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Saudade Lopes

Passado que foi mais um dia Internacional da mulher e neste tempo de Quaresma, tempo de reflexão, avalio a minha satisfação pessoal através duma  série de fatores a que me depus aceitar com resignação ao longo do meu percurso de vida, e sempre com esperança num amanhã libertador e num ontem de crescimento pessoal, direcionado a construir  algo diferente com pessoas que  de uma forma ou outra contribuam para minha história.

Ainda muito menina e com pouco traquejo de vida já pressentia que diferenciar atitudes me levariam no futuro a níveis de satisfação interior.

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Nas duas primeiras décadas de vida, as experiências de amor e de afetividade necessárias ao meu desenvolvimento cognitivo deram lugar a tempos cinzentos de incompreensão e muitas vezes de violência verbal e física que feriram a minha auto estima. Não sendo permitido desencadear os sonhos normais da idade, nem mesmo utilizar a minha criatividade, condições necessárias para o desenvolvimento saudável de uma criança. Algo, também pouco falado nesses tempos, em que, por vezes, ter alimentos no prato era a luta diária e até uma ostentação para a maioria dos portugueses.

Faltava-me o mimo, o colo, as brincadeiras próprias de uma criança, sentia-me vazia e estranha naquelas vivências de menina e moça. As interrogações assolavam, constantemente, a minha mente e os sentimentos de revolta eram acontecimentos diários. Possuir pão na mesa custava muito caro ao meu ser, não tinha o meu pai por perto. As terras de França esperavam-no para laborar a troco dos francos necessários à sobrevivência da família, restava-me o desabafo nas poucas letras que lhe podia escrever. No entanto, até nas cartas que apaziguavam a minha dor, a liberdade me era retirada.

A minha construção pessoal posicionava-se em fracos níveis de objetivos, mas para continuar a viver tinha de aceitar e dar razão àquela forma de vida. E como? Comecei por refugiar-me na fé e na esperança em Deus e no colo de Maria, a Mãe e a Mulher mais corajosa e mais afável. Aprendi a estar segura, sentia que não estava abandonada e a serenidade anulava as minhas tentações de lamúrias da vontade que a sombra da escuridão viesse ter comigo. E, foi no silêncio destes tempos dolorosos e com esta Mãe do Céu que treinei hábitos disciplinares de calma e de novas expectativas.

O sofrimento, a mágoa e o ressentimento iniciaram um novo tempo de aprendizagens, e quando ouvia as palavras azedas e ressabiadas acendia-se uma luz de compaixão. A minha voz interior, sabia que o que se passava comigo, era uma sequência da geração anterior. A brutalidade do meu avô para com a minha mãe, na sequência desses tempos austeros, deixou-a uma pessoa amarga e revoltada.

Com esta análise, senti que tinha de quebrar este ciclo de raiva e de tormenta para novas gerações e tinha de utilizar as poderosas ferramentas: O AMOR e O PERDÃO. Hoje, sinto-me vencedora e afortunada ao mesmo tempo. Fui capaz de ouvir a minha voz interior e trabalhar a minha relação e passados todos estes anos sei que aqueles pedaços de alma mortos rejuvenesceram e fizeram de mim uma mulher para amar os meus familiares e todos aqueles que de uma ou outra forma fazem parte do meu caminho.

Hoje, sei que a minha felicidade acontece pela aceitação das vicissitudes da vida, tento sempre ver nas contradições o meu crescimento pessoal. A minha mente não fica agarrada ao sofrimento, mas sim à gratidão pela vida e sei que a dureza da minha criação me transformou para caminhos certos.

Ainda em tempos escolares, nomeadamente na escola primária da Espinheira, como em todas neste País, os alunos eram os “bombos” dos professores, mais grave ainda  com a conivência dos pais,  não fui exceção; muito embora a  minha terceira classe fosse um “rebuçado” e aqui, presto homenagem à minha professora Leontina de Palmazes, que já utilizava métodos de ensino diferentes e se destacou pela positiva no meu desempenho de aprendizagens, e foi esta mesma senhora que me ajudou a compreender que orando com fé e alegria, Deus nos escutava e nos respondia. Hoje e apesar da sua idade continua a dar-me o seu exemplo de cristã, ainda nos vamos cruzando na missa dominical.

Gratidão à minha mãe por me ter deixado permanecer o tempo de gestação no seu ventre e apesar de todos os nossos desencontros, me ensinou valores fundamentais para a vida. Às minhas três filhas de coração dócil que vieram abrilhantar a minha existência, pelas suas qualidades virtuosas de mulheres. À minha   querida neta que pela sua alegria e boa disposição complementa este ciclo familiar.

Gratidão a todas as mulheres que, passaram pela minha vida, algumas delas que já partiram, e as outras que continuam a cruzar-se no meu caminho de esperança e a completar de forma tão gratificante a minha história. Através delas, da sua coragem, dos seus ensinamentos e, por vezes, do seu sorriso em tempos de dor me fizeram e fazem almejar ser o melhor de mim.

 

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1 COMENTÁRIO

  1. Minha Cara Amiga Saudade,

    Curvo-me perante este escrito que aborda temas predominantes na nossa juventude, mas que ainda se observam hoje, na corrente das ideias que persistem.
    Sobretudo exteriorizar sentimentos e estados de alma do nossa parte de intimidade, ainda valoriza mais a Pessoa que se expõe.
    Parabéns

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