David Gonçalves de Almeida

É óbvio que os achados arqueológicos (e paleontológicos) não têm “voz”, no sentido literal do termo, mas é evidente que nos “falam” de épocas muito recuadas no tempo, com milhares e milhões de anos. O caso que hoje vamos referir pode levar-nos a uma viagem, de trinta mil ou mais anos, a territórios a que hoje chamamos Penacova.
Igualmente óbvia e pertinente é a pergunta: leões em terras de Penacova? Como é possível encontrar vestígios da sua presença, aqui, se os os leões vivem nas regiões da África e da Ásia? Sabemos que na incomensurável história da vida na Terra muitas espécies se extinguiram, muitas alterações geológicas e climáticas se verificaram. Sabendo disso, mais fácil será acreditar que o dente leão, encontrado por volta de 1921 numa gruta em Penacova, é marca inequívoca da presença dessa espécie nesta parte ocidental da Península Ibérica.
Para quem leu Penacova, o Mondego e a Lampreia ou analisou o Plano Director Municipal (PDM) não constituirá novidade o tema do qual hoje fazemos “eco” e que consideramos de alguma importância. O “artefacto” encontrado em Penacova, actualmente à guarda do Museu do Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra, reveste-se de grande significado científico porque, juntamente com outros dois restos dentários encontrados num algar da Pedreira das Salemas (Loures), vem atestar que o leão das cavernas andou também por aqui.
O designado Leão das Cavernas (Panthera (Leo) spelaea), encontra-se extinto há milhares de anos. Tratar-se-ia de um animal de grandes dimensões, mesmo um dos maiores felinos que já existiram à face da Terra. Têm sido encontrados restos fósseis e mesmo até um animal-bebé, mumificado, de um a dois meses de idade. Foi há poucos anos descoberto na Sibéria e os cientistas pensam que terá vivido há vinte e oito mil anos. O leão-das-cavernas também aparece representado em pinturas rupestres(1) do período paleolítico, bem como em esculturas em marfim.
Em Penacova não se encontraram vestígios tão impressionantes como estes, mas o dente canino que foi achado numa gruta e que terá pertencido a um animal de grandes dimensões, pertencendo àquela espécie, é algo que merece ser divulgado.
A gruta, “que corresponde a várias cavidades destruídas, desapareceu na Pedreira da Sociedade de Cal de Penacova(2), Casal Santo Amaro, a qual laborou até os anos 20 do século XX”, informa-nos o PDM. É também neste documento que se sublinha a falta de elementos sobre este achado, dado que “não obstante a bibliografia existente que atribui ao local a designação de Gruta dos Penedos, permanecem ainda dúvidas relativas à proveniência exacta destes vestígios. ”Dúvidas que também o artigo “O Leão das Cavernas Panthera (Leo) spelaea (GOLDFUSS, 1810) em Portugal”, assinado por M. T. Antunes e J. L. Cardoso, da Universidade Nova de Lisboa, coloca ao referir que “em Penacova, foi colhido um artefacto mustierense(3) ressalvando-se, embora, a certeza quanto à proveniência do canino estudado.”
Mais do que a imensa informação(6), hoje acessível na internet sobre o leão das cavernas, o mais importante para nós é a circunstância de Penacova figurar como um dos poucos locais que até à data atestam a presença desse animal no território português.
A concluir, e voltando a referir o PDM(4) de Penacova, subscrevemos o conteúdo de um parágrafo aí existente que reconhece o pouco investimento feito em estudos arqueológicos no nosso concelho(5): “Neste território concelhio que esconde certamente inúmeras riquezas no seu subsolo, poucos foram os estudos arqueológicos realizados no concelho de Penacova nestes últimos anos. Os sítios e achados que foram descobertos, nestas últimas décadas, resultaram casualmente e apenas de trabalhos decorrentes de obras, e nunca foram consequentes de prospeções que visam a elaboração de uma Carta Arqueológica, a qual torna-se cada vez mais importante, dada à escassez dos vestígios encontrados até à atualidade.”
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Notas:
(1) Apesar do nome, parece eles não viviam próximos das cavernas. A designação, no caso, virá do facto de eles aparecerem em pinturas rupestres.
(2) Não encontramos esta designação em documentos da época. Não se referirá à Empresa Industrial de Penacova, de Amândio Cabral? Ou poderá tratar-se de alguma sociedade constituída na sequência da anterior.
(3) Mustierense – é uma cultura do Paleolítico Médio, período em que dominava o Homem de Neandertal (300 000 e 40 000 a.C ), antes dos humanos modernos chegarem à Europa entre 70 000 e 32 000 a.C.
(4) Cf. PDM- Penacova – património arquitetónico, arqueológico, botânico e natural. O Plano Diretor Municipal é um instrumento legal determinante na gestão do território municipal. Define o quadro estratégico de desenvolvimento territorial do município, sendo o instrumento de referência para a elaboração dos demais planos municipais.
(5) Veja-se, por exemplo, o achado do Coiço que, apesar de inventariado, permanece muito pouco esclarecido.
(6) O leão das cavernas influenciou a cultura africana e asiática, bem como as primeiras culturas europeias, que temiam esse animal de grande porte e o transformaram num dos símbolos mais representados e venerados da pré-história. Pensa-se que há 500 mil anos os leões das cavernas e os leões modernos tiveram um antepassado comum. A distribuição histórica das espécies coloca não só leões como hienas e leopardos a habitar a Península Ibérica há 20 ou 30 mil anos. A extinção do leão das cavernas está possivelmente relacionada com a mudanças climáticas de grande amplitude, observadas no fim do Plistocénico, e que originaram extinções em massa, causando o recuo das espécies para para as zonas mais quentes do planeta. No final desta época, os seres de grande porte começaram a extinguir-se não só por causa das alterações climáticas, mas também devido à escassez de alimentos, que se estendeu até ao Holocénico. Foi também nesta época (há cerca 28 mil anos) que se deu o desaparecimento do homem de Neandertal (Homo neanderthalensis ).
Meu Caro Professo David,
É mesmo muita a estima que tenho por si e, sobretudo, o alto apreço pela humildade com que nos vai ensinando a todos.
A nossa terra -assumo por inteiro o que digo- não tem ninguém que se lhe dedique como o Meu Amigo o faz. E tem muito poucos que seja portador da sua “bagagem”.
É um gosto ler o que escreve!
E é uma obrigação reconhecer a sua lealdade à nossa Penacova.
Parabéns!
Caro Dr Luís :
Obrigado pelo elogioso (mas exagerado) comentário que faz a propósito de mais este texto que publiquei no Penacova Actual. É gratificante e estimulante saber que há penacovenses que reconhecem o trabalho de pesquisa histórica que vou fazendo sobre a nossa terra.
Mesmo correndo o risco de ser entendido como “troca de galhardetes” não posso deixar de registar aqui um “voto de louvor” pelo seu afã de dignificação de Penacova em tantos e tantos aspectos, pelo apoio a instituições / associações, pelo exemplo de participação civica, pela ilustre colaboração no Penacova Actual… Amigo Luís, igualmente para si as minhas sinceras felicitações com votos de muita saúde e que a sua “voz” continue a ajudar-nos a (re) pensar não só o nosso concelho, o nosso país, mas também o nosso Mundo.