Publicidade

Maria Helena Marques

Ocorreu há bem poucos dias o “Dia dos Moinhos”. O nosso Município tratou de o assinalar de vários modos. Certo, temos muitos por aí.

Se é bem celebrado e lembrado em qualquer lugar do nosso País ou até no estrangeiro, aqui, na minha terra natal – Gavinhos, tem razão de ser, sobretudo para recordar como eles rodavam e tinham vida – aquela que os moleiros e o vento lhes imprimiam. E digo “sobretudo” porque na realidade a sua estrutura mora e mantém-se lá há décadas e décadas. Lá estão como testemunho de um passado que, quem o viveu, gosta de recordar e reviver.

Publicidade

Eles lá estão, tal como sentinelas, convidando a quem os queira visitar e a quem lhes queira dar vida!

É de minha grata lembrança a vivência em torno dos moinhos que eu avistava das janelas de minha casa.

Eram 14 e todos moíam. Quando o vento estava de feição, era vê-los todos de velas pandas rodando, rodando. E, esse rodar produzia uma espécie de melodia “sui generis” que resultava do chiar dos rodízios que giravam com o impulso das velas tocadas pelo vento.

Algum tempo gastei a observar e dava conta da caminhada, serra acima, dos moleiros e seus burritos carregados de taleigos de cereal, subindo pelos carreiros, mais que “batidos” por tanto serem pisados.

A certas horas lá iam, também as moleiritas, de taleiga à cabeça e, por vezes, com a merenda que ia compor o estômago do seu parceiro…

Os burritos, esses, quedavam-se, cá fora, presos numa argola fixada à parede do moinho. Lá iam roendo qualquer coisa que o dono lhes apresentava e a agradecer iam “cantando” quer dizer zurrando o que produzia eco que se escutava na aldeia.

Quando, para aproveitar os bons ventos se passava por lá a noite, os burritos e os donos acoitavam-se lá dentro, cada qual na sua cama improvisada.

E, nessas noites de vigília, dava-se conta de que ainda que vigilantes, os moleiros confraternizavam e, no tempo menos ameno acendiam fogueiras, que enfeitavam a serra como luzeiros imprimindo-lhe um ar mágico e deslumbrante!

Propriamente o trabalho do moleiro além de colocar o cereal no sítio próprio de onde iria cair nas pedras “mós”, pouco a pouco, por meio de técnicas ancestrais muito simples, mas engenhosas que moídas se transformavam em farinha, que o moleiro ia guardando, também era seu trabalho ajustar a distância entre as mós para que saísse farinha mais fina ou de segunda que já era mais grosseira um pouco.

Antes de moer, o moleiro tirava a sua “maquia” que era sua de direito ou tiraria no fim, do taleigo da farinha do cliente.

Essa subtração dizia-se que, às vezes, era um tanto desproporcionada e daí que fosse dando azo a alguns ditos populares tais como: “muda-se de moleiro, muda-se de ladrão”… Sem ofensa, mas teria algum fundo de verdade.

E, a propósito desses ditos sobre moleiros e a tal “maquia”, passo a transcrever uma gazetilha, que meu Tio Padre Manuel Marques publicou num dos jornais onde ele colaborava e que, por sua vez já era uma versão da Província de Trás-os-Montes que lhe tinha sido facilitada pela esposa de um amigo e assinante, Manuel Domingues Rodrigues do lugar de Telhado, Penacova.

Rezava assim a dita gazetilha:

Leva o moleiro
No seu burrinho
Quatro alqueires 
Para o moinho

Sem o moer
Como é de ver
No mesmo dia
Tira a maquia

Mui contentinho
Chega ao moinho
E logo diz.
Vem cá meu saco
Quatro maquias 
Eu já te rapo…

Quatro são por te levar
Quatro são por te trazer
São ainda outras quatro
Para o meu burrinho comer…

Vem a Maria,
Tira a maquia
Vem o Manel 
E é quanto quer
Veio o João
Leva o quinhão
Vem o creado
Afadigado
E o velhaco
Diz: este saco
Não foi maquiado…

Torna o moleiro
E diz para o saco:
Vai para o canto
Que em ti eu mando
Sai outro tanto
E se ficarem
Té ó Entrudo
Cá fica saco
Baraço e tudo!…

Aqui fica. É interessante.
Muito haveria que contar se os moleiros de antigamente cá voltassem…
O “Dia do Moinho” trouxe ao presente esta realidade do passado.
Foi com prazer e emoção que subi à serra dos moinhos em Gavinhos. Consolei os meus olhos que estavam saudosos de ver e escutar o rodar das velas brancas dos moinhos da minha infância!

Maria Helena Marques

Publicidade

Artigo anteriorDoações do Peditório Cáritas vão permitir apoiar dezenas de famílias na Diocese de Coimbra
Próximo artigoQuatro atletas do Judo Clube do Mondego ganham quatro medalhas

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui