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Luís Pais Amante

Aqui há tempos ficámos surpreendidos por declarações da ACT sobre a existência de “trabalho escravo” no nosso País; agora surpreendidos, também, por anúncio estrondoso, nas televisões, de ação contra o “trabalho precário” e por nada se resolver sobre o tratamento desumano dos Timorenses e dos Nepaleses e dos Indianos, faltando, ainda falar dos outros emigrantes todos, que já são muito significativos…

ACT significa “Autoridade para as Condições do Trabalho”; foi criada em 2006, no âmbito do PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado), sucedendo ao Instituto para a Segurança Higiene e Saúde no Trabalho e à Inspeção-Geral do Trabalho.

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É um Serviço Central da administração directa do Estado; é o Serviço em que todos os trabalhadores deviam confiar.

Teria por missão a promoção da melhoria das condições de trabalho, através do controlo do cumprimento das normas em matéria laboral, no âmbito das relações de trabalho privadas, bem como a promoção de políticas de prevenção dos riscos profissionais.

E, ainda, o controlo do cumprimento da legislação relativa à segurança e saúde no trabalho, em todos os sectores de actividade e nos serviços e organismos da administração pública central, directa e indirecta, e local, incluindo os institutos públicos, nas modalidades de serviços personalizados ou de fundos públicos.

Questões como (as relativas aos contratos de trabalho, faltas, feriados, trabalho a tempo parcial, trabalho nocturno, horário de trabalho, isenção de horário, trabalho por turnos, trabalho suplementar, fiscalização das disposições legais das condições de trabalho, saúde e higiene no local de trabalho) deviam fazer parte do elenco funcional da Autoridade.

Ainda devia ser responsável na administração da política social e do trabalho.

!… E, se digo “devia”,”teria” é porque, de facto, há muito tempo, quase não se nota que o faça, pelo menos com a relevância e com a frequência exigíveis num País com acentuada matriz de incumpridores e com muita desgraça …!

Com a criação da ACT, “liquidou-se” a IGT – Inspeção-Geral do Trabalho.

E ninguém da política se pode esconder, verdadeiramente, desse golpe baixo: partidos da direita, partidos do centro, partidos da esquerda, etc, etc, etc.

Estamos fartos de saber que votar Leis é uma coisa real e objectiva, com consequências; ao mesmo tempo que propor e votar Projectos de Resoluções não é coisa nenhuma, não vincula nada nem ninguém; é uma perda de tempo!

A IGT tinha uma cultura de abertura a trabalhadores e seus representantes, a empregadores e seus representantes … e tinha as portas abertas e um rosto: os Inspectores do Trabalho!

Tive o privilégio de conhecer e trabalhar, ao longo de muito tempo, com uma imensidão de mulheres e homens que se dedicaram a esta causa do rigor na aplicação da Lei Laboral, independentemente de se saber do poder e da força dos prevaricadores. Eram Inspectores sem medo!

Eram mulheres e homens abertos à discussão; alertados para a diferenciação da opinião e da interpretação; bem formados; competentes … respeitados, conciliadores no bom sentido do termo, como ainda hoje encontramos, por exemplo, na DGERT.

Respeitados, sim, por Trabalhadores, Sindicatos, Associações Patronais e, mais importante do que tudo, pelo Povo anónimo, carente de proteção.

Muitos deles (ainda vivos) da IGT de Coimbra, Sintra, Lisboa, Almada, Setúbal e Santarém (com os quais lidei mais de perto) alguns ex-Colegas de Liceu e da Faculdade, envergonham-se do que se passa hoje com este vício da “actividade inspectiva pela internet”, que é uma actividade que brada os céus e só é mesmo compreendido por uma ministra que não sabe bem porque é que foi parar àquele ministério.

Aqui chegados, convém relembrar:

– Que a ACT foi criada dando satisfação aos grupos de pressão que se constituem desde o 25 de Abril junto dos Governos (todos) e, especialmente, junto da Assembleia da República, grupos esses que dão corpo aos anseios dos clientes das chamados “grandes fábricas da advocacia”, escritórios especializados na desregulação da legislação laboral, cujo crescimento das suas áreas laborais evoluíram a partir daí, quantas vezes dirigidas por meros incompetente, sem passado, mas muito habilidosos, a quem a palavra “trabalhador” até cria urticária, agora falados por causa das tropelias da TAP;

– Que estes tais têm estado ligados, sucessivamente -é o termo- às mais altas figuras do Estado ou a outras forças que proliferam na nossa Sociedade;

– Que a ACT, hoje, se constitui num serviço de quase mera estatística, virado para a satisfação de compromissos internacionais, mas desligada da realidade empresarial;

– Que se tem mostrado grande a lidar com os pequenos, mas muito pequena a lidar com os tais grandes.

É uma das tais Autoridades que só servem para fazer de conta que alguém independente(?) está a zelar por nós.

E, se assim não fôr, digam-me lá porque é que a higiene e segurança das instalações do Estado (até dos Tribunais, da própria ACT) são o que são?

Como é que não se inspeccionam imediatamente os usos e abusos do assédio moral, que está transformado numa chaga social galopante?

Como é que há “camaratas” e refeitórios nas Forças de Segurança e nas Forças Armadas como as que existem (podres, cheias de bicharada, sem nenhum tipo de conforto)?

E como se admitem as insalubridades das fábricas, dos transportes, dos restaurantes e das prisões?

E, já agora, como é que surgem -e proliferam- as “Odemira”, as “Mouraria” e as “selva urbana que alberga emigrantes” referida pela Amnistia Internacional? 

E como é que se pode admitir a existência do tal “trabalho escravo”?

Dando um pouco a volta ao texto, também se questiona a oportunidade da criação da ACT, ligada, inexoravelmente, à liquidação da IGT.

Terá sido porque era justamente ali, num Serviço que cumpria a sua Missão, que era urgente começar “a reestruturação do Estado”?

Ou porque era justamente ali que os poderosos (banca gananciosa, seguros, multinacionais sem escrúpulos, principalmente do ramo alimentar e das telecomunicações, grandes construtoras) queriam que os seus anseios de mão de obra barata e sem direitos se transformassem em urgências;

Não esqueçamos que estávamos em 2006; tinha entrado em vigor o Código do Trabalho (que teve o grande mérito de concentrar num único diploma a legislação dispersa, por vezes contraditória) e nada melhor para o pôr em causa do que criar, artificiosamente, o seu bloqueamento quase absoluto, logo à nascença.

Tal como aconteceu, a pontos de nunca mais a dita ACT ter acertado o passo, como se costuma dizer e ninguém conhecer, hoje, os seus Inspectores; serão figuras importantes, com certeza, mas nas redes sociais …

!… Como já não existem pedidos de autorização, nem pareceres prévios à entrada em vigor de quase nada da relação de trabalho, o Estado lava daí as mãos como Pilatos e ninguém vê as comunicações obrigatórias (que são aos milhares de milhões, mensalmente) e que, por consequência, ninguém controla …!

Certo é que:

a). É vergonhoso -não me canso de o manifestar- o que se passa no chamado mundo laboral, que se está a transformar num pesadelo colectivo, que vamos pagar muito caro, especialmente a nossa juventude que já se pode considerar das mais mal tratadas da Europa;

b). É quase impossível arranjar motivação para fazer intervir a ACT, sendo inviável o contacto fora da net com os seus operacionais, que já nem as empresas das suas circunscrições conhecem;

c). O que tudo nos transforma num País terceiromundista em termos de proliferação dos exploradores, dos oportunistas e dos seus defensores.

A ideia foi fazer de conta que éramos um país moderno, tal como na construção das auto-estradas onde não se circula; ou no aeroporto que não aeroporta “boas vias, vidas de cão” como alguém já disse.

Resumindo:

– Em muitos, muitos aspectos, somos um País de faz de conta, andamos de rodriguinho em rodriguinho … e não saímos daí!

Luís Pais Amante

 

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4 COMENTÁRIOS

  1. Este artigo do Dr.Luís Amante, meu amigo, é de uma profundidade impressionante; e muito atual!
    O que impressionou mais foi o modo como aborda a vergonha que se está a passar com os emigrantes a quem permitimos uma exploração digna do terceiro mundo.
    Parabéns

  2. Não estou suficientemente informada sobre o que se passa na ACT, mas pelo o que o Luis escreve, é parece evidente que conhece os meandros, entendo bem o seu desassossego com o que se está a passar. É um texto apelativo que deveria ser divulgado. Beijinhos

  3. Quem sabe, sabe. Instituições como(ACT), são indispensáveis e como tal devem cumprir o seu real papel e não fazer de contas. Lá não Precisa-se de heróis, mas sim, pessoas entendidas na matéria do trabalho, especialistas em direito laboral e afins, comprometidos com a missão principal deste organismo. Há que ter capacidade para fazer cumprir, as normas e regulamentos, aos grandes e pequenos.
    Espero um dia quando recorrer aos serviços desta instituição, estejam embuidos do seu grande valor.

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