Lisa Gambini
Esta semana teve lugar uma nova greve dos farmacêuticos do Sistema Nacional de Saúde.
Outrora uma profissão considerada e respeitada, a classe farmacêutica, com uma formação exigente e de qualidade, vê-se, aos olhos da maioria, limitada à dispensa de “remédios”, o que não podia ser mais injusto.
A farmácia comunitária é a face mais visível da profissão e é o primeiro local a que os portugueses recorrem em questões de saúde. É o setor que reúne mais farmacêuticos em Portugal, que presta serviços de proximidade e que tem um papel crucial na rede de cuidados de saúde. Contudo, o seu posicionamento ainda fica muito aquém dos
nossos parceiros europeus, bem como as condições remuneratórias e as perspetivas profissionais oferecidas.
Os farmacêuticos do SNS, manifestamente poucos para o seria desejável a bem da garantia de cuidados de saúde de qualidade onde seja assegurado, entre outros, o uso racional e seguro do medicamento, divididos pelas especialidades de farmácia hospitalar, análises clínicas e genética humana, são profissionais de inquestionável importância e que servem todos os outros serviços dos hospitais.
Infelizmente o reconhecimento dos farmacêuticos em Portugal está longe da valorização e segurança profissional que é oferecida na maioria dos outros países europeus e da responsabilidade e preparação técnica inerente à profissão. A atenção que tem sido dada à área farmacêutica no Serviço Nacional de Saúde é praticamente nula.
Recorde-se que as condições oferecidas em nada valorizam estes profissionais altamente diferenciados, para não dizer que são quase ofensivas, quando comparadas com outras áreas. Ora, esta triste realidade das condições remuneratórias, falta de perspetivas de evolução na carreira e vínculos precários parece continuar escondida e esquecida.
Na prática, independentemente da experiência, especialização e competências do profissional, verifica-se, que o salário oferecido a um farmacêutico, que assume posições de responsabilidade, é, não raras vezes, motivo de vergonha para a classe, não só em farmácia comunitária, onde os ordenados são cada vez mais baixos e indiferenciados, como na área hospitalar, onde os que tem a “sorte” de conseguir entrar debatem-se também com as condições oferecidas e os que já lá estão não veem a especialidade reconhecida nem o tempo de serviço contado para a progressão na carreira.
A regra geral para os farmacêuticos portugueses parece mesmo ser a não devida valorização, nem pelas entidades privadas nem pelas entidades públicas.
Para ser farmacêutico em Portugal (Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas), além de cinco anos de curso mais o período de estágio, é necessário o respeito pelo código deontológico da profissão e a inscrição na Ordem dos Farmacêuticos, ou seja, além de uma formação superior exigente, existe também a formação continua obrigatória (paga na maioria das vezes) e a inerente responsabilidade profissional. Ora tal, a bem da qualidade dos serviços farmacêuticos prestados, deveria ser reconhecido e devidamente recompensado.
Deveriam reter-se talentos, valorizar as pessoas, fomentar o compromisso a longo-prazo, com foco na atividade e no doente, de forma proactiva. Os recursos humanos assumem um aspeto central nas organizações, ainda para mais em organizações que prestam serviços de saúde. Não é de todo sensato que os fatores chave, num setor sensível como é o da saúde, sejam o mais “barato” e a insatisfação dos profissionais.
É frequente vermos na comunicação social os bastonários das Ordens dos Médicos e dos Enfermeiros a defenderem as causas dos seus associados. Contudo, parece que esta visibilidade e capacidade de se fazer ouvir tem passado ao lado da Ordem dos Farmacêuticos. Não digo que não se trabalhe para a valorização da profissão (de forma branda, já agora), mas o retorno efetivo, na prática profissional, continua a ficar muito abaixo do aceitável.
Ao deixarmos que não nos valorizem, ao não defendermos a mais-valia e importância da nossa atividade, da experiência e da formação de base, ao aceitarmos condições questionáveis de trabalho, não estamos a ser os nossos próprios inimigos? Não devíamos nós, farmacêuticos, enquanto classe, mostrar mais força, união, fazer valer a nossa competência técnica e importância no sistema de cuidados de saúde?
Lisa Gambini