O governo “caiu” porque o Presidente da República quis. Tinha dito, previamente, que se o Orçamento do Estado não fosse aprovado, à primeira, dissolvia o parlamento. Nem sequer condicionou esse seu posicionamento ao superior interesse do País. Ou seja, foi peremptório. Mais seria difícil. O que é uma atitude dissonante, tendo em conta que apela, consecutivamente, para compromissos e cedências, e, até agora, quem não procurou concretizar esses princípios foi o próprio. Independentemente das circunstâncias e contexto do desfecho, determinou logo que não haveria cedências.
O PS teve o mérito de efectuar um acordo de incidência parlamentar à esquerda, sobretudo com o PCP e o BE, que, à data foi favorável para o País. Esse apoio teve, para o Primeiro Ministro António Costa, uma função muito útil: foi o seu elevador para o poder. Contudo, desfez o acordo mal surgiu uma oportunidade, ou seja, quando ganhou as eleições e pôde dispensar acordos de legislatura.
O acordo parlamentar tirou-nos do coma profundo em que sobrevivemos na Troika de Passos Coelho. As propostas do PCP e do BE nem sempre foram aceites ou totalmente aceites pelo partido socialista, mas, objectivamente, em razão da sua luta, os resultados foram melhor do que seria de esperar se fosse só o PS a decidir, conseguindo melhorar – e muito – aspectos que se prendem com questões sociais e laborais.
António Costa quer agora a maioria absoluta, é a última jogada. A seguir, tem a Europa dourada à sua espera, ou até mais do que isso. Ora, até agora, e digam o que disserem, nunca houve uma maioria absoluta que fosse benéfica para o País. Tivemos duas: a de Cavaco Silva e a de Sócrates. Com o primeiro, se agora temos a bazuca, houve mísseis de cruzeiro fabricado pelo mesmo fabricante que os forneceu a Espanha e dos quais esse País soube fazer maior proveito; e com Sócrates esses mísseis foram apanhadas já em voo.
PS absoluto: Não. Absoluto só no dia do funeral e queria ver se não estava presente, como já disse outro alguém. Na verdade, e indiscutivelmente, o PS faz parte dos partidos que até agora governaram, da velha política, e, como está à vista, ao invés de governarem o País, têm-se governado a si e aos seus. Basta ver os organogramas das empresas do PSI-20, constituídos por elementos que vêm da política e vão directamente para conselhos de administração de empresas, onde, frequentemente, exercem actividades que nada têm a ver com o seu currículo profissional. Para já não falar daqueles que as venderam (privatizaram) por tuta-e-meia e depois foram para os conselhos de administração dessas mesmas empresas, por conta do adquirente.
O PS aproveitou a deixa do Presidente da República e a leitura que fez foi que se calhar até podia beneficiar mais se houvesse eleições. Surge no papel de vítima e vende a propaganda de que os outros são os lobos, como se isso não fosse uma manobra oportunista, e ainda vai ter a lata de dizer que, por causa do orçamento não ter sido aprovado, as pessoas não vão receber as migalhas que Costa estava disposto a distribuir. Assim quis que fosse, já nos últimos tempos, em que as propostas feitas pelo PCP e BE nunca eram acolhidas na sua totalidade.
O PCP (1) e o BE (2) não abdicaram de exigir aquilo que deviam exigir: melhores condições para os portugueses mais desfavorecidos e para a classe média, apresentando soluções na saúde, na justiça e salários, e no emprego. E existindo os meios para isso, sobretudo numa altura em que existem perspectivas de crescimento económico com a vinda para o País de muitos fundos comunitários para apoiar o crescimento. E isto é o exercício de democracia. É não traírem o seu programa e os seus eleitores. Culparem-nos por isso é, neste caso, um exercício de propaganda demasiado descarado para ser levado a sério.
Marília Alves
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(1) PCP: reforço dos serviços públicos; desagravamento da taxação sobre os rendimentos do trabalho; redução dos preços da energia; aumento das pensões mais baixas, recuperação do poder de compra perdido pelos reformados com pensões superiores a 658 euros; inclusão dos escalões de rendimentos mais baixos e intermédios no alargamento dos escalões do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS); gratuitidade das creches para todos os escalões de rendimentos; aumento do salário mínimo nacional para 850 euros; retoma das progressões nas carreiras da função pública; combate à precariedade e aos horários desregulados; reforço do investimento no SNS, em particular, valorização das carreiras e dos salários dos profissionais de saúde; alteração da legislação sobre o arrendamento para estabilizar e controlar o valor das rendas; aumentar a oferta de habitação pública; e investimento na produção nacional.
(2) BE: valorização das carreiras na saúde e a exclusividade no SNS; revisão da lei laboral, com a retirada das medidas da troika; revisão das reformas, com o fim do factor de sustentabilidade e recálculo a quem se reformou entre 2014 e 2018; e alívio de impostos indirectos, como o IVA da electricidade.
Li o artigo da colega Marília Alves e gostei muito.
Independentemente de se estar de acordo com a sua posição, a verdade é que reflecte uma ideia consistente e defende-a muito bem.
É a função do cronista: expor factos; mostrar a sua interpretação deles e ser leal para com os que lêem (destinatários).
No caso (como já disse, antes) temos o prazer de ler boa escrita (agora menos compacta) e coragem.
Parabéns
Das direitas ás esquerdas, muito insistentemente se critica agora o Presidente da República, culpando-o pela actual crise política, tal como nesta crónica de Marília Alves que me permito comentar, desde já endereçando os meus cumprimentos á autora.
Esclareço que nunca votei em Marcelo Rebelo de Sousa, até porque não é da minha área política, pelo que estou á vontade. Porém, é preciso ter a lucidez necessária para entender que, como já alguém escreveu, este fim de semana, face a todos os lamentáveis posicionamentos partidários à volta do Orçamento, o Presidente da República adoptou a única solução lógica e decente, qual seja a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições.
Diria até que ele também foi coerente, face aos avisos que, leal e atempadamente, foi fazendo. Por isso, nem sequer se diga que foi uma solução inesperada, de surpresa….
De facto, quer a CDU e seus satélites, quer o BE, para se autojustificarem dos desastrosos resultados eleitorais das últimas autárquicas, brincaram aos aprendizes de feiticeiro, fizeram incomportáveis e descontextualizadas exigências, esticaram a corda até ao limite, e agora nada mais lhes resta do que passar culpas, esbracejar e fazer o alarido do costume, dramatizando e disparando contra tudo e contra todos, com argumentos cada vez mais fantasiosos e sectários, quando não patéticos. Só que é um alarido cada vez mais oco e injustificado, que já não convence seja quem for. E os próximos resultados eleitorais poderão revelar-se-lhes ainda mais desastrosos.
O PPD/PSD, furtou-se a assumir as suas responsabilidades para com o país. pôs-se de lado e assobiou para o ar, qual Pilatos, aproveitando-se da mais do que infeliz frase um dia proferida por António Costa acerca da necessidade de, eventualmente, vir a necessitar do apoio deste partido para aprovação dum Orçamento. Entretanto está este partido enredado numa complexa luta de poder interna.
O CDS/PP, cuja irrelevância política já é mais do que evidente, desconhecendo-se-lhe sequer quaisquer propostas concretas para os problemas mais prementes do país, também atravessa uma fase de luta interna, bem mais acirrada do que no PPD/PSD.
A fase de autodestruição que estes dois partidos atravessam, só nos pode chocar e desgostar, porque são dois partidos que estiveram na génese da construção da nossa democracia, e onde militaram grandes políticos, duma outra envergadura.
Dependendo das soluções encontradas nas respectivas lutas internas, ainda assim não se afigura que estes dois partidos possam vir a ter quaisquer benefícios nas próximas eleições legislativas.
O CHEGA! continua a sua caminhada de partido unipessoal, a servir os objectivos de carreira do seu líder, aparentemente vitalício – e que uma vez mais acaba de ser reeleito. Nas próximas eleições legislativas, muito provavelmente, não terá uns resultados assim tão auspiciosos quanto antecipa.
Quanto ao PS, certamente manterá a sua maioria e, até, arrisca-se a ter uma maioria absoluta devido aos patentes deméritos dos restantes partidos. E se a essência da política é o exercício do poder, nem sequer se lhe pode censurar, ou diabolizar, o seu desejo de uma maioria absoluta.
Muito erro o PS cometeu nos seus últimos anos de governo, mas, apesar de tudo, o saldo final é globalmente positivo. Porém, num próximo ciclo governativo, muita coisa o PS tem que alterar: políticas, comportamentos e protagonistas.
Governando, ou não, com os chamados “partidos de esquerda”, ou em “bloco central”, o PS tem que acordar, arregaçar as mangas e arejar-se, libertando-se de algum acomodamento, para que consiga, efectivamente, ir à luta e satisfazer os legítimos anseios da população portuguesa.
E isso passa, também, pela correcta e tempestiva utilização das verbas da chamada bazuca europeia, que tantos engulhos causam a uns tantos, criaturas impolutas e desinteressadas, que tanto gostariam de lhes deitar as mãos…
Mas isto já é matéria para outra outra ocasião.