de colegas agride um colega de outra ou até da mesma turma). Os motivos podem ser diversos, mas geralmente os agressores apontam características físicas como pontos de partida para comentários e ofensas.

Um vídeo que circula nas redes sociais chocou a quem o viu, mostra um grupo de alunas de uma escola da Arrentela, no Seixal, a fazerem bullying a um colega, chamando-lhe nomes e provocando-o junto a uma Estrada Nacional. Ao tentar fugir, o jovem foi atropelado por um carro, tendo ficado com ferimentos ligeiros e estando agora a recuperar. Há apenas uma voz perceptível no vídeo que diz “parem com isso, isso é bullying”. Todos os intervenientes já foram, entretanto, identificados pela polícia.

Esta informação chegou-me pelos meios de comunicação social, eu não visualizei esse vídeo, considerando que exibi-lo é violentar novamente a vítima. Nas redes sociais, muitas vezes, assistimos a um vulgarizar – ou normalizar – da vulnerabilidade o que promove – com ou sem boas intenções – uma revitimização a uma escala global.  As pessoas esquecem-se que uma vez na net, para sempre na net. Tratando-se de vítimas crianças ou jovens deixa efeitos negativos ainda mais graves, presentes e futuros, efeitos que, no caso, são tanto para a vítima, que é re-vitimizada, como para os elementos agressores, que poderão ser alvo de atitudes punitivas ou de retaliações gratuitas.

O bullying mais não é do que comportamento (os) de humilhação e partilha de ódio gratuito. Não podemos olhar para este assunto (grave) e dizer que é perfeitamente normal, são “crianças a brincar”. Isto é tudo menos brincar, o jovem do vídeo estava cheio de medo – já não seria a primeira vez que seria o alvo daquele grupo de colegas – a tentar fugir por todos os lados e acabou atropelado, teve ferimentos, mas poderia ter consequências mais graves, para já não falar da devastação emocional.

O fenómeno nas escolas é mais grave do que os casos conhecidos. É verdade que há já medidas e programas de prevenção a cargo de escolas e da PSP/GNR, mas é preciso mais. É preciso responsabilizar os autores e também acompanhá-los (quem exerce violência desta forma é muitas vezes, ou foi, alvo de violência), envolver as famílias, e sobretudo cuidar das vítimas. Ser gordo ou gordinho, usar óculos, ser homossexual, é nas escolas portuguesas motivo, muitas vezes, de humilhação. Nada justifica que se faça uma perseguição a um (a) colega, com requintes de malvadez e incentivos de filmagem, para brilhar nas redes sociais a perseguir e humilhar outro alguém. Algo que fica para sempre e é partilhado até se tornar viral. E se ele for atropelado, “é um problema que não me assiste”. Tudo com a frieza emocional que cria os sociopatas.

Mas a intervenção tem que começar muito antes e na família. A crueldade é relativamente normal e faz parte do desenvolvimento na infância, no sentido em que está ligada a impulsos agressivos e de afirmação. A empatia, compaixão e injustiça são aprendizagens indispensáveis e que os adultos têm de introduzir, desde cedo, na educação da criança, com coerência e, sobretudo, através do exemplo. De outro modo, a crueldade explodirá mais tarde, na adolescência quando precisa de sentir ser pertença de um grupo forte, que exclui os mais fracos e/ou diferentes.

A educação surge, assim, como fundamental, mas é necessário desmitificar ideias feitas que existem em torno dos fenómenos de bullying e que limitam a abordagem pedagógica pelos pais e educadores. O primeiro é a assunção de que comportamentos de crianças e jovens, praticados inter-pares, são sempre brincadeiras e mesmo que se apresentem com requintes de malvadez, como se a relação entre crianças e jovens se circunscrevesse a um quadro naturalmente inofensivo (mesmo que afecte, dizemos que “não foi por mal”, como que naturalizando a situação, ou até mesmo retirando-lhe a gravidade). E “não acontece só em algumas escolas. Nem é uma mera brincadeira ou uma fase que passará em breve”. Nem sequer afecta exclusivamente os mais novos: muitos adultos sofrem diariamente de bullying às mãos de chefes prepotentes e colegas de trabalho tóxicos e mal-resolvidos.

O outro mito, tem a ver com o facto de invertermos o ónus do problema –  o típico victim blaming, refiro-me ao que consiste em ensinar as vítimas a se comportarem de uma forma que afaste os bullies.  E isto sempre acompanhada de normalizações como “não sejas queixinhas” ou “isso não é nada de especial”. Por exemplo, numa campanha escolar de sensibilização e combate ao bullying no 1º ciclo do ensino básico – portanto direccionada para crianças dos 6 aos 10 anos – foi entregue um folheto intitulado “Sabias que podes evitar o mau feitio dos teus colegas? É fácil, tudo depende de ti!”. Educação para a cidadania é fundamental, o combate ao bulyling urgente, mas não podemos esquecer de que algo tão básico como o que efectivamente significa, não é assim tão evidente para muitos adultos responsáveis. Trata-se de um problema real e da responsabilidade de todos. Crescer pressupõe conflitos e nas diversas fases do desenvolvimento, mas nunca – e em caso algum –  este tipo de violência e humilhação.

O problema é complexo e antigo, mas infelizmente não tem melhorado. Quando os casos chegam ao tribunal sente-se a falta da autonomização deste tipo de crime ou do agravamento sério das medidas aplicáveis em função da intenção de humilhar. Os investigadores dizem que o bullying está a tomar novas formas – como o ciberbullying  – a que as escolas não conseguem dar resposta, e que a consciencialização de pais e professores e empatia dos alunos é essencial. E a realidade é muito pior que os dados apresentados e o que as entidades querem fazer crer, porque a maioria dos casos não é denunciada.

As escolas são mundos e sociedades em “ponto pequeno”, a violência está muito presente e pior, não só está presente, como é muitas vezes ignorada e mal resolvida. Sei disto por experiência profissional, tenho anos de trabalho nas áreas da infância e juventude, nesta última ainda intervenho actualmente. Para além da identificação e punição (necessária e até mesmo fundamental), é importante formar esses jovens, demonstrando o errado dos comportamentos e seja escrutinado o que os leva a praticar esse e outros actos idênticos. “Colocá-los” no lugar do outro, que mais não é do que a empatia, dar-lhes alternativas positivas, para combater esta tendência de humilhar, que, se não for resolvida, na maioria dos casos, vai manter-se para além da sua juventude.

Os pais precisam estar atentos às mudanças bruscas de comportamento dos filhos. Sinais como recusa de ir à escola, tendência ao isolamento social e familiar, falta de apetite ou aumento, queda no desempenho de suas actividades, entre outros podem indicar que algo não está bem. E não somente em situações em que os filhos demonstrem sofrimento, mas também em situações em que demonstram agressividade, como comentários preconceituosos, indiferença, soberba e oposição, pois são sinais indicadores de que algo também não está bem, e que se pode reflectir de maneira negativa no seu círculo relacional, podendo então a criança/o jovem tornar-se o agressor. Nesses casos, os pais precisam de ter a coragem suficiente para compreender e procurar ajuda.

Segundo os especialistas, a forma mais eficiente de se prevenir e intervir na área do bullying, é fazê-lo o mais precocemente possível, antes mesmo da manifestação dos primeiros sinais de prepotência ou submissão que podem indiciar um futuro envolvimento em comportamentos de agressividade – com abuso de poder e de vitimização.

Fundamental: o mundo pode ser um lugar decente. Não pode valer tudo.

Marília Alves

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