Luís Pais Amante
Um dia destes estive a ver e a ouvir uma entrevista que o Professor Marcelo deu a uma
jornalista da TVI, ou da CNN Portugal(?).
Em viagem, com meios instalados dentro da viatura; original, mas hipoteticamente em
delicada posição face ao Código da Estrada…
Devo dizer que fui aluno do Senhor Professor quando ele “ajudava” Soares Martinez numa
cadeira do primeiro ano de Direito, na Faculdade de Direito de Lisboa, em parceria com Braga de Macedo que, entretanto, passou a ir para as aulas em camuflado, após a Revolução!
Ou seja,
Eu já conheço o nosso Presidente da República desde o tempo anterior ao 25 de Abril, que é como quem diz, do tempo em que o seu padrinho (Marcelo Caetano) era Primeiro Ministro de um País triste, colonial, sem liberdades, com esmagamento total e absoluto de todos quantos estivessem contra o perfil da “entourage” na qual se inseriam muitas famílias que tinham as benesses respectivas como retorno.
Uma coisa é o Professor de antes do 25 de Abril; outra é o Professor de depois do 25 de Abril, não esqueçamos esse pequeno pormaior…porque, nessa altura, nós estudantes de Direito éramos colocados no anfiteatro por estirpes sociológicas e eu não me recordo que o jovem docente algum dia tenha desfeito a arrumação feita pelo seu chefe, logo na primeira aula de Economia Política, nem me recordo de alguma posição contra a ocupação da Faculdade pelos gorilas”.
Regressemos à entrevista.
É óbvio que estamos a falar de uma Pessoa com muito valor, cujo poder de adaptação acabará por servir razoavelmente bem o nosso País nas funções que tem!
Mas o mesmo também se aplicaria se estivesse no País que tínhamos, antes, inexoravelmente.
Marcelo Rebelo de Sousa construiu a sua imagem, teve muita (mas muita) gente a ajudá-lo
(uns que tratou bem, outros que tratou muito mal) e é um político hábil, fino, bem preparado, cujo tique de personalidade tende a traçar, por vezes impondo, o seu destino, com mais ou menos banhos nas praias deste mundo desconstruído, poluído, corrompido.
Sua Excelência gostava que tivéssemos um País presidencialista.
Desde que o seu delfim chegou ao poder (à custa de jogadas e de atropelos diversos de muito má memória) o Senhor Professor tem vindo a exercer a sua magistratura, com notória influência nas artes de governar: não governou por ter ganho eleições, mas governa agora, dando orientações, sugestões, até elogiando e contrariando ao mesmo tempo, se for preciso!
Na minha modesta opinião, efectivamente, o Senhor Professor manda mesmo na política do
nosso País e faz disso garbo nos media que ocupa à exaustão.
E dá-se ao luxo de, em entrevista para correr o mundo, chamar “mata borrão” ao António… O Primeiro Ministro fica contente, sorri, esquecendo-se que quem lhe ofereceu o epíteto
arrogou para si próprio o de “tinteiro”, que à luz da educação esmerada do PR, iluminada,
significa quem teve acesso e armazenou a sabedoria, quem comeu muitos scones, quem
abastece a caneta que alimenta o mata borrão, quem dá força à escrita ou à descrita e, em
última análise, quem determina a história!
!…Como se passa de facto, com a gestão política das trapalhadas que já começam a assustar, que vão das asneiras gritantes de Ministros protegidos às reprimendas públicas a outro (sucessor do delfim com grande probabilidade) que não aprendeu a bajular e, bem ou mal, realiza; faz acontecer…!
Ou estamos esquecidos das promessas feitas em Pedrogão sobre a organização do Estado e sobre o pagamento dos estragos provocados pela incúria; de outras tantas em Monchique, das Jornadas da Juventude sem orçamento num País quase a morrer à fome; do colapso gritante do SNS; da borla a um jornalista de renome sem Cresap; do puxão de orelhas ameaçador à Cap, da descentralização sem tostão para os Municípios ou do esquecimento comunicacional sobre a questão do Aeroporto que anda desde o antes do 25 de Abril – tempo da outra senhora – para se dar à luz (desde 1969, com a criação do GNAL pelo sobrinho do Marcelo padrinho, nomeado pelo tio, o Ministro das Obras Públicas, Eng. Rui Alves da Silva Santos)?
Convém não estarmos.
Luís Pais Amante
Luís, não conheço as questões políticas portuguesas mas o seu texto é magnífico!!!! Que talento sobrando!!!! Impressionante.
Tenho absoluta certeza que novos e grandes projetos continuarão com suas palavras.
É real, Amigo Dr. Luis, nós que estamos longe temos a sensação de que não existe governo, só Presidente.
Texto muito assertivo, desta vez com tempero de história, com que nos presenteia o Dr. Luís Amante. Lembrar ainda que o Presidente de um país é o equivalente ao representante dos accionistas de uma empresa e o Primeiro Ministro é o seu principal gestor. Perguntas: se este país fosse uma empresa privada, como qualificariam as ações destas duas figuras descritas pelo Dr. Luís Amante? Investiam o vosso dinheiro neles? Investiam o vosso voto?
Vivemos uma fase difícil e pouco animadora para o País. Além da necessidade de recuperar da crise pós-Covid, outras complicações nos atingem, desde a inflação galopante às vagas de incêndios que tudo destroem e á seca generalizada. E, no meio disto, falhas na governação e desacertos no seio do governo.
Pois, a coisa está complicada e o descontentamento é generalizado. Com o descontentamento vem a irritação e aqui temos tudo o que o País não precisa, pois com a irritação começamos a perder o discernimento. Ora não podemos deixar que isso aconteça, porque precisamos de toda a nossa lucidez para ultrapassar as graves dificuldades que o País enfrenta e vai continuar a enfrentar.
Nunca votei em Marcelo Rebelo de Sousa, mas também eu conheço o actual P.R. desde os bancos da Faculdade de Direito de Lisboa. Temos a mesma idade (eu sou uns meses mais velho, respeitinho…) e fomos contemporâneos, mas a nossa convivência, esporádica, ficou-se por aí. E o Braga de Macedo, conheci-o, e de certo modo privámos, ainda eramos finalistas do curso liceal de então, a caminho do curso de Direito.
Por mim, acabei por entender ir para a guerra, interrompendo o curso. Entretanto, aconteceu o 25 de Abril. todos fomos fazendo as nossas opções político-partidárias, nem sempre coincidentes… E a vida é o que é.
Mas embora nunca tenha votado no actual P.R., não posso deixar de lhe dar o devido valor. Tenho-o como uma pessoa culta, sensível, politicamente bem preparada, que me habituei a apreciar como jornalista, comentador e analista político, e também como interveniente político-partidário. Cometeu alguns exageros? Sim, cometeu. E, sim, porventura algumas fases do seu percurso terão sido percorridas “às costas” de alguém.
O seu estilo de relacionamento pessoal, descontraído, por vezes desconcertante, contrasta singularmente com o estilo hierático, tenso, carrancudo e algo distante do seu antecessor no cargo e convenhamos que o País precisava, e precisa, disso. Poder-se-á dizer que, por vezes, roça o popularucho, mas, a meu ver, ele tem sabido não ultrapassar a fronteira. Sinceramente, não se me afigura que tenha tentações presidencialistas, e embora popular, a verdade é que não entra em posturas populistas.
Porém, a sua área política nunca lhe perdoou (nem perdoará…) que ele sempre tenha apoiado António Costa e os seus governos; mas, dissecar esses arrufos, tomaria aqui muito espaço, sendo certo que se me afigura que ele, globalmente, até tem razão.
Com António Costa, tenho várias sintonias, claro: o curso e a filiação partidária com algumas causas comuns e o inerente relacionamento pessoal.
Posto isto, estou em crer que Marcelo R. Sousa e António Costa serão os políticos mais bem preparados que estão no activo, em Portugal. São duas personalidades diferentes, com ideários diferentes e com formas de actuar diferentes, mas que têm procurado a sintonia possível, no interesse do País. E ainda bem!
Claro que, no meio disto, tem havido muitas picardias mútuas, desde o “irritante optimista” a algumas omissões de informação, cirúrgicas, da outra parte.
E, agora, temos o “tinteiro” e o “mata borrão”, para mais integrado numa entrevista “on the road” na qual toda a gente se sente no direito de zuzir. Por mim, de facto, também não sei que raio de ideia foi esta, mas, daqui a fazer o alarido que se está a fazer… É a irritação a fazer-nos perder o discernimento, conforme disse no início.
Por isso, sinceramente, não estou particularmente preocupado com a “tinta” e a caneta que com ela escreve. Até porque se a escrita saír com “tinta” a mais, sempre lá estará o “mata borrão” para absorver tais execessos…
Estou preocupado, sim, com a postura que nós todos, portugueses, nos vamos propor assumir nos tempos mais próximos. Tempos difíceis e desafiantes, que pedem uma atitude coesa e responsável. Da nossa parte, cidadãos, e da parte deles, governantes.
Enfim, salvo o devido respeito, esta coisa do “tinteiro” e do “mata borrão” nada mais é do que um não assunto, próprio da “silly season”.
Para terminar permito-me recorrer a Alexandre Herculano que, no final da Introdução de “O Monge de Cister”, deixou escrito o seguinte, que é particularmente actual:
“Dos políticos e de nós se condoa o Senhor; porque tanto nós como eles, disso havemos mister.”