Lisa Gambini
Mais um caso que, não só, nos choca profundamente (ou deveria), como também nos envergonha e nos responsabiliza a todos enquanto seres humanos.
Um navio de pesca que transportava, estima-se, cerca de 750 migrantes, entre as quais 100 crianças, naufragou ao largo da costa grega, na noite de 14 de junho, enquanto tentava chegar à Itália, vindo do leste da Líbia. Apenas 104 pessoas foram resgatadas com vida.
Este naufrágio, já considerado uma das maiores tragédias migratórias, junta-se a tantos outros, onde num ápice centenas de vidas acabam, desgraçada e silenciosamente, nas águas do Mediterrâneo, qual cemitério dos esquecidos.
Ano após ano, o número de mortes continua a aumentar, bem como as estatísticas globais de migração no Mediterrâneo.
A Grécia é uma das principais rotas de entrada na União Europeia para refugiados e migrantes provenientes de África, Médio Oriente e Ásia, e anualmente centenas de pessoas perdem a vida ao tentar atravessar o Mediterrâneo. Desde 2014, já morreram ou desapareceram mais de 29 mil pessoas. Estes números impressionantes, registados pelo Projeto Migrantes Desaparecidos das Nações Unidas, que não contabilizam os chamados “naufrágios invisíveis”, mostram que esta travessia marítima é, sem dúvida, a mais perigosa do mundo e que muitas mortes podem ser evitadas prestando ajuda imediata e eficaz aos migrantes em perigo.
O sonho de chegar à Europa não dissuade os migrantes e os refugiados – cujas histórias de vida são as mais diversas e guardam, tantas vezes, profundas marcas físicas e psicológicas- de se arriscarem em rotas de tráfico cada vez mais perigosas. Muitas vezes dão tudo o que tem (e não têm) na esperança de viver, ao invés de tentar sobreviver, mas o que recebem em troca é um fim trágico, depois de travessias em condições deploráveis e em situações de vulnerabilidade extrema.
Encerramos um mundo em cada um de nós e, contudo, não somos nada num todo de população que ultrapassa já os oito biliões, onde a indiferença face a estas tragédias é cada vez maior – veja-se, por exemplo, a importância que os próprios media atribuem à notícia – e, mais aterrador ainda, tende a generalizar-se. É triste e revoltante, mas, de facto, há vidas que parecem valer menos do que outras.
Não deveria a evolução das sociedades tender para o respeito pelo valor da vida humana, repensar os conflitos mundiais presentes, valorizar a entreajuda entre os povos e a importância da união? Não nos deveríamos já ter apercebido da nossa insignificância enquanto indivíduos, mas na nossa grandeza enquanto humanidade?
Será que é preciso mais uma desgraça destas, que ceifa violentamente tantas vidas e destrói a esperança de forma verdadeiramente cruel, para nos focarmos na importância da empatia, da urgência da reformulação das políticas migratórias, da criação de vias legais de triagem, e no combate, sem tréguas, ao tráfico de pessoas? Não será de relembrar que estas vidas poderiam ser as de qualquer um de nós, uma vez que, como a História já nos mostrou, a nossa realidade presente pode mudar num ápice e sermos nós os próximos nestas circunstâncias.
Todos temos direito a fazer planos de vida, a sonhar com uma existência mais digna e melhor, para nós e para a nossa família, longe da fome, da privação, dos conflitos e da perseguição. Num mundo cada vez mais volátil, desigual e desequilibrado, ser migrante ou refugiado não é uma escolha, é, muitas vezes, a única alternativa.
Não sejamos indiferentes!
Lisa Gambini