Hoje da Serra correm umas palavras duras.
Há já algum tempo fui parar a Proença, por lá conheci gente interessante e palavra puxa palavra a Galhanas, uma alentejana pequenita mas de cabeça grande, diz-me, assim num tom que não admitia replica, “tens de ler As Benevolentes”. Sabendo do teor fiquei com o pé atras, mas… um dia fui-me ao dito. Entretanto perdi o norte ao livro e à sinopse que hoje vos deixo e que só recuperei porque em Proença existe um Sr. Luis, uma figura discreta mas que com um teclado faz magia. Hoje deixo estas palavras com um agradecimento especial à Galhanas e ao Sr. Luís pelas dádivas.
Jonathan Littell
As Benevolentes
Não me arrependo de nada: fiz o meu trabalho, e foi tudo;”
“O que fiz, fi-lo com pleno conhecimento de causa, pensando que se tratava do meu dever e que era necessário fazê-lo, por desagradável e infeliz que fosse.”
Sinopse
Nesta obra são-nos apresentadas as memórias de um oficial nazi, ele fala-nos do que foram os horrores da guerra, primeiro em relação aos judeus, ciganos e outras minorias (doentes incuráveis, deficientes…) depois em relação ao inferno interior do narrador e por ultimo em relação ao povo alemão quando os aliados começam a ganhar terreno.
Mais do que resumir o livro gostava de aqui deixar as minhas impressões. Só muito recentemente me decidi a ler coisas que de alguma forma abordam o holocausto e tenho descoberto coisas bem piores do que imaginava. Mas enfim isso será assunto para outros escritos…
Logo no início do livro o narrador separa as águas muito bem em relação aos seus possíveis leitores, sendo até agressivo e grosseiro na forma como se nos dirige. Ficamos assim a saber que tudo o que fez, em termos de guerra, não afetou a sua consciência, porque embora não concordando com as medidas era um mero executor, norteado por uma filosofia e uma ideologia de partido muito fortes e claras. Rapidamente nos esclarece que nas suas atitudes enquanto militar não colocou a menor paixão, nem qualquer tipo de sentimento pessoal, agiu em conformidade com o que considerou ser o seu dever. Esta é a primeira das características positivas da personagem – uma noção de dever acima de qualquer outra coisa. Relata com exaustão a recolha e abate dos judeus, bem como os horrores que passaram nos campos. É impossível não ficar a conhecer os cheiros dos campos e dos crematórios, ficamos com uma ideia muito precisa do cheiro da morte e do da agonia.
Paralelamente à história da guerra somos confrontados com outra história, o horror interior da personagem, todos os sofrimentos que viveu desde a infância: o abandono, nunca aceite, pelo pai, o casamento da mãe com um francês e o incesto com a irmã gémea que foi descoberto e levou a que os dois fossem colocados em colégios internos. Ficamos ainda a saber que permitiu ser sodomizado por um colega mais velho precisamente para evitar grandes aborrecimentos, se consentisse ficava a ser protegido pelo outro e isso minimizava o seu sofrimento. Com o tempo passou a gostar, até porque essas eram as práticas que costumava levar a cabo com a irmã, por uma questão de proteção da própria. Sente em relação à irmã o desejo de se lhe manter fiel, e tal como ela, que considerava que as práticas lúbricas que tinham eram “permitidas”, a personagem considera que enquanto não estiver com nenhuma mulher está a ser completamente fiel ao grande amor da sua vida. Esta história é transversal a toda a obra mas floresce no meio, isto é entre o domínio alemão e o início do declínio.
A derrocada alemã é descrita e explicada com base na corrupção, falta de ideais, incompetência dos ocupantes dos cargos de poder, desnorte dos decisores, excesso de burocracia, frequentemente por oposição ao bolchevismo.
Durante toda a obra o leitor questiona-se como foi que o narrador conseguiu escapar, e só na última página se consegue saber, porque sem dúvida o final é surpreende.
Pessoalmente estou confusa, o conteúdo deste livro é terrível e o narrador enquanto executante ou mandante de atos terríveis deveria ser alguém abominável, mas por muito que me sinta mal não consigo sentir nada disso em relação à personagem, sofro de uma absoluta e terrível empatia com ela….
Boa semana com livros!!!