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David Gonçalves de Almeida

É difícil falar de Penacova sem referir este icónico recanto da vila. No monte da Senhora da Guia existiria já um espaço conhecido por Mirante do Castelo, encimando o lendário Penedo da Moura. Nos primeiros anos do século XX Manuel Emídio da Silva visitou Penacova e ao chegar àquele local terá ficado deslumbrado com a imponência da paisagem sobre o vale do Mondego. Graças à sua paixão por este lugar e recorrendo ao prestígio institucional de que dispunha, a ideia de engrandecer aquele miradouro natural com uma construção condigna começou a ganhar forma.

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Noticiava o Jornal de Penacova, de 31 de Dezembro de 1907:

“As obras do Mirante do Castelo, construção do Belveder, prosseguem com a maior actividade e é de crer que, se o tempo permitir, muito brevemente estejam concluídas, pois todos os penacovenses se interessam deveras por aquele melhoramento. O Sr. Presidente da Câmara Municipal deste concelho, Ex.mo Sr. Dr. José Albino Ferreira, tem sido verdadeiramente e notavelmente incansável e ninguém pode por em dúvida que a realização de tal melhoramento importantíssimo é em grande parte devida àquele cavalheiro. Que o tempo o auxilie são todos os nossos desejos, porque do auxílio dos habitantes de Penacova estamos certos de que não duvida um só momento. Segundo nos consta foi já tirada pelo hábil fotógrafo amador António Carlos Pereira Montenegro, uma fotografia das obras, para ser remetida ao Ex.mo Sr. Conselheiro Manuel Emídio da Silva, cavalheiro altamente apaixonado pelas belezas da nossa terra e que confessa uma verdadeira simpatia por todos o seus habitantes ao qual muito e muito se deve a construção do referido Belveder, afim de ver o seu adiantamento.”

A designação “belveder” vem do italiano belvedere e significa terraço, ponto elevado de largo horizonte, miradouro, mirante.

De origem italiana era igualmente o projectista desta obra, Nicola Bigaglia (1841-1908) arquitecto, aguarelista e escultor radicado em Portugal desde 1888. Foi professor nalgumas das escolas industriais, então criadas, e notabilizou-se pelos seus inúmeros projectos arquitectónicos, a título de exemplo, Casa dos Cedros, no Buçaco, Convento da Portela (Leiria), Palácio Lima Mayer e Palácio Lambertini (Lisboa), Palácio Vale Flor (Porto), Teatro D. Amélia (Setúbal), Quinta de Santiago (Leça da Palmeira) onde em 2017 foi homenageado o Pintor João Martins da Costa. Não consta que tenha estado em Penacova na inauguração e temos a notícia que nesse ano faleceu em Veneza, onde regressara já doente.

A inauguração do Mirante viria a ter lugar no dia 31 de Maio de 1908, fez há pouco dias 115 anos. O evento deu lugar a destacadas notícias de âmbito nacional, com direito a fotografias, o que era pouco comum à época, em especial no Diário de Notícias, jornal que publicou também um destacável que intitulou As Festas de Penacova.

Capa do opúsculo publicado pelo Diário de Notícias em 1908 compilando as notícias dos jornais, os discursos proferidos, as poesias declamadas no Sarau.

O acontecimento foi marcado por grandes festejos, em que uma comitiva da alta sociedade lisboeta foi recebida em Penacova em ambiente quase apoteótico. Naquela tarde de sábado, centenas de pessoas esperaram a caravana automóvel na zona da Várzea, com foguetes, flores e os festivos acordes da Filarmónica Penacovense.

À noite, junto ao Mirante, a iluminação com “balões venezianos pendurados nas oliveiras, juntamente com fogueiras, deram a luz necessária para que o arraial abrilhantado por um rancho de tricanas de Penacova e pela veia artística da cantadeira de quadras populares, Emília Carolina, fosse um êxito.”

Depois do arraial no Monte da Senhora da Guia, o serão culminou com um Sarau na Quinta de Santo António, tendo como anfitriões os donos do palacete, o casal Joaquim Augusto de Carvalho e Raimunda Martins de Carvalho. O “glamoroso” Sarau, que se prolongou até altas horas da madrugada foi preenchido com discursos de circunstância, música clássica, declamação de poesia e danças de salão.

No dia seguinte, Domingo, depois de servido um Banquete aos “ilustres convidados” na Quinta de Santo António, Alfredo da Cunha, director do Diário de Notícias, descerrou a lápide que ainda hoje se encontra no local com a inscrição “Mirante Emidgyo da Silva-31-5-908”.

Seguiu-se o discurso emocionado deste especial homenageado, bem como as intervenções de outras personalidades. Reportam as notícias dos acontecimentos que a festa terá perdido algum brilho devido a um forte aguaceiro que, a meio das cerimónias, se abateu sobre Penacova. No entanto o entusiasmo de alguns penacovenses, entre eles, Alves Coimbra, António Casimiro e Amândio Cabral, levou a que erguessem Emídio da Silva aos ombros por entre a multidão que se concentrara junto ao Mirante. A comitiva deixou Penacova enquanto o povo, segundo relatos escritos da época, “acenando simbolicamente com lenços brancos” manifestava o seu sentimento de consternação pela partida.

Manuel Emídio da Silva foi um dos grandes propagandistas de Penacova no primeiro quartel do século XX. Mais do que político, como por vezes é referido, foi personalidade de relevo no mundo dos negócios, relacionados principalmente com os caminhos de ferro e com o mercado financeiro. Nome importante da imprensa e do turismo, foi administrador do Jardim Zoológico.

Sobre o “belveder” ficam mais algumas notas: na sua estrutura foram reutilizadas algumas colunas dóricas provenientes do Mosteiro de Lorvão que – refere o Guia de Portugal – teriam sido compradas por “três tostões”. Apresenta formas renascentistas, visíveis na planta e nos azulejos decorativos, amarelos e brancos axadrezados, desenhados por Raúl Lino. O piso é construído em pedra roliça de seixos brancos e pretos. A Direcção Geral do Património classifica esta construção como “arquitectura recreativa, neo-renascentista, Arte Nova.”

De acordo com Nelson Correia Borges, este miradouro “sugere na sua morfologia um pagode oriental”. Encontra-se implantado no ponto mais avançado do outeiro do Castelo, debruçando-se sobre o rio e o vale do Mondego, de onde se alcançam magníficas vistas panorâmicas.

Fotos obtidas no espólio da Sociedade de Propaganda e Progresso de Penacova

Nota: Em Março de 2022 a Partículas Soltas reconstruiu e reinterpretou parte das memórias e textos originais do “livreto” cujas fotos podem ser vistas aqui.

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