David Gonçalves de Almeida
Completam-se na próxima segunda-feira 157 anos sobre a data em que no lugar de Vale da Vinha, freguesia de S. Pedro de Alva, nasceu aquele que viria a ser figura destacada, não só do movimento que conduziu à implantação da República, mas igualmente do conjunto dos titulares de altos cargos políticos da história de Portugal do século XX: foi Deputado, Ministro, Primeiro Ministro e Chefe de Estado.

Assinalando a data de nascimento de António José de Almeida, celebra Penacova, desde 1976, o seu Feriado Municipal. Umas vezes, evocando com grande convicção a vida e obra deste seu filho ilustre, outras, ficando-se pela rotineira deposição de uma coroa de flores, quer junto do busto no Largo Alberto Leitão, quer na base da estátua erigida em S. Pedro de Alva. O nome desta personalidade, não pode ser apenas uma espécie de bandeira que até dá jeito arvorar de vez em quando. A memória de António José de Almeida, uma das figuras mais importantes da história contemporânea, exige mais do que o cumprimento de um qualquer ritual politicamente correcto. Exige, por exemplo, que não se deixe cair a ideia de criação da “Casa-Museu António José de Almeida”, enquanto Centro de Interpretação da I República e Núcleo Museológico onde além do papel de divulgação cultural e científica, acção educativa e formação cívica, se desenvolveria, sem dúvida, um pólo de atracção turística.
Nascido a 17 de Julho de 1866, às terras de Penacova se manteve ligado ao longo da vida, quer por laços familiares, quer por compromissos políticos com os seus conterrâneos. Isto mesmo nos revela, por exemplo, um bilhete postal enviado para Vale da Vinha com data de 28 de Dezembro de 1890, onde o republicano e advogado Lomelino de Freitas, esperando “mais este sacrifício pelo partido”, incentiva António José de Almeida a dinamizar o processo de instalação e nomeação de delegado da Comissão Municipal Republicana em Penacova.

Frequentou o ensino primário na sede da sua freguesia – Farinha Podre (actual S. Pedro de Alva). Teve como professor João Gama Correia da Cunha, natural de Mouronho, mestre atento, desde muito cedo, ao carácter daquele seu aluno. João Gama escreveu para o jornal A Oficina, publicado em Coimbra, uma carta em apoio do seu antigo pupilo quando este se encontrava preso por motivos políticos em 1890. Convicto de que ”homens como ele não aparecem todos os dias”, afirma igualmente que muito havia a esperar da “ilustração e boa vontade daquele rapaz”.

Autor: João Evangelista da Cunha e Costa // © Museu da Presidência da República
Foi enquanto estudante de Coimbra que António José de Almeida começou a manifestar a sua vocação política. No entanto, as primeiras influências republicanas dever-se-ão ao referido professor das primeiras letras, republicano convicto, bem como a outras personalidades daquela freguesia que conviviam com a respeitada família “Almeida” e que o acompanharam aquando do julgamento e durante os meses que passou na Cadeia de Coimbra, acusado de crime de abuso de liberdade de imprensa, na sequência do artigo “Bragança, o Último”, publicado na folha académica Ultimatum.
António José de Almeida concluiu o curso de Medicina em 1895. Partiu para S. Tomé no ano seguinte, onde exerceu clínica e participou em negócios do café liderados por irmãos seus. Regressou em 1903 e ainda nesse ano iniciou uma viagem de estudo, que se estenderá até Março de 1904, passando por França, Itália, Suíça e Holanda. Em 1906 integrou o Directório do Partido Republicano Português. Nesse ano, foram eleitos os primeiros deputados republicanos: António José de Almeida, Afonso Costa, Alexandre Braga e João de Menezes. A luta contra a Monarquia intensifica-se através da imprensa e da realização de inúmeros comícios, onde a presença de António José de Almeida passou a ser uma constante. Em 28 de Janeiro de 1908, na sequência de uma tentativa de golpe de Estado, foi preso, juntamente com outros republicanos. Em Abril desse ano foi novamente eleito, conseguindo o Partido Republicano eleger sete membros para a Câmara dos Deputados. Em Abril de 1909, no Congresso daquele partido e por indicação da Carbonária (em 1907 entrara para a Maçonaria) assumiu a direcção civil do Comité Revolucionário.
Orador eloquente, assinou também inúmeros artigos em jornais e publicações republicanas e fundou a revista Alma Nacional (1909) e o jornal República (1911).
António José de Almeida continuou a marcar presença em muitos dos comícios que se foram realizando por todo o país. Refira-se Viseu, no dia 8 de Março de 1908, Tábua, um ano depois e S. Pedro de Alva em 1 de Agosto de 1909. A este último local, terão acorrido milhares de pessoas: 3 000, segundo o Jornal de Penacova, 4 000 de acordo com notícia de O Poiarense. A data ficará marcada na história local como sendo a primeira e única vez que António José de Almeida se dirigiu em público às pessoas da sua terra. No discurso que proferiu fez questão de esclarecer que não vinha “pedir nem votos, nem influências, nem importância” pois “nada precisava da República, como nada aceitava da Monarquia.” Vinha sim, qual “combatente que vem oferecer o seu braço, o seu cérebro e o seu esforço, junto dos homens da sua terra para os ajudar a redimir e salvar”.
Com a proclamação da República, António José de Almeida integrou o Governo Provisório, assumindo a importante pasta de Ministro do Interior, cargo que desempenhará até ao dia 3 de Setembro de 1911.
Neste ano, deu-se a cisão do Partido Republicano. O espectro partidário republicano virá a passar, até 1919, pelos Democráticos (liderados por Afonso Costa), pelos Evolucionistas (liderados por António José de Almeida) e pelos Unionistas (liderados por Brito Camacho).

Autor: Joshua Benoliel // © Centro Português de Fotografia
Com a criação do Partido Evolucionista (o I Congresso realizou-se em Lisboa a 8 de Agosto de 1913) António José de Almeida reforça os contactos e cimenta as simpatias na região das Beiras, principalmente nos concelhos pertencentes ao Círculo Eleitoral de Arganil (Arganil, Góis, Miranda do Corvo, Lousã, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, Penacova, Poiares e Tábua). Em Penacova, o Jornal de Penacova, periódico fundado em 1901, mas comprado em 1908 por Amândio dos Santos Cabral, assume-se como órgão concelhio do Partido Evolucionista.
A carreira política de António José de Almeida registou um novo capítulo em 1916. No contexto da I Guerra Mundial, assumiu as funções de Presidente do Ministério (Primeiro Ministro) e de Ministro das Colónias, no Governo da “União Sagrada”, formado por Evolucionistas e por Democráticos. No entanto, a ruptura desta “coligação” acabou por acontecer no dia 25 de Abril de 1917.

Autor: Fotógrafo não identificado // © Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
Em 1919, António José de Almeida regressou ao primeiro plano dos órgãos do Estado, agora como Presidente da República. Apesar de ter enfrentado um dos períodos “mais trágicos da República”, foi o único a cumprir integralmente, entre 1919 e 1923, os quatro anos de mandato presidencial. No período que vai de 5 de Outubro de 1919 a 5 de Outubro de 1923, António José de Almeida, além de muitos outros dissabores, teve que “lidar” com dezassete Governos e terá que enfrentar os trágicos acontecimentos da “Noite Sangrenta” de Outubro de 1921. No entanto, o sucesso da travessia aérea Lisboa-Rio de Janeiro e, pouco depois, o momento “glorioso” da sua “triunfal” visita presidencial ao Brasil, nos finais do Verão de 1922, marcarão positivamente o seu mandato. Saliente-se que precisamente há 100 anos era ainda António José de Almeida o Presidente da República Portuguesa.
Morreu novo. Vitimado pela doença (gota) que o acompanhou ao longo da vida, faleceu em Lisboa no dia 31 de Outubro de 1929. A Comarca de Arganil publicou uma notícia com foto e uma gravura da casa de Vale da Vinha, vincando que “com o desaparecimento do Dr. António José de Almeida” perdia “a Pátria um dos seus maiores soldados e a República um dos seus maiores generais.” Durante vários anos a imprensa local e regional não deixou cair no esquecimento a data de 31 de Outubro, mas só com o 25 de Abril a figura de António José de Almeida foi, em certa medida, reabilitada depois de ter sido “silenciada” durante muitos anos.
Para um conhecimento da vida e da obra de António José de Almeida é incontornável a consulta da “biografia ilustrada” António José de Almeida e a República, de Luís Reis Torgal e Alexandre Ramires, publicada em 2004. De referir igualmente, quer o livro de Ana Paula Pires, editado em 2012, António José de Almeida: o Tribuno da República, quer a colectânea Quarenta Anos de Vida Literária e Política, em quatro volumes, reunindo discursos e outros textos, publicada em 1933. Sobre o movimento republicano e a aclamação da República em Penacova a Câmara Municipal, aquando do Centenário, publicou Penacova e a República na Imprensa Local tendo como autor David Almeida.
Em 5 de Outubro de 1976 foi inaugurado na vila de Penacova um busto de António José de Almeida, obra escultórica do Mestre Cabral Antunes, com a seguinte legenda: “Homenagem do Concelho de Penacova ao Dr. António José d’Almeida – Glória Concelhia e Nacional”. Em 1997, igualmente na data da implantação da República, foi inaugurada uma estátua em S. Pedro de Alva, sede da freguesia da sua naturalidade. Outro acto de homenagem foi, como já aqui sublinhámos, a instituição do dia 17 de Julho como Feriado Municipal de Penacova, por deliberação da Assembleia Municipal reunida no dia 28 de Maio de 1976.

Lisboa
Autor: Fotógrafo não identificado // © Museu da Presidência da República
Em lugar nobre da cidade de Lisboa, na Praça onde convergem a Avenida Miguel Bombarda e a Avenida António José de Almeida, encontramos um imponente Memorial, inaugurado, por iniciativa do Governo de então, a 31 de Dezembro de 1937. De composição simples, é constituído pela figura do médico, escritor, jornalista e político, de pé, esculpida em bronze, sobressaindo do monumento a figura da República, esculpida em pedra. A face principal do monumento apresenta a seguinte legenda: “António José de Almeida, ardente tribuno, patriota perfeito, cidadão exemplar – Presidente da República 1919 -1923 -17-7-1866 – 31-10-1929”.