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David Gonçalves de Almeida

Quando ainda jovem seminarista (1857), o futuro Cónego da Sé do Porto, Arcediago de Oliveira do Douro e eminente Orador Sagrado, António Alves Mendes da Silva Ribeiro (Penacova, 1838 – Porto, 1904) publicou no jornal “O Conimbricense” um conjunto de crónicas intituladas “Umas Férias em Penacova”, dedicadas a um seu amigo “A. M. C. de Bastos Pina”, que seria irmão do futuro Bispo de Coimbra, D. Manuel Correia de Bastos Pina. Nestes textos, a par da descrição da sua “Pátria” [Penacova], Alves Mendes tece algumas reflexões metafísicas que prenunciam já a alta craveira eclesiástica e a grande projecção nacional que este penacovense haveria de atingir.

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Por hoje deixamos aos nossos leitores um excerto dos referidos escritos onde se traça um retrato da quinta de Carrazedos e da fonte de águas férreas existente na Costa do Sol.

“[…] Ainda os rosados dedos da aurora não tinham aberto as portas do oriente, quando me achava passeando numa formosa colina, donde com toda a graça e exactidão avistava por entre as espessas e formosas oliveiras que as circundam as elevadas sumidades de seus edifícios. Sentei-me então sobre a relva juncada de mimosas flores que, com seu delicado odor, incensavam toda aquela vasta paisagem.

Não se via aí mais do que uma simplicidade rústica e natural, capaz de fazer atrair o encanto do génio mais indiferente: não se notava naquele ponto o precioso do ouro e da prata, a rareza dos mármores e diamantes e o encantador dos quadros e pinturas: nada mais havia do que uma natural singeleza; um aposento talhado em rocha viva, por tal forma, que excedia o maior apuro da arte humana. Uma, enfim, quase que gruta, a quem uma abóbada de interlaçadas e tenras vides forrava com seus ramos flexíveis.

Os brandos zéfiros [Zéfiro, Deus do Vento, significa aqui uma brisa suave ou vento agradável] conservavam aí – contra os ardores do sol, que esplêndido e radioso se erguia majestosamente – uma frescura deliciosa; e inumeráveis levadas giravam com suave murmúrio por entre o milho que com uma folhagem do verde mais vivo tornava o prado de cintilante luzir, sendo este tanto mais vistoso quanto claro e puro era o cristal derramado por toda a superfície. Numa palavra, flores de considerável estima e rareza, e de países os mais remotos, destilavam o mais delicado de todos os aromas, tornando com suas cores diversas o esmalte mais precioso que haver pode.

Vizinho, e em não interrompida continuação, havia um pomar de copadas laranjeiras que com seus pomos de oiro faziam à luz do sol uma vista tal que a pena jamais pode descrever. Parecia ele estar coroando toda aquela campina que no píncaro apresentava uma casa encascada por tal forma com soberbos limoeiros que parecia uma só árvore.

Não se ouvia aí mais do que o gorjeio variado dos rouxinóis e o ruído dum fresco regato que a grossos e rápidos borbotões corria pelo meio de tão bela paisagem.

Do meu assento no encosto da colina se avistava o Mondego, que já quase moribundo, corria a passos lentos jaspeado como o cristal por entre os gigantescos álamos, já no vigor da sua força se arrostava contra as rochas que me serviam de sustentáculo e bramia com horrível estrondo.

É denominada esta bela extensão de terra Carrazedos, que sem dúvida estando no meio de um monte árido e pedregoso, onde apenas por entre as rochas se encontram pobres pastagens de que o gado se mantém, é, contudo, uma das paisagens mais férteis de Penacova. Observa-se no cimo desta chantada uma sombria floresta de monstruosos carvalhos donde em grossos jorros saem levadas da água mais límpida e fresca que vão regar todo o terreno até às margens do Mondego.

Também há em 2000 passos em distância desta, uma fonte de água férrea, que presentemente é bem concorrida. É notabilíssimo este ponto pela sanguinolenta batalha que pouco mais ou menos pelos anos de 1104 a 1105 houve entre os habitantes da vila e os monges de Lorvão. Foi ela tão cruenta que (diz a tradição) o sangue das vítimas lavou toda a superfície da colina (…)

Também daí se divisavam em solta cortina duas grandes serranias, que parecendo querer furar o azul da abóbada etérea, davam a meus olhos um lindo horizonte. As encostas vizinhas estavam juncadas de verdes pâmpanos, donde outrora (!) a uva mais lustrosa do que o ouro encurvava com graça as parras que as sustinham, e por fim, o olivedo que cerca a minha pátria tornava este país da mais graciosa contemplação”.


Para saber mais sobre António Alves Mendes da Silva Ribeiro, leia a crónica de David Gonçalves de Almeida, publicada no blogue Penacova Online.

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