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Fizemos, no artigo anterior, uma breve análise histórica da agricultura nos terrenos do Mondego e também nos terrenos de sequeiro na região de Penacova. Concluímos hoje, falando do  potencial dos mesmos e analisando alguns aspetos da agricultura biológica.

“Nós não domesticámos o trigo; o trigo é que nos domesticou.”
Yuval Noah Harari, Sapiens: História Breve da Humanidade

A agricultura é uma atividade com cerca de dez mil anos que mudou os hábitos humanos de forma considerável. Passámos a destruir a floresta que nos abrigava e alimentava para providenciar áreas de cultivo. Todo o processo foi gradual e foi alterando a nossa visão sobre a  envolvente ao meio onde agora nos acolhíamos, criávamos os nossos animais domesticados e construíamos as nossas habitações. Acabámos por ter necessidade de domesticar também a própria floresta, controlar os medos e lutar contra as ameaças que pulavam as cercas e competiam por aquilo que produzíamos. Foi esse o motivo que nos levou a temer e amaldiçoar o que estava para lá do espaço sobre o qual já não tínhamos controle. Foi assim que se iniciou o processo que levou à recente descoberta da agricultura moderna. E o crescimento populacional aguçou ainda mais o nosso engenho.

Qualquer solo sujeito à atividade agrícola é um solo que pode ficar facilmente exposto ao esgotamento de nutrientes e à erosão. Tudo o que retiramos da terra, alimentou-se dela e nós vamo-nos alimentar, incorporando outros nutrientes que, entretanto, foram produzidos pelas plantas que cultivamos e pelos animais que criamos. Se juntarmos a este fenómeno a ação erosiva e o assoreamento causados pela água e o vento, é assim que os solos vão empobrecendo.

O desenvolvimento tecnológico e industrial permitiu mecanizar cada vez mais a agricultura e  descobrir fertilizantes de síntese e produtos de combate a pragas e de “esterilização” dos solos, ou seja, uma variadíssima gama de adubos, fungicidas, inseticidas, acaricidas, herbicidas e afins, de uso simplificado, mas nem sempre feito de forma adequada. Percorremos um extenso e sinuoso caminho até conseguirmos produzir alimentos suficientes para nos alimentar a todos, criar excedentes em determinadas áreas do globo e desperdiçar, inclusivamente, uma enorme quantidade de bens produzidos, que, caso fossem bem distribuídos por toda a população humana, seriam capazes de lhe matar completamente a fome.

Contudo, o percurso atrás descrito foi sendo feito com uma série de atropelos ao ambiente, com um impacto brutal sobre a biodiversidade e com uma utilização de recursos hídricos e matérias primas absolutamente calamitosa. Quase todos beneficiamos disso, nomeadamente, no mundo ocidental. Porém, há ainda uma certa tendência para acharmos que a nossa espécie está salvaguardada de tudo, apesar de alguns de nós perecermos por fome e doenças provocadas por desequilíbrios alimentares e ingestão residual de produtos nocivos, inclusivamente, alguns inseridos na própria cadeia alimentar.

Por outro lado, a também crescente ameaça das alterações climáticas e da escassez de recursos está a modificar alguns dos nossos hábitos de vida, a acelerar uma maior tomada de consciência e a levar à aceitação que será necessária uma mudança de paradigma na própria produção de bens alimentares para consumo humano e na forma como nos relacionamos com a quantidade de alimentos que ingerimos e com as escolhas alimentares que fazemos.

Essa noção de mudança, essa perceção que existe um estado de coisas que nos está a levar para uma direção errada é resultado da visão alargada e do trabalho e estudos de um conjunto de peritos ambientais, economistas e cientistas de variadas áreas. É resultado, inclusivamente, do trabalho aprofundado que sempre acompanha o desenvolvimento das atividades humanas, ao longo do tempo.

Podemos optar por um modo de agricultura convencional, mas um tipo de agricultura menos lesiva em termos ambientais e que tenha uma eficaz capacidade regenerativa do ecossistema solo e ainda das áreas envolventes seria o objetivo último. O argumento que a tecnologia moderna não pode ajudar este último modo agrícola é vazio de conteúdo. Aliás, devemos aceitar como dado adquirido que existe um grande desenvolvimento científico nesta área.

Os terrenos que existem atualmente em estado de pousio ou, pura e simplesmente, abandonados são suficientes para iniciar projetos empreendedores de agricultura sustentável e não se vislumbra a necessidade de roubar às áreas arborizadas mais terrenos para esse efeito. Embora se argumente que a agricultura convencional é substancialmente mais produtiva e carece de menor área para produzir o mesmo, a agricultura em modo biológico é menos agressiva ambientalmente, promove a biodiversidade por utilização de culturas mistas e plantio de áreas de terreno com espécies da flora selvagem e sebes de proteção de agentes erosivos. Este modo de produção adapta-se a qualquer local, mas é uma mais-valia para regiões cujo efeito ambiental das atividades humanas é necessário reduzir ao máximo no futuro imediato. A proximidade do rio Mondego (o maior e mais importante curso de água português) e uma certa ruralidade que nos apraz manter, até para fins turísticos, são fatores de sobra para promover este género de iniciativas agrícolas. São elas que acabam por valorizar ainda mais a nossa terra. Seria ótimo que mesmo em termos de povoação arbórea fosse controlada a proliferação e a plantação de árvores tais como o eucalipto e algumas espécies de invasoras (como a Acacia dealbata, por exemplo).

Na nossa região, quando a adubação dos terrenos, com fertilizantes ricos em azoto, fósforo e potássio (os três principais macronutrientes) passou a ser frequente e praticada por todos, houve um claro aumento de produtividade. Isso teria começado ainda nos anos quarenta e intensificou-se cada vez mais, se bem que o estrume e o mato eram ainda usados em conjunto. A lavra dos terrenos era feita com recurso ao arado, puxado, normalmente, pela força animal. Só a partir dos anos setenta foi, significativamente, substituída pelo trabalho mecânico dos tratores.

E foi nesta década que se deu também a chamada “revolução verde” na agricultura. O desenvolvimento tecnológico e o progresso trouxeram outras possibilidades ao melhoramento dos solos e ao aumento da produtividade agrícola. E o aumento demográfico foi também uma consequência desse fenómeno, se bem que inúmeros aspetos contribuíram para isso. Entre eles, o desenvolvimento da medicina, da indústria, dos transportes e a divulgação da informação e a educação dos povos.

A melhoria da produtividade levou ao aumento populacional e teve por fim o condão de projetar as pessoas para outros horizontes. Quando a agricultura nos campos do Mondego e nos terrenos de sequeiro deixou de ser rentável e as pessoas se depararam com a escassez de empregos, muita gente emigrou ou procurou soluções laborais fora do Concelho, em vilas vizinhas e mesmo em Coimbra, a metrópole mais próxima.

Após a construção das barragens, os caudais foram controlados e apenas episodicamente cobriram os terrenos de cultivo. Anos a fio de uso levaram também a um progressivo esgotamento dos solos. A adubação com fertilizantes granulados de síntese à base de azoto, fósforo e potássio revelou-se insuficiente para nutrir estes terrenos tão permeáveis, que são facilmente “lavados” pelas próprias águas da chuva e da rega. O empobrecimento dos terrenos agrícolas foi um fenómeno que ocorreu, aliás, basicamente, em quase todo o território nacional. O que outrora era rentável, numa certa medida, passou a ser pouco produtivo, porque as necessidades agora eram outras, face ao grande aumento populacional, entretanto, ocorrido, principalmente, após a década de setenta.

Foto de Fernando Alvarinhas (2020) – Terrenos de cultivo na margem esquerda do Mondego, em Vila Nova

Mas, em Penacova, muitos dos terrenos de regadio e principalmente os de sequeiro acabaram abandonados por muitos proprietários.

A rentabilidade baixa e a escassez de mão de obra e incentivos à exploração dos terrenos agrícolas locais levou a maioria dos proprietários a arrendá-los ou “retransformá-los”, inclusivamente, para produção arbórea.

Resumindo, a adaptação destes terrenos ao modo de produção biológica é uma hipótese bastante viável, por causa da proximidade ao rio Mondego que obriga por si só a algumas restrições no uso de fitofármacos . A necessidade destes terrenos serem enriquecidos com  fertilizantes orgânicos é também uma mais-valia, em si, para os próprios terrenos que são explorados em modo de produção biológico, se bem que qualquer produto estranho à terra, quer seja de síntese ou não, deve ser utilizado com conta peso e medida.

Há, portanto, do ponto de vista ambiental, uma vantagem imediata no uso destes solos para esse efeito. Outro fator a ter em conta é a captação de mão de obra que é precisa em maior número neste modo de produção, tendo sempre importância como fator de criação de emprego.

O modo de produção agrícola convencional continua a ser o mais usado e o que se julga ser mais produtivo. Há, no entanto, para além da desvantagem de ser uma agricultura muito mais agressiva  ambientalmente, a ideia clara que os produtos obtidos oferecem menos segurança alimentar, apesar de serem mais baratos que os alimentos biológicos.

A produção em modo biológico permitiria ainda inserir os seus produtos em mercados mais localizados porque seria valorizada ainda mais a sua frescura e permitiria criar um conjunto de soluções que iriam enriquecer uma lista de artigos de valorização do que é autêntica e genuinamente nosso.

Com a descoberta da agricultura, há milhares de anos, criámos as bases da civilização moderna, alimentados essencialmente por um pequeno número de plantas, a maioria delas resultando em artigos farináceos, dos quais continuamos dependentes. Em Penacova, tal como em qualquer sítio do globo, a produção intensiva de bens agrícolas incidiu sempre maioritariamente nesse tipo de alimentos, mas os conceitos sobre alimentação estão a mudar. Existe uma enorme variedade de bens alimentares que podem ser produzidos e que podem melhorar substancialmente a nossa alimentação.

Chegou a altura de tomarmos as rédeas do nosso destino com o conhecimento das técnicas que fomos adquirindo e a informação alargada que temos em relação ao modo como evoluímos como espécie e deixarmos de ser dominados por tendências antigas e hábitos menos nossos amigos e da natureza que nos circunda.

Ulisses Baptista

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