O martelo do relógio sabe sempre ao que vem e como vem e por isso, repete-se sobre ele mesmo sem um rasgo de novidade e portanto, de manhã, lá aparece ele sem resmungar e numa competência de contabilista certificado, desperta os seres que durante a noite se colocam no meu quarto, parasitas, usando o silêncio da noite como cobertor, vigiando-me o sono estendido na cama, comigo a arrastar com um pesar de velório a abertura dos olhos em resposta ao grito do despertador e lá fora, mais do mesmo, mais um dia passado a fotocópia
– Ainda me lembro do “stencil”, esse rudimento da multiplicidade
de tantos outros, tornados piores por este novembro infinito, alternando ou um céu cinzento e liso, emprestando um escuro monótono à pouca luz dos dias, umas vezes com vento, outras sem ele; ou então aquele céu azul frio, varrido pelo vento suão que corre desde Espanha de onde nem bom vento nem bom casam… mas o que interessam estas frases feitas, algumas gastas pelo uso e nem um óleo, nem um creme, nada, vão engelhando, vão secando, a esteticista a agitar uns frasquinhos asseverando massagem enquanto abre a caixa registadora e atende um telefonema de cabeça de lado, afirmando agendas e desacertando uma caligrafia escolar
– Nem uma plástica
mas o que eu gostava mesmo era de ir para um pinhal, apanhar míscaros
– Os pinheiros morreram, parece que um novembro os levou todos
para fazer um arroz e não ter de ir para o mesmo trabalho de há mais de 20 anos
– Uns dias perco-lhes a conta, noutros afirmo que já são 37 e a reforma aquase ali
a ter de aturar as mesmas caras, a chefia que parece uma tira de carne entremeada porque sobrepõe camadas, ora o courato, ora a gordura, ora a febra e não poucas vezes o osso, tornando-a dura de cortar à faca, a secretária
– O móvel, não aquela sujeita com pernas até ao pescoço e encavalitada em saltos altos
a precisar de outra, enquanto tenho de dobrar um papel usado para colocar por baixo de uma das quatro pernas porque a mulher da limpeza embirra com aquilo e todos os dias, entre a vassoura e esfregona do fim de tarde, descalça-ma obrigando-me a calçá-la numa certeza de prumo, todos os dias pela manhã, dobrando-me já com alguns ais por via da ciática que se revela com a humidade ou com a secura do vento enquanto as demais colegas me vigiam do alto dos seus olhos postos de lado, bichanado entre si o volume do meu rabo ou o meu método de resolução de problemas adaptado à ergonomia que me arranje um pouco de paz, enquanto Munari dá duas (re)voltas na tumba a rebentar de design, como se a morte se compadecesse com esses salamaleques e folclores conceptuais e por consequência eu consiga evitar os balanços da secretária
– O móvel, porque a outra, balança só para onde lhe dá mais jeito
e tudo isto porque é novembro e lá fora, pela janela, juro conseguir ver as árvores a fabricar o vento entre si enquanto para oeste as nuvens se reúnem num congresso de névoas e em terra, a sirene dos bombeiros ao fundo da vila anuncia a saída de uma ambulância em urgência e quem sabe se um morto, se dois, novembro é o mês dos mortos
– Já ouvia a minha avó a dizer isto
e os corvos a passarem por cima dos povoados era mau sinal, que alguém estaria pronto para rumar ao paraíso dos mármores, os bruxedos nas encruzilhadas
– Não lhes toques que se viram contra ti
patas de coelho, velas negras, um copo com azeite, uma galinha morta numa míngua de penas e as árvores à volta, inclinando-se em vénias repetidas, ataviando o medo, mas certo certinho é que tenho de apanhar o autocarro para o trabalho, o condutor a olhar-me de alto a baixo, alvitrando-me as medidas, não sei se viúvo ou sei lá o quê que pretende ver em mim, enquanto me agarro ao casaco, ajeito a bolsa, espeto os olhos no chão e passo a sonhar durante oito ou nove horas por uma posta de pescada cozida regada com um fio de azeite, um ovo cozido, umas couves
– As batatas fazem sono
umas castanhas e um copo de jeropiga do ano passado que a vizinha me arranjou por forma a aliviar-me da viuvez que me bateu à porta, no novembro de há dois anos e se me sobrar tempo, no fim de semana irei ao cemitério colocar umas flores e duas velas sobre a campa do meu marido e aproveito para catar as ervas à volta dos mármores e evitar-lhe assim uns quantos espirros por causa das alergias.
António Luís
Texto sem interesse e ainda por cima dificil para ler.
Devia escrever coisas que interessem ás pessoas sobretudo num meio rural como Penacova.