Em Penacova tenho dedicado algum tempo a discutir assuntos que normalmente são catalogados no capítulo da “Cultura”, sempre um pouco laterais na política deste tempo e deste país. Nomeadamente tenho falado de António José de Almeida, da sua sempre adiada casa-museu (felizmente não sucedeu assim com a Casa das Artes e com pintor Martins da Costa, que tanto admiro com artista e como homem, cuja obra será exposta nas instalações da velha Câmara que depois foi Tribunal) e do caso único no país do “saneamento” do seu nome da escola da vila. E e de outros temas, como a casa do ferrador (“tronco”), de Figueira de Lorvão, que deveria fazer parte do património museológico ou da pouca importância dada pelo concelho ao tenente e, mais tarde, major José Barbosa Santos Leite (natural de Telhado) que fez o primeiro voo oficial da nossa Aviação Militar, no dia 17 de Julho de 1916, a partir da base de Vila Nova da Rainha (onde se inaugurou há cinco anos um grande monumento). Mas, desta vez, vou falar de outro caso do que se poderia chamar “cultura cívica” — o saneamento, que, não por acaso, é chamado “saneamento básico”, pois constitui a base de toda a higienização. E, neste, desejo falar, mais precisamente, do tratamento de águas residuais e de esgotos através das ETARs, que superam em qualidade as há muito existentes fossas sépticas.
Vivo em Figueira de Lorvão há mais de 30 anos e desde então que ouvi dizer que estava para breve o que se chama geralmente “saneamento básico”. Porém, na vasta freguesia, continuamos a usar as referidas fossas que obrigam a um trabalho constante de limpeza, felizmente a cargo da autarquia, que a considera um serviço público. E o que é de admirar é que aqui existem lares de terceira idade e haverá em breve um centro escolar de média dimensão, que só por si deveriam obrigar a obras desse tipo.
Em tempo de eleições, em que as forças políticas felizmente se debatem democraticamente, é necessário que fique claro que são uma promessa e uma acção prioritárias, a par do desenvolvimento de regras de civilidade que tardam em aparecer.
A propósito destas, conto uma história simples das minhas andanças pelo mundo. Uma vez em Hamburgo vou a descer uma escada e deparo com uma pequeníssima marca vermelha — era apenas a sinalização de uma falha na pedra de um degrau, para prevenir possíveis quedas. E logo verifiquei que esse tipo de marcação era usado em todas as situações idênticas. Ao invés, neste país onde a democracia não foi acompanhada pelos deveres inerentes (nem sequer os deveres públicos das autarquias, que obrigam — quando obrigam, na prática — os cidadãos a limpar as matas, mas nem sempre se obrigam a limpar as suas), parece ser impossível que se verifiquem medidas desse tipo. Nem sequer as estradas estão sinalizadas ou têm um piso decente por onde circular (veja-se o que se passa com a estrada que une Penacova a Telhado e à entrada do IP3).
Sucede isso por culpa dos serviços públicos? Sim, mas também por culpa dos cidadãos que nada reclamam ou reclamam no café, nas soleiras das portas ou em conversas de rua, pelo que julgam ser os seus direitos, que por vezes até são simples privilégios. Quando reclamam por verdadeiros direitos, em certos casos vêem resolvidos os problemas, mas noutros confrontam-se com a conveniente inércia das autarquias e com as suas justificações normais: falta de dinheiro, falta dos empresários que têm muito trabalho e não resolveram ainda os serviços contratados, a ausência no estrangeiro das pessoas que deveriam limpar os seus campos ou as suas as matas …
Como vêem, o saneamento não é apenas o saneamento dito “básico”, ou algo que é importante nesse saneamento. Também há a considerar o saneamento das mentes. Só assim haverá Democracia, que apenas se alcança — como se costuma dizer sem o fazer — numa luta quotidiana e em todos os lugares, desde as mais pequenas povoações até às grandes urbes. É um exercício difícil que supõe a consciência dos verdadeiros direitos e deveres de cidadania e tempo gasto em prol dos outros e dos próprios. Esse é que é afinal o Saneamento com maiúscula ou, se se quiser, o Saneamento — Básico.
Luís Reis Torgal