Com exceções, claro está. Vou até começar por elas, não vão pensar que tenho patológico regalo em depreciar o que é nosso. Não tenho. Sou antes bairrista parolo, como qualquer provinciano que se preze. Mas vamos lá às exceções. Em Gondelim, por exemplo, a cada quatro adegas, lá aparece uma onde podemos provar um copo até ao fim, sem fazer caretas encardidas e, mais importante, sem batota. E a batota aqui é apanhar o anfitrião distraído para podermos despejar dois terços do que nos serviram, no vaso mais próximo. Abençoadas senhoras que não descuram a ornamentação floral, mesmo dos espaços mais bafientos. São ajuda preciosa. Se entrarem numa adega e os catos lá no canto não tiverem picos e apresentarem cor acastanhada, declinem (sempre com elegância) a pinga que é oferecida de boa vontade. Caso não consigam, paciência, que a vida é feita (também) destes sacrifícios. Mas dizia eu que se bebe bom vinho em Gondelim e é verdade. Testemunhei isso mesmo num estudo que lá fiz há uns anos (por altura dos Reis), onde concluí que são as adegas mais afastadas do rio onde o vinho é mais encorpado. Mas é teoria que carece de confirmação. Haja pretexto. Continuando com as exceções ao mau vinho que se faz por esse concelho fora, destaco algumas aldeias da freguesia de Carvalho, sobretudo nas vinhas que crescem em encostas mais soalheiras. Há relatos de haver por ali vinhos com dignidade para acompanhar a nossa chanfana (essa sim, imbatível). Aliás, não sei se é no Caselho se no Carvalho Velho (esta memória já não é o que era) que penduram presuntos sobre as pipas para aromatizar o vinho. Já estive numa delas e o dono não deu qualquer passo no sentido de querer dar-lhes outro uso. Ou então sonhei com isso, o que é mais provável. Já no Alto Concelho, só no Lavradio e no Lufreu é que o vinho servido é aceitável. Tudo por causa do processo de fermentação original que alguns produtores utilizam e que foi trazido por um trabalhador do leste da Europa que ali veio parar há umas décadas. Eles (povos do leste europeu) colocam as uvas nuns potes (bem isolados) de barro e enterram-nos durante uns meses para fermentar. Alguns não chegam a ser recuperados, por esquecimento do local onde foram a enterrar. Ou então também sonhei com isso, o que é mais provável. Virando para oeste, destaco mais duas (ou três, vá) exceções. Palmazes, Cácemes e Galhano, onde a criteriosa seleção das uvas é levada ao extremo de apenas aproveitarem dois a três bagos por cacho (a média do ano passado foi 2,4). O restante vai para a Bairrada para fazer frisantes de terceira categoria. Mas compensa. Por ano, produzem-se ali na freguesia de Sazes (ao todo) quatro ou cinco garrafas de excelente qualidade. Ou então sonhei com isso, o que é mais provável. E é isto, tirando estas exceções (e mais algumas que se manifestarão nos comentários), em Penacova o vinho é de qualidade suspeitosa. Não falta gente bem intencionada, bem sei. Mas como só ouvem o educado e cortês “grande pomada, está muito bom, sim senhor”, lá vão replicando, orgulhosamente, o erro. Ano após ano.
José António Duarte