Publicidade

Marília Alves

 

Publicidade

 

 

 

Segundo a Constituição da República, Portugal é um país laico. Logo à partida, é ilegal pagar seja o que for por motivos religiosos. O argumento de que é um país maioritariamente católico – e eu sou católica – para mim não colhe: o Estado é laico, há milhões de agnósticos e de ateus, bem como outras minorias ou crenças religiosas que merecem todo o nosso respeito. Todos eles contribuintes. E se o Estado gasta uma quantia com uma Igreja, por uma questão de igualdade e equidade, também deverá gastar com as outras, e em igual medida.

A Jornada Mundial da Juventude de Madrid 2011, aconteceu sem dinheiro dos contribuintes. Custou 50 milhões, 70 por cento dos quais suportado pelos peregrinos e os restantes 30 por cento foram doações feitas por empresas, a maior parte dos patrocinadores integrava a fundação Madrid Vivo. Isto porque os espanhóis levam a sério o cumprimento estrito da Constituição e da Lei, daí não utilizarem o dinheiro dos contribuintes para esses efeitos. E não é, seguramente, por esse país ser mais pobre do que o nosso.

Lisboa é a cidade escolhida para a Jornada Mundial da Juventude 2023, que irá decorrer de 1 a 6 de agosto. Tinha sido apresentada candidatura e sabia-se – desde 2019 – que era a cidade escolhida para esse evento religioso. Contudo, esperou-se, até agora, para avançar com as infraestruturas. Estaria o ajuste directo no horizonte? Ou foi simplesmente o hábito português de deixar para mais tarde o planeamento? Ou talvez uma conjugação das duas.  Para já não falar das derrapagens orçamentais que se prevêem e conforme é habitual no gasto público. Por outro lado, existiam no país infraestruturas eficientes e capazes para que o evento se realizasse sem gastar muitos tostões – o Santuário de Fátima ou Aeroporto de Beja.

O que é certo é que a notícia caiu como uma bomba, num país empobrecido fala-se num “investimento” no Parque Tejo de 35 milhões de euros, incluindo o famoso altar-palco onde o Papa Francisco irá celebrar a missa e que ficará pela módica quantia de 6 milhões. A leviandade com que se fala nestes valores, ao mesmo tempo que se nota o desinvestimento em tantos outros sectores, é pornográfica.

Num país que recebe, há dezenas de anos, dinheiro da União Europeia e continua no carro vassoura, enquanto aqueles que recebem, há meia dúzia de anos, já estão a léguas à nossa frente. Em que os problemas se agravaram (como habitação e sem abrigo) e comunica-se a construção de um palco assim, sem se saber se havia melhor opção. Mas quanto maior a transacção maior a comissão.

Eu sei o retorno que estes eventos geram, mas, em boa verdade, não é palpável para a maioria dos portugueses. De que modo é que outros eventos foram efetivamente rentáveis? O Europeu de Futebol gerou elefantes brancos por esse país fora e que tiveram um custo de milhares de milhões. Dinheiro gasto em fantasias provincianas em que empresários e políticos encheram os bolsos. O único que ficou mais pobre foi o contribuinte. E ainda sobre o “muito lucro”, a maior parte da rapaziada que participa, vem de mochila às costas, não terá capacidade financeira para gerar os dividendos que nos querem convencer.

A exibição verificada com a Jornada Mundial da Juventude não se enquadra nos princípios da Santa Igreja. A ostentação desmedida, o esquecer completamente que o dinheiro despendido permitia matar a fome e apoiar pessoas em dificuldades, bem como o fausto que quem está a organizar o evento preconiza não fazem parte da cartilha da doutrina cristã. Assim sendo, descartam de uma só penada todos os princípios que dizem professar. O singelo altar que Elias do Velho Testamento reconstruiu, agradou, certamente, mais ao Senhor Deus.

Publicidade

Artigo anteriorVaticano remete responsabilidades da construção e custo do polémico altar-palco para a autarquia de Lisboa
Próximo artigoMunicípio de Penacova faz balanço das atividades organizadas em resposta às necessidades dos alunos do 1º Ciclo do Ensino Básico

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui