Sofia Duarte Coimbra faz parte de um grupo de investigadores portugueses que descobriram uma bactéria que ajuda a saborear o vinho – e isto pode alterar o modo como se fazem as provas

Quem achar que o sabor do vinho depende apenas das papilas gustativas dos provadores pode ter de refazer as ideias. Estudo da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto aponta caminho para uma reformulação nos procedimentos da prova de vinhos
Hugo Séneca – Jornalista do Expresso
Há três anos a curiosidade sobre o que passa na boca de um provador de vinho ainda estava bem fresca, mas quando os primeiros voluntários se disponibilizaram para a recolha de amostras, os investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) logo depararam com um imprevisto: “Descobrimos que as pessoas não queriam abrir a boca porque estávamos em pandemia. Tivemos de desenhar um protocolo para a recolha de amostras sem afastar a máscara”, recorda o professor Albano Beja Pereira. O esforço compensou: no final do ano de 2020 a investigação de mestrado de Sofia Duarte Coimbra permitiu descobrir uma bactéria que pode justificar uma revisão dos métodos de prova de vinhos, ao mesmo tempo que se identificaram outros efeitos que dão que pensar: “Depois de uma prova de espumante, a boca do provador torna-se um deserto”, informa Beja Pereira.
Entre entendidos, já se sabia que a ingestão de um líquido produz um efeito de lavagem por via mecânica, mas no caso do álcool já havia também um fator sobejamente conhecido antes desta investigação: “O álcool tem a fama de matar o que está vivo e conservar o que está morto”, explica Albano Beja Pereira.
Esta fama haveria de encaminhar os investigadores da FCUP para uma tese sobre os efeitos da passagem do vinho pelos ecossistemas de micro-organismos que habitam no dorso da língua, à volta das papilas gustativas. “Quanto maior for a intensidade das provas de vinho, menor é a diversidade de bactérias existentes no dorso da língua”, informa Beja Pereira.
A prazo, a eliminação de bactérias, que compõem a microbiota da língua, tende a produzir efeitos acrescidos nessa diversidade, e por isso, o estudo realizado na Universidade do Porto já admite que um provador de vinhos em fim de carreira possa ter menor diversidade de micro-organismos que alguém que se está a iniciar – ou que só bebe vinho esporadicamente.
“O vinho tem um efeito de lavagem e há um grande número de organismos que desaparecem depois de ingerido”, refere Albano Beja Pereira, que coordenou a investigação com Lucía Pérez Pardal, professora da FCUP.
Os testes levados a cabo com 50 voluntários contemplaram vinhos das zonas demarcadas do Douro, Lisboa e Bairrada, não deixando de ter em conta as variantes de espumantes ou vinhos fortalecidos. E com estas diferentes proveniências e tipologias, os cientistas conseguiram apurar que os efeitos produzidos na microbiota da língua também podem variar consoante o que se bebe. “Os espumantes são muito agressivos”, exemplifica o professor da FCUP.
Beja Pereira recorda que, durante o estudo, alguns provadores de vinhos admitiam ter especial cuidado com a intensidade das provas de espumante, devido aos efeitos produzidos. Nos grandes consumidores de álcool, que podem já estar em situação de dependência, o efeito de limpeza pode ser ainda pior: “Há outros estudos que indicam que há uma relação perniciosa entre o consumo de álcool (excessivo e consecutivo) e desarranjos da proteção oral de pessoas alcoólatras”, recorda o investigador da FCUP.
Mas a maior das novidades ainda está por contar: durante o estudo, os voluntários recolhiam, com zaragatoas, amostras junto às línguas dos voluntários, antes e depois das provas de vinho. Passada uma hora da recolha, as amostras revelavam um grande número de bactérias com a denominação de Actinomyces – e isso pode ser positivo para um provador de vinho, ainda que possa justificar a alteração dos procedimentos convencionados para as provas.

“Percebemos que estas bactérias estão envolvidas no desenvolvimento de reações químicas que estão associadas à criação de aminoácidos. E estes aminoácidos levam a uma maior sensibilização do sabor”, explica Beja Pereira. “Acreditamos que um provador de vinho acaba por ganhar competências porque, ao longo da vida, vai limpando mais vezes os micro-organismos, ao mesmo tempo que aumenta o número de Actinomyces no dorso da língua”, deduz o professor da FCUP.
As provas de vinho costumam começar com uma lavagem de água, mas na FCUP há a convicção de que essa lavagem não produz efeito na microbiota – e também não beneficia obrigatoriamente os resultados da prova. Eventualmente, a prova de vinho poderia passar a começar com… vinho em vez de água. Precisamente, para garantir que, no momento certo, a microbiota da língua já está devidamente populada com Actinomyces que ajudam a realçar sabores.

“Se fosse produtor, preferia que o meu vinho passasse a ser provado no final de cada sessão. Se estas bactérias têm um papel mediador do sabor, então prefiro que o vinho seja provado no fim, quando as Actinomyces já estão mais presentes”, conclui Beja Pereira.
As certezas são menores no que toca aos motivos da proliferação de Actynomices depois da prova do vinho. Os investigadores da FCUP ainda não descartaram a hipótese de as bactérias serem veiculadas pelo vinho, mas acreditam mais na possibilidade de as Actinomyces aproveitarem a eliminação de outras espécies para proliferarem no espaço deixado vazio.
Depois de garantida a publicação de um artigo científico na revista Food Research International, a equipa da FCUP já começou a trabalhar na investigação dos eventuais efeitos de lavagem provocados por sumos, café e outras bebidas não alcoólicas, bem como na perceção de sabores por parte de idosos.
Originalmente publicada na edição do jornal Expresso de 2 de fevereiro de 2023 (acesso exclusivo a assinantes)
Parabéns Sofia!
É assim, com trabalho e resiliência que se constrói a marca “Juventude de Penacova”.
Por vezes longe das asinhas desses dois que estão babados, de certeza.
Não pares.