David Gonçalves de Almeida
Esta obra [texto policopiado*], versando um dos temas centrais da história e cultura de Penacova, corresponde à Dissertação de Licenciatura em Ciências Históricas, apresentada em 1965 à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, por Maria Adelina Nogueira Seco, natural do Casal de Santo Amaro e Professora de História no Ensino Secundário.
O estudo intitulado “A Região de Penacova e a Navegação Comercial no Mondego – Subsídios para a História desta Navegação ” está dividido em três capítulos: 1. Introdução; 2. A região de Penacova e a navegação comercial no Mondego; 3. Subsídios para a história da navegação comercial no Mondego.
No primeiro capítulo são apresentados os objectivos desta investigação e algumas notas sobre os primórdios da existência de Penacova (situação geográfica, toponímia e origens históricas) analisando a passagem de “villa” rústica a concelho e a organização e evolução municipal, tendo como momentos mais significativos a concessão dos forais de D. Sancho I e de D. Manuel I. No segundo, mais centrado na Navegação Comercial no Mondego e tendo como base de estudo o chamado “Livro de Penacova”, é examinado o conteúdo deste documento: os “termos de compromisso”, as mercadorias e terras a que se destinavam e os principais portos da região e o seu papel de entrepostos, com especial destaque para os portos de Porto da Raiva e Porto da Foz d’Alva. É, ainda, feita uma referência especial aos barqueiros que, na sua maioria, eram naturais do concelho de Penacova. O terceiro capítulo avança com mais alguns “subsídios” para a história daquela navegação, percorrendo as diferentes épocas (antes da fundação da nacionalidade, durante os primeiros séculos da Monarquia, o século XV e o período que vai do século XVII ao XIX) até chegar à fase da decadência e mesmo desaparecimento daquela actividade económica.
O referido “Livro de Penacova”, arquivado na Biblioteca Municipal da Figueira da Foz, consta de um conjunto de documentos inéditos referentes à região. Registos que, segundo a autora, “fundamentam, duma maneira categórica, a íntima ligação entre a região de Penacova e o Mondego”. Região de Penacova que “reunia todas as condições para na realidade viver do rio […].” Não só aí se situavam os principais portos fluviais que serviam as Beiras: Raiva e Foz d’Alva, como também uma grande parte dos seus habitantes se dedicava ao transporte das mercadorias nas típicas barcas serranas.
Este estudo vem salientar que “até cerca dos meados do século passado, antes do aparecimento do caminho de ferro e da abertura de estradas, os transportes internos assentavam em grande parte na navegação fluvial […] não só pela falta de estradas, mas também pela rapidez e baixo custo de transporte, que este meio de condução oferecia em relação ao almocreve ou ao carreteiro e ainda pelo maior número de mercadorias transportadas.”
No entanto, “os rios, e sobretudo os navegáveis, não se estendiam a todas as regiões e por isso outros meios de transporte seriam necessários para levar a essas terras as mercadorias de que necessitavam. Daí a existência, doutros elementos na rede de comunicações internas – carreteiros e almocreves – que ligados aos transportes fluviais se encarregavam dos terrestres” – refere a autora.
A região de Penacova “era o terminus dessa navegação.” O referido “Livro de Penacova”, constituído por um conjunto de termos de compromisso, isto é, “termos de fiança das fazendas que levarem guias dos portos secos da vila de Penacova para outra qualquer terra do reino” , vem confirmar aquele facto.
O livro apresenta uma síntese, em tabela, desse conjunto de elementos. A título de curiosidade, refiram-se três desses situações registadas:
A 29 de Julho de 1773, “Joze Dias” do lugar do “Cerapinhal” (sic) freguesia de S. Martinho, termo de Pombeiro, comprou na vila de Penacova 208 alqueires de azeite para levar para a cidade de Aveiro e “dahi” para a cidade do Porto e mais “prasas” da província do Minho.
A 11 de Agosto do mesmo ano, no porto da “fos dalva”, “Joze Nunes” de Relva Velha, termo de Coja, carregou 80 alqueires de sal para vender “na mesma terra” pelo preço de 10 530 réis .
No dia 18 de Setembro de 1773, Francisco António, de Vila Nova, levou 2 carros com “dezois” (sic) canastras de sardinha para a feira de Viseu.
Tenha-se em conta que as mercadorias, que das terras mais do Litoral se destinavam ao interior das Beiras, eram transportadas pelo Mondego até ao Porto da Foz d´Alva e daqui, por carreiros, ao seu destino e vice-versa. Os carreiros que se encarregavam dos transportes eram oriundos sobretudo das regiões de Penacova, Coja e Arganil.
Neste estudo é também feita alusão a um “Livro de Portagem”, existente na Biblioteca Municipal de Coimbra, referente a 1858-1860. A portagem em causa incidia principalmente sobre os vinhos entrados na cidade de Coimbra pelo Porto do Cerieiro.
O transporte desses produtos até aos portos fluviais da região de Penacova era feito, como vimos, por carreiros e só a partir daqui , por barqueiros, através do rio. Nesse livro de portagem podemos, a título de exemplo, constatar que no dia 18 de Fevereiro de 1858 desembarcou no referido Porto do Cerieiro (Coimbra) uma pipa de vinho, destinada a José Alves, da Rua das Solas. Vinho que havia sido comprado no Carregal do Sal a Joaquim Henriques e transportado pelo barqueiro Francisco do Covão, residente na Carvoeira. Também no mesmo dia, destinadas a António Moniz Lucas, da Rua dos Sapateiros, desembarcaram duas pipas de vinho, correspondendo a 68 almudes, compradas na “Crapinha” de Farinha Podre, concelho de Tábua, a Martinho Martins. O barqueiro que as transportara havia sido António Freire, de Miro.
Os dados deste registo demonstram também que o Mondego continuava nesta época a ter um papel de relevo nas transações comerciais entre a Beira Interior e a cidade de Coimbra e a Figueira da Foz.
A partir do final do século XIX a navegação comercial no Mondego “conheceu uma decadência” que cada vez mais se acentuou até à sua completa extinção nos meados do nosso século. “Ao assoreamento contínuo do rio vieram juntar-se outros factores: abertura do Caminho de Ferro da Beira Alta (1882) e beneficiação de algumas estradas e abertura de outras, que muito contribuíram para tirar ao Mondego o papel de relevo que desde sempre desempenhara no campo dos transportes.”
Em apêndice, esta obra, transcreve os 172 termos de fiança do “Livro de Penacova”. Vejamos a redacção de um deles: “Aos seis dias do mês de Agosto de mil Sete Centos Setenta e três annos em esta villa de Penacova e cazas de mim escrivam honde apareseo Joze Duarte do Carvalhal de Laborins deste termo e por ele me foi dito que levava do porto da fós dalva para o Botulho termo de Tondela comarca de Vizeo e mais partes da porvincia (sic) da Beira vinte alqueires de Sal em carro e se obrigou em vinte dias aprezentar Sertidam na freguesia (?) e eu Eusebio Leitam de Andrade (?) Arnao (?) escrivam das sizas o escrevi.“
De referir que este trabalho académico (com 208 páginas dactilografadas) apresenta igualmente alguns mapas geográficos e fotografias inéditas: vista de Penacova e o Mondego (pág.6), vista geral do Porto da Raiva (pág. 84), ruínas de antigos estaleiros do Porto da Raiva (pág. 84b) e a típica barca serrana, com dois barqueiros, subindo o rio (pág. 127). O apêndice documental inclui ainda alguns termos de fiança “facsimilados”.
NOTA SOBRE A AUTORA
Maria Adelina de Jesus Nogueira Seco Leitão Couto, nascida a 2 de Outubro de 1941, na aldeia de Casal de Santo Amaro, concelho de Penacova, era filha de Armando Nogueira Seco e Mária de Jesus Nogueira Seco.
Frequentou a Escola Primária na vila de Penacova, seguindo-se o Colégio Alexandre Herculano, em Coimbra, onde concluiu o 7º ano. Em 1965, licenciou-se em Ciências Históricas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, apresentando como Dissertação de Licenciatura, a tese intitulada “A Região de Penacova e a Navegação Comercial no Mondego: subsídios para a história desta navegação”, da qual foi oferecido um exemplar pela família ao Município de Penacova, em 2018.
Realizou o seu estágio pedagógico entre 1967 e 1969, na Escola Industrial e Comercial Brotero, em Coimbra. No ano letivo de 1970/71, lecionou na Escola Industrial e Comercial Vasco da Gama, em Nampula, Moçambique, onde acompanhou o seu marido, alferes-médico, que se encontrava a cumprir serviço militar. Em 1971 tornou-se professora efectiva da Escola onde havia feito o estágio, tendo-se reformado em 1995.
Mãe de quatro filhos, foi casada com o médico Joaquim Leitão Couto, com quem partilhou a vida e a paixão pelo património da nossa terra e das nossas gentes. Faleceu em Coimbra, com 68 anos, no dia 31 de Outubro de 2009.
__________
* Obs: A capa aqui apresentada é tão só uma maquete / sugestão do autor deste artigo.