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David Gonçalves de Almeida

O título “A Pedra Curiosa”, apesar de agora aparecer em artigos científicos, tem, de facto, origem numa notícia do Jornal de Penacova de 1915. Durante cerca de um século terá ficado esquecida por essas hemerotecas do país e do mundo, até porque o artigo é pouco extenso e facilmente passa despercebido na mancha gráfica do referido periódico. Foi ao pesquisarmos sobre a “República em Penacova na Imprensa Local” que encontrámos esse interessante texto (com esse igualmente “curioso” título).  Posteriormente, fomos à procura no museu de Coimbra, identificado no artigo, o icnofóssil em causa tendo como suporte original uma laje de cerca de três metros de comprimento.

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É gratificante reconhecer que aquilo que temos vindo a escrever e a publicar nos últimos anos tem servido para alguma coisa e que, amiúde, já vai fazendo parte da bibliografia citada em estudos académicos diversos.

Um artigo de há mais de cem anos, de um jornal sem projecção nacional, dificilmente seria consultado na fonte para ser recuperado no artigo “A «Pedra Curiosa» da Livraria do Mondego: Geoconservação ex situ no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra”, da autoria de Ricardo Paredes e Carlos Neto de Carvalho (2019) ou no anúncio de uma exposição (2018) do Museu da Ciência, onde é citada, precisamente (até com as mesmos cortes), parte da transcrição que há uns anos fizémos num blogue do nosso concelho. O conhecimento deve ser partilhado, e tudo isto só nos lisonjeia, seja ou não feita a devida referência quando é recuperado pela comunidade científica.

Tal como o dente do leão das cavernas (ver artigo anterior desta rubrica)  também este achado paleontológico na Livraria do Mondego nos leva a milhares de anos atrás, ou melhor, neste caso, a cerca de quatrocentos milhões de anos.

A ligação a este vestígio de um passado distante (sem contudo saber propriamente o que representava) já vinha dos tempos de estudante de Coimbra quando em visita ao Museu Mineralógico e Geológico da Universidade (assim se designava na altura) fomos surpreendidos por um painel em pedra com a presença de “bilobites” e tendo a indicação de origem “Vila Nova -Penacova”. Por diversas vezes nos vinha à memória aquela estranha peça museológica (que ninguém nos explicara) e o desejo de voltar um dia àquele museu.  Em Fevereiro de 2011 foi com grande satisfação que, por mero acaso, ao pesquisar na Internet, nos apareceu uma fotografia da “lage com icnofósseis de Cruziana colectada em Penacova”. Pouco depois voltámos àquele museu e confirmámos a informação de que já dispúnhamos. Na obra Patrimónios de Penacova – apontamentos para a sua valorização e divulgação (2011) de J. Leitão Couto e David Almeida (e também no livro Penacova, o Mondego e a Lampreia (2009) , de Carlos Fonseca e Fernando Correia) são apresentadas imagens dessa “pedra” tendo como legenda “Icnofóssil de trilobite semiplicata do Período do Ordovícico da Era Paleozóica”. 

Recapitulemos um pouco do que certamente já é do conhecimento de muitos leitores, na medida em que já tratámos deste tema em diversos locais. Como referimos acima, em 1915, de acordo com notícia do Jornal de Penacova, quando decorriam as obras da Estrada Real n.º 48 na zona de “Entre-Penedos” foi descoberta “uma pedra curiosíssima com desenhos em alto relevo”, que se  “entrecruzavam”, sobrepondo-se no ponto de contacto. Tem igualmente a informação de que “a pedra que conseguiu arrancar-se, mas fragmentada, mede cerca de 3 metros de comprimento por um e meio de largo e de 20 a 30 cm de espessura.” Na altura, o lente de Geologia Anselmo Ferraz de Carvalho mandou remover a placa para o museu daquela cidade – diz o referido jornal – para estudo e posterior exposição. Junto do painel de grandes dimensões, ainda existente podíamos ler, em 2011,  a seguinte informação: “Cruziana sp. – marcas da locomoção produzidas pelo movimento de trilobites sobre sedimentos pouco estabilizados.” Explicava-se ainda que “as trilobites deslocavam-se rastejando semi-enterradas no sedimento com ajuda de apêndices locomotores. Pensa-se que estas marcas poderão estar também relacionadas com os métodos de alimentação utilizados pelas trilobites”.

Como escreveu Carlos Neto de Carvalho, estudioso destes temas, trata-se de “janelas temporais” dum mundo “perdido” há cerca de 500 milhões de anos. A propósito, refira-se que o jornalista penacovense, Álvaro Coimbra, o entrevistou aquando da produção de uma reportagem para a Antena1 sobre o Geopark Naturtejo, que inclui o núcleo de Penha Garcia.

Já o sugerimos na obra acima referida que publicámos em co-autoria. Seria motivo de interesse local e de enriquecimento turístico da zona se uma réplica do original estivesse exposta em Penacova – mais precisamente no local onde há 100 anos foi encontrada. Já só falamos em réplica, partindo do princípio de que dificilmente o original regressaria à origem. Atendendo a que esta ideia não foi ponderada no projeto de preservação do Património Natural da Livraria do Mondego, apoiado pelo Programa LEADER ADELO, apesar de ter contribuído para “preservar, valorizar, dinamizar e promover aquele núcleo geológico”, deixamos novamente a sugestão, aliás partilhada por outras pessoas do concelho, no sentido de ser criado na Livraria do Mondego uma espécie de Centro Interpretativo, onde figurasse, não sendo viável o original, ao menos uma réplica em tamanho real. Mesmo sem o impacto de Penha Garcia, seria sem dúvida uma mais-valia para a valorização daquela zona que os penacovenses conhecem por “Entre-Penedos”.

David Gonçalves de Almeida

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