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Ao gaiteiro José Maria Craveiro foi oferecido pela Associação Gaita de Foles, uma caixa de madeira com uma réplica de um ponteiro feito na região, do gaiteiro António Simões, de Palmazes.

José Maria Craveiro, o último gaiteiro tradicional do concelho de Penacova, começou cedo a tocar, como referem Henrique Oliveira e António Freire da Associação de Gaitas-de-Foles Freire na nota biográfica de José Maria Craveiro, que tão afetuosamente elaboraram e que passamos a reproduzir.

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O último gaiteiro tradicional do concelho de Penacova.

José Craveiro conta que na origem do seu primeiro grupo esteve a paixão pela música que teria o seu amigo António Ferreira Ralha, alcunhado de “o Bode”, que “até quando tinha catorze anos chegou a tocar violino”, e na iniciativa que este tomou certo dia de comprar uma gaita-de-fole, uma caixa e um bombo, que soube estarem à venda na Ribeira de Frades, freguesia do concelho de Coimbra.

Relata que, de seguida, António Ralha tentou formar um grupo, convidando o primo, alguns anos mais novo, Licínio França da Silva, mais conhecido por “Vira-milho”, e tendo-se este ajeitado com o instrumento que lhe parecia mais difícil, a gaita-de-fole, esta ficou-lhe logo destinada.

Com apenas doze anos de idade, o jovem José Craveiro já trabalhava, designadamente na lavoura.

Apesar de ser muitíssimo mais novo que António Ralha, já então era seu amigo, e “fazia-lhe a sementeira”. Craveiro aceitou o convite do “Bode” para integrar o grupo, ficando-lhe destinado o bombo, devido à sua inexperiência musical, enquanto António Ralha ficou com a caixa. Apelidaram o grupo de “Os Alegres de Chelo”.

Tendo os membros do grupo acabado por adquirir outros instrumentos, nomeadamente o Vira Milho, que comprou uma outra gaita-de-fole, António Ralha propôs a José Craveiro que este lhe comprasse aqueles que tinha adquirido na Ribeira de Frades e tinham sido tocados nos primeiros tempos do grupo.

O jovem Craveiro respondeu-lhe que, como era sabido, ele era pobre, não tinha dinheiro; que era muita gente na família e, claro, não tinha possibilidades de os adquirir. O Ralha retorquiu que não havia problema, que conhecia um madeireiro que comprava matas e as dava a cortar ao metro. E como José Craveiro percebia desse ofício, eles iriam cortar madeira ao metro, Craveiro ficaria com os instrumentos e que depois se iria descontando o seu preço no ordenado: “A partir daí comecei a descontar x por semana, um bocadinho para pagar os instrumentos.” Lembra que essa primeira gaita que possuiu era diferente da que utiliza actualmente: “O fole daquela gaita era a pele dum cabrito atada nas bocas com um cordão daqueles que os fogueteiros atavam nas canas dos foguetes, que era untado com pez.”

Geralmente quem tocava gaita-de-fole era o “Vira-milho”, que, como já referido, foi quem de início tocou esse instrumento. No entanto, mais tarde, este também viria por vezes a ficar com a caixa ou com o bombo. António Ralha tocava caixa e mais tarde também bombo. José Craveiro, que começou pelo bombo, com o decorrer do tempo, e fruto das horas de prática despendidas no curral, passou a acompanhar o grupo tocando caixa e, por fim, também gaita-de-fole.

José Craveiro lembra que nas localidades a que ia fazer a festa, “quer nos peditórios quer nas arruadas”, acontecia dançarem ao som do seu grupo de gaiteiros. De entre as variadíssimas localidades referidas registámos Aveleda, Vila Nova e o Roxo, todas situadas no concelho de Penacova. Enquanto percorriam as ruas: “Onde houvesse um largozito a gente tinha que parar para elas dançarem. (…) Só havia festa de ano a ano, só havia baile de ano a ano. Na altura da festa, mulheres de certa idade, raparigas, era tudo de volta do gaiteiro. Não largavam o gaiteiro a dançar.” Então dançavam só as mulheres? “Era tudo! Às vezes naqueles cruzamentos vinham os mais velhos, aqueles velhotes já com sessenta, setenta anos que vinham à beira da estrada, e elas apanhavam-nos e iam buscá-los e tudo tinha de dançar ali. Era uma alegria!” Quanto ao seu repertório: “Era viras e marchas e valsas, e corridinhos. Elas até pulavam! Para andar tocavam-se sempre marchas. Depois parava-se e ou uma valsa ou um vira. Depois lá de vez em quando uma mais lenta. Um tangozinho. Depois para andar outra vez uma marcha. Elas não paravam. Elas não paravam.”

Aos temas que podem ser ouvidos no seu repertório, José Craveiro classifica-os em categorias, de entre as quais listamos, a título de exemplo, “viras” “corridinhos”, “valsas”, “bailinhos”, “marchas”, “tangos” e “foxes”.

Algaça, no concelho de Poiares, e Vale de Colmeias, no de Miranda do Corvo, são duas localidades em que José Craveiro participou na procissão. Nesta última o seu grupo ia na frente do cortejo no qual também costuma participar uma banda filarmónica, que segue mais atrás. Mas em Casal do Gago, no concelho de Vila Nova de Poiares, já não é assim: “Ali não há banda nem nada é só o gaiteiro. Sou só eu.” Nestas ocasiões interpreta temas específicos que designa por “versos” de entre os quais deu como exemplo “Queremos Deus”, “Salve Rainha”, “Santa Miraculosa”, “Treze de Maio” e “Senhora de Fátima”.

“Em São Silvestre [concelho de Coimbra] o padre não faz a visita pascal sem andar o gaiteiro”, garante José Craveiro. E segundo ele: “Antigamente fazia-se isso em mais terras, mas só ali é que não se perdeu a tradição.” Contava-nos em 2002 que nos últimos anos tinha sido o seu grupo que tinha feito este serviço. Normalmente os gaiteiros seguem “dez metros à frente do padre” tocando temas musicais sem carácter religioso e cujos critérios de escolha se baseiam nos gostos pessoais dos instrumentistas e no estado de espírito do momento.

Em 2002 António Ralha já não se encontrava em actividade e Licínio Silva também tinha deixado de tocar há alguns anos pois a idade já não lhe permitia deslocar o seu peso excessivo com a agilidade que é exigida a um gaiteiro. José Craveiro explicou que, por exemplo, nos peditórios os mordomos querem despachar o serviço depressa e “às vezes naquelas ladeiras” tornava-se custoso para Licínio Silva acompanhar o ritmo do passo. Então passou a ser acompanhado por outros instrumentistas que, alguns anos depois, em 2002, ainda o acompanhavam: Joaquim Pereira (filho do “Raimundo”) no bombo e Serafim Fernandes na caixa.

Em 2002 José Craveiro referiu-nos que então tinha uma maior disponibilidade para tocar no gaiteiro do que uns anos antes, quando estava a trabalhar na Câmara Municipal de Coimbra. Que antes de se aposentar “tinha de guardar as férias e as folgas para os dias que precisava”. Contudo, apesar de já se encontrar reformado, continuava a trabalhar: “Transporte, aterro e desaterro, acartar estrume, lenha, amanhar a terra e ceifar. (…) De maneira que não me deixam parar porque não há quem sirva. E pronto.

É assim. E tenho as festas. É a minha alegria.” Nessa altura confessou-nos o desgosto que sentia por prever que os gaiteiros viessem a desaparecer na sua zona. Que em tempos, ali no concelho de Penacova havia vários mas que então, em 2002, só restava ele. Garantia-nos estar disponível para ajudar algum rapaz que quisesse aprender a tocar e que até já tinha tentado aliciar um ou outro mas sem sucesso: “Não se encontra ninguém que queira tocar. É pena porque é uma coisa linda, uma coisa importante e é pena deixar desprezar.”

Ouça uma das interpretações do “Corridinho” pelo Gaiteiro José Craveiro

Para ver todas as fotos do evento visite AQUI

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