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Mário Frota

O Governo gere a actual situação como se a Europa não estivesse em guerra
e o mercado funcionasse regularmente, em termos ideais, em concorrência
perfeita.

Já aquando da eclosão da pandemia, o Governo reagiu tarde e a más horas a
fim de sustar o açambarcamento e a especulação que se registavam em
extensão e profundidade em todas as fileiras do mercado.

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Os produtos atingiram preços excessivos, mormente no segmento dos de
higiene e saúde (álcool gel, produtos gelificantes, instrumentos outros) e dos
equipamentos de protecção individual.

Importa não ignorar que um oxímetro, instrumento de medida do oxigénio no
sangue, cujo preço antes orçava os 4, 50 €, passou a custar 70, 80, 90 €.
Em Coimbra e alhures, as farmácias vendiam-nos, segundo registos em nosso
poder, a 77,70 €, corria o ano de 2021.

Os preços dos géneros alimentícios atingem hoje montantes incomportáveis.
E os valores que aparecem à luz do dia nos media, fornecidos por uma
empresa que se diz operar no mercado de consumo, nem sempre se têm por
fidedignos… Mas o Governo permanece mudo e quedo à subida em espiral
dos preços sem que se abalance a pronunciar-se, em gesto sumamente
reprovável.

O Governo não pode ignorar a escalada de preços que se regista desde que há
já cerca de um ano a guerra eclodiu na Ucrânia.

Em vez de se propor cobrar das grandes insígnias da distribuição alimentar os
tais lucros caídos dos céus, o Governo deveria, em nosso entender, como
temos vindo a sustentar:

  1. Definir um cabaz de produtos essenciais tendo em vista um padrão
    médio de subsistência de todos e cada um;
  2. Estabelecer um regime de preços máximos, nos comércios grossista
    e retalhista, tal como fez para os produtos de higiene, saúde e
    equipamentos de protecção individual (15% + 15% do preço base), restrito
    aos géneros constantes do cabaz essencial;
  3. Deixar cair o propósito de taxar os lucros excessivos por inutilidade
    superveniente;
  4. A situação manter-se-ia enquanto a guerra durasse e se registassem
    perturbações na grande distribuição .

Não se ignore que o Estado beneficia, a um duplo título, da situação ocorrente,
ou seja, dela tira proveito a dobrar, como a ninguém parece escapar: os
impostos que cobra sobre os produtos cada vez mais caros e os que passará
de forma extraordinária a cobrar, a título de “lucros excessivos”, mediante
fórmula que aprovou num dos últimos Conselho de Ministros. E em que
considerou não só os lucros emergentes da electricidade como dos
combustíveis, como ainda os arrecadados pelas mega-empresas da fileira
alimentar.

É deplorável o que se está a passar. E o facto revela quão distante está o
Governo de uma política que minore os efeitos gravosos de uma situação
irremediável que carece de medidas de fundo e atinge inapelavelmente os
consumidores. No actual estado de coisas, o Governo parece “assobiar para o
lado”. E o Presidente, de declaração em declaração, parece incentivar a que se
avolume o aprovisionamento dos depósitos do Banco Alimentar Contra a
Fome… à custa de quantos se vêem já com “a borda debaixo de água”, como
se a solidariedade entre pobres fosse a solução quando o Estado enche os
cofres em razão do sucessivo agravamento dos preços no consumidor.

A Espanha eliminou o IVA de alguns dos produtos essenciais como forma
de minorar os efeitos catastróficos das subidas de preços.

Em Portugal, tal nunca daria resultado, como se viu, aliás, com a redução
no IVA na restauração, em que os preços, em vez de baixarem, subiram…
nestas contradições em que são hábeis determinadas castas de empresários
no espaço degradado que habitamos.

E constitui crime de lesa-consumidores o permitir-se que os preços, em
situação de crise manifesta, como é a que segue seu curso, subam
vertiginosamente quando se não aplica, para situações excepcionais,
qualquer medida de contenção, como as que preconizamos e o Governo
tem à mão, mas teimosamente não adopta.
Aliás, o Estado tira duplamente vantagem da situação: arrecada mais
receitas de impostos sobre os produtos essenciais ante a escalada que
se regista e prepara-se para lançar um imposto extraordinário sobre os
tais lucros “caídos do céu”, como a água em abundância que daí vem
jorrando depois da seca extrema por que passaram determinadas regiões
do país.

Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal

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