Luís Pais Amante
Acordemos reparados por um sono bom
Espreguicemos o corpo; espevitemos a mente
Calcemos os chinelos de pano velho contente
E tomemos café feito ao lume, na cafeteira
Com leite acabado de ordenhar, da cabra
Que também dormiu bem, lá em baixo, na quintã
E acompanhemos tudo isso com torradas
Adornadas na fileira da trempe, junto às brasas
Barradas com manteiga dormente
Cujo cheiro aveludado percorre a casa de telha vã
No circuito feito com elas pela Mãe
Antes de se dedicar ao campo, no raiar da manhã
Depois interiorizemos o dia que aí vem:
Temos mesmo de ir pra Escola
Está fora de causa faltar
Ou de deixar
!… De ver as nossas coleguinhas, moçoilas singelas, beirãs
De cores belas e corpos quase esculpidos a cinzel, fugindo de nós …!
De tomar o óleo de fígado de bacalhau
De comer a sopa de feijão
E a fatia do queijo do Padre
– Que diacho, onde é que está a Sacola?
Raios partam o gato Pitucho que a rói como se gostasse de sola
E a arrasta para locais improváveis e rebola
As calças azuis gastas, gastas estão prontas
A camisa de flanela aos quadrados, também
As meias cheias de cerzido, igualmente
O casaco de lã; o carapuço de fã à espera pra ir
– E as botas pesadas e com a língua a espreitar para fora?
Tudo encontrado na cadeira e sem alternativa de escolha
A vestimenta de ontem está a secar à beira da lareira
E a domingueira escondida na arca dianteira
Vamos jogar à bola contra a Ponte, hoje
Ontem foi contra a Cheira e perdemos
Graças ao ricochete da bola na Oliveira meã
A manhãzinha já está a clarear
O sol ainda escondido nas nuvens a ronronar
As queimadas já acesas a fumegar
E a vida a querer ser normal, sem parar
Neste solo bom que nunca se sente mal
E pronto! … corremos para aprender
O nosso tudo ou nada é mesmo estudar, para saber e conhecer
… quiçá para um dia poder pensar em sair de cá e voltar, a sorrir!
Luís Pais Amante
Casa Azul
Sonhando com os tempos que ainda me prendem e surpreendem.
É bom recordar, sentir aquela pontinha de saudade, sabendo que foram todos esses ensinamentos – da Família, das pessoas que nos rodeavam, dos amigos e companheiros, do tempo – que nos tornaram no que somos.
Grato pela partilha… Abraço.
Que lindo!!! Que privilégio sair e voltar, quando tantos não voltam ou não podem voltar.
Que bom sentir no presente e em paz o cheiro saudoso de um passado colorido que emociona, que alegra, que ensina e inspira gratidão.
Obrigado Luís por proporcionar essa maravilhosa experiência.
Neste poema o Dr. Luís mostra uma sensibilidade enorme quando escreve tão descontraído sobre tempos e vidas difíceis.
Pela minha parte, muito obrigado.
Obrigada. Transporta- nos para um tempo de infância tranquila. Memórias que nos nutrem durante toda a vida.
Com o amanhecer nasce um novo dia e a incerteza do que há de acontecer e ocorrer. Quando miúdos vivemos o presente, muitas vezes sem pensar o amanhã é o dilema da vida.