Marília Alves
“Portugal precisa de uma limpeza” são as letras gordas do mais recente cartaz do Partido Chega. Por todo o país, surge o rosto de André Ventura, deputado da nação, assim como as fotos de Ricardo Salgado e de governantes e ex-governantes riscadas a vermelho. Além do mais, apresentaram-se com cartazes, na Assembleia da República, para exibir a um brasileiro, quando não faltam em Portugal pessoas que os apoiam e que são merecedoras de levar com os mesmos cartazes ou piores. O pai de uma deputada, Luís Filipe Vieira e todas as empresas que constituem offshore, nomeadamente aquela em que trabalhava Ventura, etc., etc.
E é desta manipulação das pessoas que sobrevive este tipo de partidos. De facto, a maior parte de políticos não são pessoas recomendáveis, mas, seguramente, que também não o são estes que os atacam de forma demagógica. Eu não partilho do argumento de que não se deve falar sobre o assunto para não dar mais protagonismo a uma força política já sobrevalorizada na discussão pública. Considero que devemos estar atentos e conscientes a este fenómeno. Ignorar ou subestimar. Nunca. Falar e esclarecer. Sempre. O apelo à “higienização” transformou crime em virtude na Alemanha quando um ex-militar bizarro e de baixo escalão, que poucas pessoas, inicialmente, levaram a sério, foi eleito chefe de estado. E levou a cabo a maior operação de limpeza – leia-se genocídio – de que há memória na história da Humanidade.
O crescimento da extrema-direita não é um fenómeno saudável em democracia. É a maior ameaça para a ordem mundial e para o valor da liberdade. E hoje, mais do que nunca, em que o nosso país está no auge de uma crise social. A acrescentar uma crise politica. E a história diz-nos que é assim que os populismos vão medrando. Assistimos ao crescer da mediocridade e da desesperança. À perda de decência democrática das instituições, que provém da manutenção de um clima de compadrios e de falta de exigência do Governo PS/Costa. De uma cultura de desresponsabilização e de analfabetismo funcional, em que o cartão do PS dá acesso a cargos, negócios e benefícios, tal-qualmente o dos partidos que antes estiveram no poder. E é a pouca vergonha que nos entra todos os dias casa adentro, de termos um Estado que não consegue gerir uma companhia aérea, da crise moral das instituições, não só na TAP, mas nas Forças Armadas, na Justiça … A Justiça é distante, arbitrária, morosa e cara. Deixou de ser um pilar de segurança. As pessoas não vêem Pinho, Sócrates, Salgado a ser condenados. O caminho para a prescrição dos crimes, entre outras histórias, revela um sistema judicial corrompido pela falta de capacidade investigativa, legislações contraditórias, interesses, pressões políticas e tanto mais.
À medida que cresce a insatisfação popular com o estado da democracia (responsável pelo empobrecimento) e com a perda de decência das instituições que deveriam garantir o seu funcionamento, não será motivo de admiração que as sondagens mostrem a descida eleitoral e de popularidade do PS e a subida de outras forças ainda mais demagógicas. Aumentou a pobreza e acentuaram-se as desigualdades sociais e económicas entre os portugueses, com muitas pessoas que trabalham e mesmo assim continuam a ter sérias dificuldades em aceder aos meios essenciais de sobrevivência e habitação. Com aumento acentuado das taxas de juro que está a penalizar quem tem crédito habitação e quem quer/precisa de aceder ao mesmo para ter casa. Somos o oitavo país da zona euro com juros de empréstimos mais altos. Contrariamente, os juros de depósitos estão em penúltimo lugar, apenas Chipre tem juros mais baixos. Quando os bancos têm dificuldade pedem ajuda do Estado e os contribuintes pagam a conta. Quando têm lucros, enriquecem as minorias dos privilégios.
Perante esta crise, o empobrecimento e a insatisfação das pessoas, encontram, no ideário que promete abanar o sistema e que aponta aparentes inimigos e culpados para os infortúnios, um discurso aparentemente com sentido. Mas que é um engodo. A maior parte dos seus eleitores são lesados como foram os do BES e como são todas as pessoas que se deixam enganar por fraudes e burlas. O tempo chegará em que poderão ser esclarecidos, mas, para nosso mal, ainda não chegámos lá.
O financiamento do partido pelas famílias Champalimaud e Mello, de que deu conta a comunicação social, traduz bem o quanto o Chega em vez de anti-sistema, é um partido comprometido com as suas bases mais rançosas. Quem o apoia e financia são pessoas e interesses económicos que querem garantir que tudo ficará como está ou que regredirá, mas com a aparência de uma qualquer mudança. Basta olhar para o que foram (e como ficaram) os EUA de Trump ou o Brasil de Bolsonaro para se perceber a essência destes ideários políticos que claramente encontram apoiantes entre os mais desfavorecidos, sendo certo que, se alguma vez chegarem ao poder, serão esses os mais prejudicados. Vão procurar o que se escrevia sobre Bolsonaro e Trump antes de serem eleitos. E Bolsonaro sequer tinha passado por um partido de poder. Era visto como um salvador da pátria e, pelos vistos, gostava mesmo era de “salvar” diamantes, contas chorudas, benesses e centenas de propriedades imobiliárias que estão em nome do próprio e dos familiares
É da história: os que aproveitam a liberdade que desprezam, para espalhar o ódio são sempre os primeiros a querer tirá-la a quem os contesta. Ventura tem sido o mais ousado em Portugal, mas não o único a aproveitar o ambiente excepcional que vivemos para tentar calar quem lhe desagrada. O vírus autoritário não nasce só no Estado. Está activo na sociedade, pronto para contaminar tudo e todos. As propostas de Ventura deverão servir como lembrete do passado. “Portugal é um país de brandos costumes e isto é impossível”, dirão. Sim, Portugal não é como Brasil, assim como o Brasil não é como os EUA e os EUA não são como Itália e a Itália não é como a Hungria e por aí fora. Mas a poeira é a mesma, André Ventura tem, sobre qualquer outro, a vantagem de ter sido criado e alimentado por um primeiro-ministro de um dos principais partidos portugueses. Basta um Coelho sair da cartola …? Aí teremos borrasca!
Marília Alves